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      Guilherme Coutinho

      Jornalista, publicitário e especialista em Direito Público. Autor do blog Nitroglicerina Política

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      Bala perdida não acerta gente branca

      As balas perdidas têm pontos de encontro muito comuns. As mortes são toleradas pela sociedade, porque acontecem, na maioria das vezes, nas favelas, ceifando a vida daqueles que já são as maiores vítimas da violência: os negros e pobres

      As balas perdidas têm pontos de encontro muito comuns. As mortes são toleradas pela sociedade, porque acontecem, na maioria das vezes, nas favelas, ceifando a vida daqueles que já são as maiores vítimas da violência: os negros e pobres (Foto: Guilherme Coutinho)

      A cultura brasileira tem algumas peculiaridades interessantes. No norte do país, é muito difundida a figura folclórica do Boto Rosa, que segundo a lenda, engravida moças solteiras em épocas festivas. O “Boto” exime da culpa o pai que abandonou o filho ainda no ventre da mãe, que será a única responsável pela criação do filho vindouro. Outra figura presente em nossa cultura se assemelha ao Boto, justamente por sua capacidade de fantasiar uma situação real: a “bala perdida”.  Assim como um “filho do Boto” parece não ter um pai, um morto por bala perdida, aparentemente, parece não ter um assassino. Afinal é a bala, tratada aqui como protagonista, que estaria “perdida”, quase como se não tivesse sido disparada por alguém. Os eufemismos de nosso folclore costumam ser cruéis.  

      Infelizmente, bala perdida é um termo cada vez mais utilizado pelo brasileiro. Apenas neste ano, mais de cem pessoas foram vítimas desses casos, apenas no Rio de Janeiro. No primeiro semestre de 2017, a média foi uma vítima de bala perdida a cada 7 horas na capital fluminense. A situação fica ainda mais dramática quando o alvo são crianças e adolescentes. Nos últimos 3 anos, pelo menos 30 pessoas com idade igual ou inferior a 14 anos deixaram a vida prematuramente, em casos tratados como de bala perdida. 9 apenas em 2018.  Muitas delas a caminho da escola.

      Mas, para artefatos perdidos, essas balas têm pontos de encontro muito comuns. As estatísticas absurdas permanecem aumentando, sobretudo porque essas balas não estão matando gente rica e branca. As mortes são toleradas pela sociedade, porque acontecem, na maioria das vezes, nas favelas, ceifando a vida daqueles que já são as maiores vítimas da violência: os negros e pobres. O caso de Marcos Vinícius da Silva, de 14 anos, que morreu baleado quando ia a uma escola estadual, certamente seria encarado com outro peso, se a vítima em questão estivesse a caminho de uma escola particular da Barra ou da zona sul.

      Os progenitores dos “filhos de boto” não deixam de existir (e de ter obrigações legais) com a lenda nortista. Da mesma forma, a figura que disparou a bala, convenientemente chamada de perdida, não deixa de ser o autor do crime.  São bandidos portadores de armas de guerra que, muitas vezes, se escondem atrás de fardas e agem em nome do Estado. O sentido da expressão, oculto por um termo genérico, é desumano: uma notícia de bala perdida dá uma impressão mais casuística que dolosa. Ninguém morre por bala perdida, morre assassinado por alguém que puxou um gatilho e deve se responsabilizar por isso.  E a vida de todas as pessoas merecem a mesma atenção e cuidado parte das autoridades, para que se interrompa o genocídio velado em solo brasileiro.

       
       

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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