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Rodrigo Lamore

Rodrigo Lamore é cantor, músico e compositor. Possui trabalho autoral e atualmente vive de shows voz e violão em barzinhos do Rio de Janeiro. É oriundo da cidade de Guanambi - BA e tem quase trinta anos de carreira musical.

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Axé Music: folia, curtição e formação política no mesmo lugar

O Axé Music continua com sua pegada revolucionária

Olodum (Foto: Sayonara Moreno/Agência Brasil)

O Axé Music, apesar de ter sofrido, mas não totalmente, o mesmo processo de desconstrução, como ocorreu no Sertanejo e no Rap, tornando-a simplória em suas letras, com foco na diversão alienante, com lançamentos dentro da lógica da obsolescência programada (músicas de fácil assimilação que serão esquecidas em pouco tempo para dar espaço para outro lançamento), etc., ainda assim, continua com sua pegada revolucionária. Era de se esperar que houvesse essa resistência, um estilo musical que foi criado no estado nacional de maior concentração de afrodescendentes do país, e que foi o único onde aconteceu uma guerra, no contexto do processo de independência do Brasil, mas que quase culminou na independência da própria Bahia.

Canções dos anos 80 e 90 são bem mais explícitas; basta ouvir: “Protesto do Olodum”, da Banda Mel, ou “Senegal”, da Banda Reflexus, além das várias produções dos grupos Olodum e Timbalada. Em dias mais recentes ainda tivemos “Chuá, Chuá” da banda de pagodão baiano (que não é axé, mas está dentro do pacote amplo do estilo) Psirico. Em sua maioria são canções antigas, mas que permanecem firmes nos repertórios de todos os shows dos cantores e bandas que se apresentam nas festas de Carnaval todos os anos.

Assim como o Sertanejo viu seu nível artístico cair a partir da eleição de Collor, com o advento de duplas do Agro Negócio, como Zezé di Camargo & Luciano, Leandro & Leonardo, Gian & Giovanni, etc, com a prevalência de letras que só falam de relacionamentos frustrados e álcool (e sua evolução atual, o Sertanejo Universitário), o Axé também viu semelhante fenômeno no período FHC, nas tardes do SBT com Gugu e na Globo com Faustão, com as bandas É O Tchan e Harmonia do Samba. Mas, devido a fatores históricos que não cabem nesse pequeno texto, mas apresentado resumidamente no primeiro parágrafo, a música baiana não sofreu o mesmo final trágico.

Diferentemente dos outros estilos, o Axé em seu formato mais puro, o ritmo, os instrumentos, os músicos com suas características físicas típicas da Bahia, as letras políticas, e tudo isso mesclado à dança, cores, folia, alegria, diversão, conseguiu chegar à grande mídia, ainda nos anos 80, garantindo que essa configuração fosse assimilada pelo público do sudeste, no circuito Rio-São Paulo (principalmente Rio, por causa da localização da Globo). Garantiu-se então, a formação simbólica no inconsciente coletivo brasileiro de que esse estilo possui determinadas características, que como tal, se destaca perante os outros, criando uma espécie de armadura para proteção contra a deterioração musical, que ela iria ser vítima inevitável, da indústria capitalista neoliberal do final do século XX e início do XXI.

Como exemplo prático, mesmo em pleno 2025, ainda se ouve em festas na cidade carioca, durante todo o ano, tanto em playlists dos DJs quanto em shows de bandas e voz e violão, canções como “Baianidade Nagô” ou “Prefixo de Verão”. Imagine a cena: pessoas de classe média dançando, bebendo, e entoando frases como “... Cantar ao negro toque do agogô, curtindo a minha baianidade nagô...”. Qual outro estilo musical teria reais condições de entrar em situações totalmente despolitizadas ou neutras e fazer a plateia proferir palavras e frases que ouvimos apenas em reuniões de coletivos políticos?

Esse é o Axé Music, uma verdadeira escola cultural, artística e política. A verdadeira música da resistência. Há um projeto em tramitação para criar o seu dia, mais especificamente, no dia 17 de fevereiro, mesma data de lançamento da música “Fricote” de Luiz Caldas. Esperamos que dê tudo certo. O Brasil e a Bahia agradecem.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.