Até quando a necropolítica nos governará?
As chuvas a gente não consegue evitar, mas os desastres sim!
Mais uma tragédia anunciada! Que a língua corrente naturaliza, atribui às chuvas!
Ao contrário, é preciso se indignar! Dizer com todas as letras que a forma como são tratados os efeitos das chuvas na Região Metropolitana do Recife – a exemplo de tantas outras cidades brasileiras – está intimamente associada ao abandono das populações pobres à sua própria sorte. Como foram abandonados à própria sorte os escravizados quando a escravidão foi abolida pela pena da lei no Brasil.
É preciso se indignar porque sabemos que tragédias como essa podem ser evitadas por administrações que tenham apreço por seus cidadãos e, sensíveis às dores da população, escutem com cuidado os alertas de especialistas locais e estrangeiros em eventos climáticas. São conhecidos os avisos de que tais eventos têm se tornado cada vez mais extremos por força do aquecimento global, como afirmam há décadas especialistas do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC). Devíamos, portanto, nos preparar para mitigar seus efeitos negativos, especialmente sobre a vida das pessoas.
É preciso se indignar, questionando os governantes, indivíduos que optaram por seguir carreira política em órgãos do executivo. O que faziam enquanto se anunciava o que vinha pela frente? Será que não podiam organizar um plano de emergência eficaz? Além da defesa civil, montada para situações menos extremas, não seria o caso de ativar esquemas com a devida antecedência, mobilizando recursos, brigadas, equipes de prontidão em prédios públicos, ao invés de resgates de última hora?
As chuvas a gente não consegue evitar, mas os desastres sim!
Como lembra o Prof. Jan Bitoun: “Há 20 anos, no diagnóstico do projeto Viva os Morros, há um primeiro capítulo ‘os morros urbanos entre acomodação e inovação’. Impressionante como nada mudou. Uma inércia estrutural!”
Revoltante ver que governantes e donos do poder continuam pouco se importando em prevenir essa situação, ao que ele complementa: “Donos do poder e os bacharéis associados das profissões da engenharia urbana e do arranjo político continuado para pouco fazer e isso ser aceito.”
Em meio aos escombros dos deslizamentos, cai a ficha: muitos desses bacharéis são formados nas bancas da universidade pública. A tal formação "para o mercado" que prevalece nas universidades, não apenas nas privadas, é o que gera esse profissional insensível à tragédia humana que acomete constantemente a população pobre. É preciso questionar também dirigentes e membros da comunidade universitária para refletirem sobre currículos e prioridades de uma universidade que, segundo Darcy Ribeiro, deveria ser “necessária”. Afinal, os chefes do executivo são os principais responsáveis por tais tragédias, é bom que se repita ad nauseum, mas não são os únicos.
Ao invés de olhar apenas para os territórios privilegiados, é preciso que a formação de nossos estudantes – de todos os cursos – introduzam lentes que lhes permitam enxergar demandas e necessidades das populações periféricas, destacando os cursos de engenharia civil e arquitetura, a se considerar o problema da infraestrutura urbana escancarado – mais uma vez – nestas chuvas.
Populações essas que, apenas saindo de uma pandemia que as atingiu de forma muito intensa, é novamente a mais atingida pelo desemprego e pela inflação aprofundados pelas políticas econômicas do governo federal.
Formados para enxergar os mais pobres como seres humanos e cidadãos dignos, atuariam de forma responsável e republicana nas fileiras técnicas das administrações municipais, estaduais e federais. E tragédias por eventos climáticos poderiam ser evitadas.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

