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Mariana Yante

Pesquisadora do Instituto de Estudos da Ásia/UFPE e Visiting Researcher na Shanghai JiaoTong University.

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As mulheres no governo Bolsonaro e a representação contraintuitiva das minorias

Seria difícil resumir todas as incertezas relacionadas à efetivação dos Direitos Humanos nos próximos anos, mas é importante pensar no papel que a diversidade na representação institucional formal e efetiva detém. Se a primeira não garante a última, é certo que os mitos da meritocracia e da igualdade de oportunidades tampouco o fazem

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O conturbado processo eleitoral brasileiro está – tecnicamente – encerrado e, anunciadas as novas deputadas e senadoras, além das indicações ministeriais para a composição do primeiro escalão do Executivo Federal, pode-se fazer um balanço dos avanços e retrocessos da representação feminina no poder público.

Apesar de a América Latina e o Caribe consistirem na região com mais representação feminina em órgãos legislativos, com uma média de 29,8%, em maio/2018, e superando os 40% na Bolívia, Costa Rica, Cuba, Granada e Nicarágua, o Brasil é um dos catorze países em que sequer 20% são alcançados (10,7% em 2018).

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Embora, na Ciência Política, existam muitos debates em torno das teorias da representação e de qual seria o melhor critério para definir o que é um(a) bom(a) representante, a quantidade de mulheres no parlamento é um dos indicadores internacionalmente definidos para medir a igualdade de gênero e o empoderamento feminino desde os Objetivos do Milênio da Organização das Nações Unidas, estabelecidos a partir de 2002.

Isso se deve à reconhecida importância de que mulheres, assim como outras minorias (e aqui se utiliza o termo não no sentido numérico, mas de grupos cujos interesses são sub-representados), ocupem espaços de tomada de decisão, sobretudo em termos de políticas públicas.  

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A maior participação feminina no Congresso, por exemplo, tem demonstrado que as mulheres são mais eficientes na construção de consenso e na efetivação de políticas públicas em realidades distintas, como a dos Estados Unidos.

No caso brasileiro, as eleições ocorridas este ano mantiveram o número de mulheres no Senado (7), mas, na Câmara dos Deputados, o montante aumentou de 51 para 77, embora apenas PSOL e PTC – este com apenas dois assentos – tenham paridade de gênero. Considerando apenas os dados referentes à Câmara, a atual composição deixa o Brasil com a pior representatividade feminina da América Latina, embora a Lei dos Partidos Políticos (n. 9.096/95) garanta em tese trinta por cento das candidaturas femininas.  

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Vale ressaltar que, em 2017, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 134/15, foi rejeitada pelo Congresso, e garantia um mínimo de 10% de mulheres em cada casa legislativa, incluindo estados e municípios. Quando lembramos que apenas 0,6% dos vereadores e vereadoras são mulheres negras, de acordo com a organização Gênero e Número, a necessidade de não mais vetar iniciativas semelhantes fica evidenciada.   

O Brasil também reflete a tendência de que mulheres estejam à frente da pauta progressista. Na agenda ambiental, por exemplo, duas mulheres estão entre os(as) dez deputados(as) mais ativos(as) nas pautas de desenvolvimento sustentável, clima e energia – Luiza Erundina (PSOL/SP) e Erika Kokay (PT/DF) – e nenhuma entre os(as) menos ativos(as), de acordo com o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), vinculado ao Instituto da Democracia.

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No Executivo Federal, uma composição mista de ministros e ministras é, no mínimo, uma tentativa de refletir a diversidade do país. Com um ministério que não possui negros(as) ou nordestinos(as), Jair Bolsonaro indicou apenas duas mulheres entre seus vinte e dois ministros – Tereza Cristina e Damares Alves. No entanto, a reflexão deve ir mais a fundo: essas indicações se aproximam em qualquer medida de uma pauta mais alinhada com a proteção dos direitos individuais, sociais e difusos? Não é o que parece.

A futura Ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM/MS), embora tenha recentemente se pronunciado sobre sua intenção de encorajar o cumprimento do Código Ambiental, salientando que “a preservação só vale a pena se a pessoa sentir que ela tem alguma bonificação”, tem um desempenho sofrível na pauta das mudanças climáticas. De acordo com a mesma análise, ela ocupa o n. 401 de 470  em relação às proposições legislativas que afetam o clima do planeta.

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Alguns dos projetos com viés ambientalista mais recentes da deputada, que já foi diretora, por quatro anos, da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (ACRISSUL), incluem a proibição do uso da palavra “leite” para designar produtos de origem vegetal, como derivados de coco, soja e outros grãos, já que a indústria a utiliza “não apenas quando se trata do líquido branco alimentício que é segregado pelas mamas de fêmeas de mamíferos, mas em qualquer suco vegetal branco ou esbranquiçado”.

A despeito de haver votado favoravelmente pelas cotas de mulheres no Poder Legislativo, a então deputada manifestou acordo com os projetos da PEC dos gastos públicos (EC n. 95) e da reforma trabalhista. Além disso, pronunciou-se em outros capítulos polêmicos, como o  projeto para combater práticas tradicionais nocivas em sociedades indígenas, o Projeto de Lei (PL) n. 1057/07, a cobrança de cursos em universidades públicas e a redução da maioridade penal para 16 anos nos crimes hediondos, homicídios dolosos, e lesões corporais graves/seguidas de morte.

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Damares Alves (ainda sem filiação partidária), indicada para liderar o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, é ligada à ONG Movimento Atini - Voz Pela Vida discriminatório à comunidade indígena e por tentar "legitimar as ações missionárias no interior das comunidades indígenas". O Ministério Público Federal processou a organização após a exibição do falso documentário “Hakani”, produzido por uma organização missionária extremista estadunidense chamada “Youth With a Mission” sobre o suposto infanticídio de uma criança da tribo Suruwaha, envolvido em escândalos relacionados à encenação e evangelização e escravização de indígenas. A página da ONG, assim como o link para doações, faz referência a uma imagem removida por determinação judicial. A divulgação do material sem nenhuma base etnográfica, segundo a própria Associação Brasileira de Antropologia-ABA, foi usada para reforçar não apenas a angariação de recursos para atividades questionáveis em comunidades indígenas no Brasil, mas também legitimar iniciativas como o PL n. 107/2007, mencionado acima.   

Entres as prioridades de Damares Alves, está a aprovação e posterior implementação das políticas relacionadas ao Estatuto do Nascituro (PL n. 478/2007) – cujo conteúdo foi este ano retomado pelos PL n. 11.148/2018 e PL n.11.105/2018) –, já aprovado nas comissões de Seguridade Social e de Finanças e Tributação e na Comissão da Mulher desde junho/2017.

Entre as controvérsias levantadas pelo projeto, estão o direito à pensão alimentícia de um salário mínimo até os dezoito anos de nascituros frutos de violência sexual, caso não identificado o genitor ou não possa este arcar com tais custos, e a criminalização do aborto culposo ou doloso.

Embora a futura ministra seja advogada e pedagoga, além de assessora do agora eleito senador, deputado federal Arolde de Campos (PSD), e tenha já dado declarações conciliatórias sobre o dever de os homens dividirem tarefas com as mulheres e que se comprometeria com o enfrentamento à violência e à reduzida empregabilidade das pessoas LGBTI em recente reunião, Damares tem um longo engajamento em campanhas contra o Programa Nacional de Direitos Humanos em vigor (o PNDH-3 ou Decreto Presidencial n. 7037/2009). Segundo a futura ministra, o programa pretende destruir a família brasileira por ter entre seus objetivos a desconstrução da heteronormatividade, que ela traduziu como uma influência – inexistente em qualquer outro país do mundo – da teoria queer. Damares é também contra a o Conselho Nacional para a Promoção da Cidadania LGBT e a criminalização da homofobia no Brasil na nova proposta de Código Penal e afirma que o “movimento gay” tem enriquecido de verbas públicas e que as igrejas evangélicas são as grandes protetoras dos homossexuais.  

Além disso, ela já sugeriu que fosse aberta uma CPI do aborto porque o financiamento às campanhas no Brasil se deve ao tráfico de fetos pelo valor de mercado da carga genética mestiça dos nascituros no país, e que a legalização é uma meta da ONU para o controle populacional.    

Seria difícil resumir todas as incertezas relacionadas à efetivação dos Direitos Humanos nos próximos anos, mas é importante pensar no papel que a diversidade na representação institucional formal e efetiva detém. Se a primeira não garante a última, é certo que os mitos da meritocracia e da igualdade de oportunidades tampouco o fazem. Assim, reconhecer e conferir espaços plurais na estrutura de governança possuem, no mínimo, a dimensão simbólica de representar o que o Brasil tem de mais valor – a diferença.   

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