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Wilson Luiz Muller

Integrante do Coletivo Auditores Fiscais pela Democracia (AFD)

33 artigos

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Bandeiras de esquerda não podem fortalecer a direita

A esquerda não deve ter mais ilusões a respeito da eficiência desse discurso da extrema-direita. Os Bolsonaro vocalizam o pensamento de amplos setores da sociedade que pensam exatamente da mesma forma a respeito do auxílio emergencial e da campanha pelo isolamento social

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As condições objetivas em que ocorreram as eleições municipais foram muito desfavoráveis à esquerda. Mas é preciso avaliar o papel da esquerda para que a realidade objetiva, no momento da eleição, fosse esta e não qualquer outra.

Se fosse feita uma pesquisa sobre o papel desempenhado pela esquerda durante a pandemia, certamente a maioria das pessoas associaria os seguintes temas à esquerda:

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(i) campanha #fique em casa;

(ii) defesa do auxílio emergencial.

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Com o auxílio emergencial, o governo injetou na economia, até o momento da eleição, algo em torno R$ 400 bilhões, beneficiando diretamente mais de 60 milhões de pessoas. O orçamento anual do Bolsa Família para 2020 era de R$ 30,4 bilhões. O auxílio emergencial distribuído entre abril e novembro deste ano equivale a 13 anos de Bolsa Família.

Além disso, o Congresso autorizou o repasse de fundos emergenciais aos municípios para as prefeituras adotarem medidas com vistas a minimizar os efeitos nocivos da pandemia. 

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As prefeituras receberam em torno de R$ 60 bilhões de reais, usados para melhorar o atendimento aos serviços de saúde, distribuição de cestas básicas, etc. A utilização de tais fundos  foi flexibilizada, de modo que as prefeituras pudessem aplicar os recursos da maneira que melhor lhes conviesse.

De forma indireta, essas medidas emergenciais beneficiaram milhões de empresários que tiveram incremento na venda de alimentos, roupas, materiais de construção, eletrodomésticos. As medidas – algumas delas encampadas com ênfase especial pela esquerda -  fizeram circular, de forma excepcional, algo próximo de R$ 500 bilhões entre abril e novembro de 2020, gerando entre a população (principalmente a mais vulnerável) a sensação de bem-estar e tranquilidade, apesar da pandemia.

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No momento de votar, como seria de se esperar, a maior parte da população atribuiu os créditos dessa situação de aparente normalidade (até de melhoria para muitos) aos governos municipais e ao governo federal. Foi dali que vieram os bilhões generosos que irrigaram a economia de milhões de famílias. 

A absoluta maioria das prefeituras era governada por partidos de direita e extrema-direita, integrantes da base de apoio do governo Bolsonaro, ou são integrantes da base de apoio do projeto neoliberal de destruição do Estado do bem-estar social, projeto que une Bolsonaro e a direita liberal liderada pelos tucanos e democratas.

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As coisas assim vistas, com a objetividade revelada pelo resultado das urnas, mostram que algo está fora do lugar. 

O que está fora do lugar? 

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- A  atuação da esquerda que se pauta pelo assistencialismo paternalista, abandonando o caminho da luta pela superação das causas reais que produzem a fome e a miséria em nosso país;

- A atuação da esquerda que se preocupa em achar soluções paliativas que ajudam a resolver os problemas do governo. Ao invés de cumprir o papel de oposição contundente ao governo fascista, a esquerda se comporta como linha auxiliar da governabilidade. Com o fim do auxílio emergencial, setores da esquerda já se movimentam para organizar a vacinação para o governo;

- A esquerda acomodada num discurso burocrático, exigindo que o governo abra os cofres para distribuir dinheiro aos mais pobres, ao invés de ir ao encontro do seu público privilegiado (razão de existir dos socialistas) para ajudar o povo a se organizar e lutar de forma coerente contra a opressão capitalista. 

Pela atuação assistencialista da esquerda durante a pandemia, não havia razão para o povo não dar o crédito aos partidos de direita e extrema-direita, os quais estavam com a chave do cofre e que alcançaram os trocos aos pobres. Por que o povo daria o crédito para quem apenas teve a ideia das medidas emergenciais? O povo não acompanha o tortuoso processo legislativo por meio do qual poderia ficar sabendo que foi a esquerda que mais bravamente se bateu para que o dinheiro fácil chegasse ao povo pelas mãos generosas da direita.

Por mais atípico que seja o período marcado pela pandemia, por mais justificável que seja a defesa das medidas emergenciais para evitar o aumento da fome e da pobreza, as bandeiras principais dos partidos de esquerda não deveriam nunca ser estas que se destacaram ao longo do ano. Porque revela ingenuidade. Porque transforma a esquerda em algo igual a qualquer partido, uma vez que qualquer partido pode se empenhar em defender medidas assistencialistas. Porque vende a ilusão de falsas soluções. 

Porque, como se pode verificar agora, passado o período das medidas emergenciais, passado o período eleitoral, a miséria do povo retorna imediatamente ao ponto inicial da pandemia. Com agravantes, porque os governos de direita simplesmente distribuíram R$ 500 bilhões. Não construíram uma obra, não geraram um emprego; apenas ganharam as eleições, as mais caras do mundo. E o crescimento da dívida pública será, com toda certeza, descontada no lombo dos trabalhadores.

No Brasil, o povo trabalhador, os pobres em geral, não poucas vezes passaram por períodos muito difíceis. Nesses momentos, a esquerda se colocava ao lado do povo para ajudar a organizar a resistência. A esquerda se apresentava, munida de sua experiência, para ajudar os trabalhadores a conquistar os seus direitos. Isso é muito diferente do que aconteceu recentemente, porque com a luta as conquistas se tornam mais duráveis, por vezes definitivas. 

As demandas burocráticas da esquerda que visam, essencialmente, a concessão de benefícios assistenciais por parte dos governos de direita e extrema-direita não produzem nenhum legado do ponto de vista da organização consciente dos trabalhadores. Um partido de esquerda que se preze não pode se confundir com uma ong filantrópica.

Além disso, há um subproduto nefasto para a esquerda quando ela se fixa na pauta assistencial, pois isso fortalece o discurso da extrema-direita negacionista. Bolsonaro tem conseguido manter o apoio de um terço da população travando guerras contra inimigos imaginários. Um desses mais novos inimigos da nação são “os vagabundos da esquerda que querem ficar em casa, sem trabalhar, recebendo dinheiro do governo”.

Em 17 de setembro de 2020, Bolsonaro atacou professores durante sua live presidencial.

“Ficam ouvindo sindicato de professores. Pessoal deve saber como que é composto a ideologia dos sindicatos dos professores pelo Brasil quase todo. É um pessoal de esquerda radical. Para eles tá bom ficar em casa, por dois motivos: primeiro eles ficam em casa e não trabalham, por outro colabora que a garotada não aprenda mais coisas, não volte a se instruir”.

Mais recentemente, em 03 de dezembro de 2020, Eduardo Bolsonaro reforçou o ataque aos trabalhadores que não estariam querendo trabalhar. Ele afirmou que há empregos disponíveis para quem queira trabalhar.

“Mentira! Nunca quiseram trabalhar. Agora estão com desculpinha de ‘bozo’. O nível só vai aumentando”.

A esquerda não deve ter mais ilusões a respeito da eficiência desse discurso da extrema-direita. Os Bolsonaro vocalizam o pensamento de amplos setores da sociedade que pensam exatamente da mesma forma a respeito do auxílio emergencial e da campanha pelo isolamento social. São empresários, milhões de trabalhadores que vivem de bico e que não podem ficar em casa, milhões de trabalhadores com emprego formal mas que são obrigados a trabalhar de forma presencial nas empresas, submetendo-se a aglomerações nos transportes coletivos e nos locais de trabalho.

Essa parcela da população que se sente amparada – defendida – pelo discurso bolsonarista pode não representar a maioria absoluta da população, mas é suficientemente grande para Bolsonaro continuar mantendo sua guerra “contra esse bando de vagabundos” representado pela esquerda. A força do bolsonarismo consiste, em grande parte, da escolha inteligente que faz, em cada momento, dos inimigos da nação a serem combatidos.

Enquanto perdurarem os efeitos da pandemia, a esquerda ficará  presa a essa armadilha criada pelo seu discurso burocrático e assistencialista, que consiste em exigir, de um governo neoliberal e fascistoide, a adoção de medidas coerentes que atendam às necessidades da população mais vulnerável. 

Continuar batendo nessa mesma tecla é tudo quanto o bolsonarismo sonha que seja feito pelas esquerdas. 

É urgente que a esquerda avalie suas estratégias de curto e médio prazo. As bandeiras levantadas no último período não sensibilizaram a maioria da população; ou então – o que é pior ainda - foram apropriadas para favorecer política e eleitoralmente a direita.

A esquerda precisa retornar ao leito próprio, apontando o caminho da luta, forjando junto ao povo novas formas de organização e resistência. 

É preciso mostrar que o capitalismo na sua fase atual – o ultraliberalismo de viés fascista – é a causa primeira e última da piora das condições de vida do povo trabalhador.

É preciso mostrar que há um horizonte novo possível de ser construído. É preciso semear a esperança de uma sociedade organizada em outras bases: solidária, justa, socialista. 

É preciso centrar o combate nas pautas capazes de melhorar  de forma concreta a vida do povo: trabalho, terra, direitos trabalhistas e remuneração decente, moradia, saúde, educação, liberdade, respeito à diversidade sexual e de gênero. 

É a retomada da atuação típica dos partidos de esquerda que fará com que não sejamos confundidos com qualquer partido. 

As bandeiras da esquerda devem ser únicas. Bandeiras que interessam somente aos trabalhadores e oprimidos.  

Bandeiras que nunca poderão ser assumidas por partidos de direita. 

Bandeiras, que não possam ser apropriadas para se transformar em vitórias dos inimigos das classes trabalhadoras.

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