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Pepe Escobar

Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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Bem-vindos à chocada e aterrorizada geopolítica do século XXI

Com o soco triplo da Rússia-China-Irã no meio da cara do Hegêmona, agora temos um novo tabuleiro no xadrez da geopolítica, analisa o jornalista Pepe Escobar

Sergei Lavrov e Wang Yi (Foto: Reuters)
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Por Pepe Escobar, para o Asia Times

Tradução de Patricia Zimbres, para o 247

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Foi só 18 anos após a operação Choque e Terror ter sido desencadeada contra o Iraque que o Hegêmona ficou impiedosamente chocado e aterrorizado com uma virtualmente simultânea operação diplomática um-dois Rússia-China.

O quanto esse momento representa um divisor de águas não pode ser enfatizado o bastante: a política do século XXI jamais será a mesma.

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Mas foi o Hegêmona quem primeiro cruzou o Rubicão diplomático. Os manipuladores do holograma Joe "eu faço tudo que você quiser que eu faça, Nance" Biden haviam sussurrado em seu aparelho auditivo que era para ele xingar o presidente russo Vladimir Putin de "matador" desalmado bem no meio de uma entrevista chapa-branca.  

Nem mesmo no auge da Guerra Fria as superpotências alguma vez recorreram a ataques ad hominem. O resultado dessa mancada tão estarrecedora foi arregimentar a quase totalidade do povo russo a favor de Putin - porque o ataque foi percebido como dirigido contra o Estado russo.
Então veio a resposta de Putin - tranquila, calma, contida e muito diplomática, que merece um exame cuidadoso. Suas palavras pontiagudas como adagas talvez representem os cinco minutos mais devastadores e poderosos da história das relações internacionais na era pós-verdade.

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Em Para o Leviatã, é tão frio no Alasca, previmos o que poderia acontecer na cúpula Estados Unidos-China 2+2 a ter lugar em um hotel dilapidado em Anchorage, com tigelas de miojo vagabundo de brinde.

O protocolo milenar da diplomacia chinesa dita que as discussões devam começar tratando de pontos de comum acordo - que são então exaltados como de importância maior que as desavenças entre as partes da negociação. No cerne dessa prática está o conceito de "não perder a face". Só depois é que as partes passam a discutir suas diferenças.

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Mas era totalmente previsível que um bando de americanos amadores, sem o mínimo tato nem noção do que quer que seja estilhaçariam essas regras diplomáticas básicas para mostrar "força" para a galera de casa, destilando a proverbial litania sobre Taiwan, Hong Kong, Mar do Sul da China, "genocídio" dos uigures. 

Ó, céus! Não havia um único picareta do Departamento de Estado com um mínimo de conhecimento sobre o Leste Asiático para advertir os amadores de que ninguém se mete a besta impunemente com o formidável chefe da Comissão de Relações Exteriores do Partido Comunista, Yang Jiechi.

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Visivelmente surpreso, mas controlando sua exasperação, Yang Jiechi devolveu o golpe. E os tiros foram ouvidos por todo o Sul Global. 

Eles tinham que incluir uma lição básica de boas maneiras: "Se vocês quiserem lidar conosco da maneira correta, tenhamos algum respeito mútuo e façamos as coisas do jeito certo". Mas o que sobressaiu foi uma mistura diagnóstica concisa e cortante de história e política:

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Os Estados Unidos não estão qualificados para falar da China de forma condescendente. O povo chinês não aceitará isso. O trato com a China tem que se basear em respeito mútuo, e a história provará que aqueles que tentam estrangular a China acabarão por sofrer.

E tudo isso traduzido em tempo real pela jovem, linda e superqualificada Zhang Jing – que, como seria inevitável, se transformou do dia para a noite em uma superstar na China, conseguindo um assombroso total de mais de 400 milhões de curtidas na Weibo.

A incompetência do braço "diplomático" do governo Biden-Harris é inacreditável. Usando uma manobra Sun Tzu básica, Yang Jiechi virou a mesa e deu voz ao sentimento predominante da maioria esmagadora do planeta. Enfiem sua "ordem baseada em regras". Nós, as nações do mundo, privilegiamos a Carta das Nações Unidas e a primazia do direito internacional.

Assim, sendo, foi isso que a reunião Rússia-China um-dois conseguiu quase que instantaneamente: de agora em diante, o Hegêmona deve ser tratado, por todo o Sul Global, com, na melhor das hipóteses, desprezo.

Um processo histórico inevitável 

No pré-Alasca, os americanos lançaram uma charmosa ofensiva de "consultas" no Japão e na Coreia do Sul. Isso é irrelevante. O que importa é o pós-Alasca, e a crucial reunião de ministros das Relações Exteriores, entre Sergey Lavrov e Wang Yi realizada em Guilin.
Lavrov, sempre imperturbável, esclareceu em uma entrevista à mídia chinesa de que forma a parceria estratégica Rússia-China vê o atual desastre diplomático dos Estados Unidos:

Na verdade, eles, em grande medida, perderam a capacidade para a diplomacia clássica. A diplomacia trata das relações entre as pessoas, da capacidade de ouvir um ao outro e chegar a um equilíbrio entre interesses concorrentes. Esses são exatamente os valores que a Rússia e a China vêm promovendo na diplomacia.

A consequência inevitável é que a Rússia e a China têm que "consolidar nossa independência": "Os Estados Unidos já declararam que impor limites ao avanço tecnológico da Rússia e da China é seu objetivo. Nós, portanto, temos que reduzir nossa vulnerabilidade às sanções fortalecendo nossa independência tecnológica, e passar a utilizar outras moedas que não o dólar nas transações nacionais e internacionais. Temos que abandonar os sistemas internacionais de pagamentos controlados pelo Ocidente".

A parceria Rússia-China identificou claramente que, tal como apontado por Lavrov, "os parceiros ocidentais" vêm promovendo sua agenda movida à ideologia tendo como objetivo manter seu domínio atrasando o progresso de outros países. Suas políticas se contrapõem aos objetivos do desenvolvimento internacional e, como se dizia antes, eles estão do lado errado da história. O processo histórico seguirá seu curso, aconteça o que acontecer".

Nenhuma apresentação vigorosa do inevitável "processo histórico" conseguiria ser mais clara. E, previsivelmente, não demorou muito para que os "parceiros ocidentais" lançassem mão - do que mais seria? - de seu velho saco de truques cheio de sanções.

Lá vamos nós de novo: uma "aliança" Estados Unidos, Reino Unido, União Europeia e Canadá sancionando autoridades chinesas específicas porque, nas palavras de Blinken, "a RPC [República Popular da China] continua a cometer genocídio e crimes contra a humanidade em Xinjiang".

A União Europeia, o Reino Unido e o Canadá não tiveram coragem de impor sanções a um player de importância central: o dirigente do partido em Xinjiang, Chen Quanguo, que é membro do Politburo. A resposta chinesa - econômica - teria sido devastadora.
Mesmo assim, Pequim contra-atacou com suas próprias sanções - mirando, principalmente, o alemão evangélico de extrema-direita que posa de "acadêmico", que produziu grande parte da "prova" completamente desmoralizada da existência de um milhão de  uigures presos em campos de concentração.

Mais uma vez, os "parceiros ocidentais" são impermeáveis à lógica. Agravando o já pavoroso estado das relações União Europeia-Rússia, Bruxelas opta por antagonizar também a China, com base em um único dossiê falso, jogando a favor da agenda não exatamente secreta do Hegêmona de Dividir e Dominar.

Missão (quase) cumprida: diplomatas de Bruxelas me dizem que o Parlamento Europeu está praticamente decidido a se recusar a ratificar o acordo comercial China-União Europeia tão cuidadosamente negociado por Merkel e Macron. As consequências serão imensas.

Blinken, portanto, terá razões para se alegrar quando se encontrar com a variedade de eurocratas e burocratas atlanticistas nesta semana, antes da cúpula da OTAN.

Temos que aplaudir a audácia dos "parceiros ocidentais". A operação Choque e Terror vai fazer dezoito anos - foi aí que começaram os bombardeios, a invasão e a destruição do Iraque. Faz dez anos que começou a total destruição da Líbia pela OTAN e seus minions do Conselho de Cooperação do Golfo, com Obama-Biden "liderando da retaguarda". Já faz dez anos que começou a selvagem destruição por procuração da Síria, com jihadistas disfarçados de "rebeldes moderados".

Mas agora os "parceiros ocidentais" estão chocadíssimos com a triste situação dos muçulmanos da China Ocidental.

Pelo menos, há trincas no circo ilusionista da União Europeia. Na semana passada, o Círculo Conjunto de Reflexão das Forças Armadas Francesas (CRI) - na verdade um think-tank independente de oficiais de alta patente hoje na reserva - escreveu uma carta surpreendentemente franca a Stoltenberg, o boneco de papelão que hoje é secretário-geral da OTAN, acusando-o de se comportar de fato como um serviçal dos Estados Unidos, com a implementação do plano OTAN 2030. Os oficiais franceses tiraram a conclusão correta: o combo Estados Unidos-OTAN é a principal causa das péssimas relações com a Rússia.

Estes idos de março

Enquanto isso, a histeria das sanções continua como um trem desembestado. Biden-Harris já ameaçou impor novas sanções às importações chinesas de petróleo iraniano. E ainda há mais a caminho - sanções sobre produtos industrializados, tecnologia, 5G, cadeias de fornecimento, semicondutores.

Mesmo assim, ninguém está tremendo de medo. Em perfeita sincronia com a Rússia e a China, o Irã acelerou o jogo, e o Aiatolá Khamenei fez publicar as diretrizes para o retorno de Teerã ao Plano de Ação Conjunto Abrangente (JCPOA), o acordo nuclear do Irã.

1. O regime dos Estados Unidos não tem a menor condição de impor novas exigências ou de fazer qualquer mudança com relação ao acordo nuclear.

2. Os Estados Unidos são mais fracos hoje do que eram quando o JCPOA foi assinado.

3. O Irã, hoje, se encontra em posição mais forte. Se alguém for capaz de impor novas exigências, esse país é o Irã, não os Estados Unidos.

E, com isso, temos o soco triplo da Rússia-China-Irã no meio da cara do Hegêmona.

Em nossa conversa/entrevista mais recente, a ser em breve lançada em vídeo acompanhado de transcrição, Michael Hudson – que pode ser considerado o maior economista do mundo - tocou no cerne da questão:  

A luta contra a China, o medo da China, é que não se pode fazer com a China o que se fez com a Rússia. Os Estados Unidos adorariam que houvesse uma figura como Yeltsin na China para dizer: vamos dar todas as estradas de ferro que vocês construíram, as estradas de ferro de alta velocidade, vamos dar toda a riqueza, vamos dar as fábricas a indivíduos e deixemos que os indivíduos controlem tudo, e então, nós vamos emprestar dinheiro a eles  e vamos comprá-los e controlá-los financeiramente. E a China não está deixando isso acontecer. E a Rússia evitou que isso acontecesse. E a fúria no Ocidente é que, por alguma razão, o sistema financeiro americano é incapaz de dominar os recursos estrangeiros, a agricultura estrangeira. Ele se vê reduzido a meios militares para se apossar deles, como estamos vendo no Oriente Próximo. E estamos vendo na Ucrânia, neste exato momento.

Continua no próximo episódio. Do jeito que as coisas andam, devemos todos assegurar que os Idos de Março – em sua versão 2021 – já configuraram um tabuleiro geopolítico totalmente novo. A dupla-hélice Rússia-China em um trem de alta velocidade deixou a estação - e não há volta possível.

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