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Pedro Simonard

Antropólogo, documentarista, professor universitário e pesquisador

92 artigos

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Bem-vindos à luta de classes

A crise na saúde mundial causada pelo Covid-19 feriu, profundamente, o discurso neoliberal

(Foto: Reuters)
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O Jornal Nacional desta quarta-feira, 25 de março de 2020, exibiu várias entrevistas criticando Jair Bolsonaro. Toda esta edição do JN se dedicou a mostrar como o lamentável cidadão que as Organizações Globo ajudaram a colocar na Presidência da República está colocando em risco a vida dos brasileiros. Foram várias críticas, mas vou me ater à questão econômica.

Na última semana os liberais descobriram que a ladainha do “Estado mínimo”, insistentemente repetida desde a década de 1980, levou o mundo a um impasse. A tão propalada e incensada globalização e sua base econômica precarizaram o trabalho, privatizaram a saúde, concentraram a riqueza e criaram um nível de interdependência entre as economias mundiais cuja consequência é que a paralização da produção em um país atinge fortemente a economia e a produção em todos os outros.

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A crise na saúde mundial causada pelo Covid-19 feriu, profundamente, o discurso neoliberal. Nas últimas semanas vozes liberais têm vindo a público defender a intervenção do Estado na economia como forma de minimizar a crise econômica que atingirá o mundo como consequência, sobretudo, da interferência da epidemia de Covid-19 na produção, na distribuição e no consumo, primeiro na China, no mundo todo logo a seguir.

Na edição em questão do JN, vários economistas liberais criticaram o governo Bolsonaro por não estar injetando dinheiro, ou por estar injetando pouco, na economia para assegurar a renda dos trabalhadores e salvar as empresas da falência, principalmente as micros, pequenas e médias. Armínio Fraga e Luiz Carlos Mendonça de Barros, que participaram ativamente do governo liberal do FHC, defenderam no JN que o governo intervenha na economia. Mônica de Bolle, ex-funcionária do Fundo Monetário Internacional (FMI), atualmente trabalhando na Johns Hopkins University, em Washington, recentemente acusou Paulo Guedes de “estar preso aos anos 1970” e também defendeu a intervenção do governo para liberar dinheiro para assegurar renda dos trabalhadores brasileiros e a liquidez das empresas. Nenhum desses três economistas pode ser acusado de “esquerdista”, salvo, obviamente, se você fizer parte do gado bolsonarista que vem comunismo e comunistas por toda parte.

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Roberto Justus, Abílio Diniz e pastores pentecostais se colocaram contra a quarentena e alinhados ao discurso do governo Bolsonaro que, rapidamente, implementou medidas de socorro às empresas, mas pouco fez para socorrer os trabalhadores.

O que há em comum nos discursos dos economistas e empresários citados acima é que todos defendem a socialização dos prejuízos, todos defendem que o governo use o Tesouro Nacional para socorrer empresários e trabalhadores, obviamente com a liberação proporcional de muito mais dinheiro para os empresários do que para os trabalhadores. No fundo, todos querem assegurar que os empresários percam o mínimo possível; alguns querem que isso seja assegurado mesmo que uns “poucos” trabalhadores percam suas vidas.

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O JN não ouviu nenhum economista de esquerda ou de outro viés econômico, só os liberais. 

A esquerda, por sua vez, pressiona o Congresso para aprovar um pacote de medidas de combate ao Covid-19 que prevê uma renda mínima de um salário mínimo, “podendo chegar a dois”, para trabalhadores formais e informais. O dinheiro viria do Tesouro Nacional. Ninguém, nem à esquerda nem à direita propõe mexer no bolso dos privilegiados.

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Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc) referente ao ano de 2018, a renda média do brasileiro é muito baixa. Cerca de 60% dos trabalhadores brasileiros, algo entorno de 54 milhões com carteira assinada ou informais, recebem menos do que o um salário mínimo por mês, hoje exatos 1.045,00 reais, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc), que trata de todas as fontes de rendimento, divulgada pelo IBGE. A renda média dos outros 40% trabalhadores ocupados é de 2.234,00 reais. Muito baixa. A Lei 10.835/2004, sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, instituiu “a partir de 2005, a renda básica de cidadania, que se constituirá no direito de todos os brasileiros residentes no País e estrangeiros residentes há pelo menos 5 (cinco) anos no Brasil, não importando sua condição socioeconômica, receberem, anualmente, um benefício monetário”. Esta lei prioriza “as camadas mais necessitadas da população” e deveria assegurar um valor suficiente “para atender às despesas mínimas de cada pessoa com alimentação, educação e saúde”. Se esta lei estivesse efetivamente em vigor os cidadãos mais pobres do Brasil estariam em melhor situação para superar a crise do Covid-19. O governo brasileiro precisaria de algo em torno de 180 milhões de reais por mês se, durante esta crise, se propusesse a assegurar uma renda mensal de 2.000,00 reais para todos os brasileiros que recebessem até cinco salários mínimos e perdessem suas rendas, bem como para aqueles que não possuem renda alguma, algo em torno de 90 milhões de cidadãos Se esta ajuda fosse necessária durante oito meses o custo total seria de cerca de 1,4 trilhão de reais. A circulação deste dinheiro contribuiria para manter pequenos negócios em funcionamento que manteriam as grandes empresas produzindo. Este dinheiro viria da formação de um Fundo Emergencial do qual tratarei mais para frente.

Agora é o momento daqueles que sempre se utilizaram do Tesouro Nacional como seu banco particular, como bem já demonstrou o sociólogo Jessé Souza, sacrificarem-se pelo bem do país e apoiarem medidas concretas e firmes para enfrentar o Covid-19. Abaixo seguem algumas sugestões para a formação de um Fundo de Emergência para superar a crise.

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1. Moratória da dívida pública. O país deve aproveitar-se desta crise e declarar uma moratória no pagamento da dívida pública. Durante esta moratória seria realizada uma auditória desta dívida para que ela fosse analisada em sua complexidade. O dinheiro que deixaria de ser pago seria investido em medidas para assegurar emprego e renda no Brasil durante a epidemia e para diminuir os efeitos da crise econômica que já surge no horizonte. Segundo o site auditoriacidada.org (https://auditoriacidada.org.br/wp-content/uploads/2020/02/Orc%CC%A7amento-2019-versao-final.pdf) o Brasil pagou R$ 1,038 trilhão de reais em juros e amortizações da dívida pública em 2019 o que significou 38,27% do Orçamento Federal Executado que foi de 2,711 trilhões de reais em 2019. Este montante em si já resolveria boa parte do problema.2. Expropriar 20% dos lucros auferidos em 2019 pelos bancos privados que atuam no Brasil. Os três maiores bancos privados lucraram em 2019 cerca de 63,36 bilhões de reais. Com 20% deste montante daria para arrecadar cerca de 12,67 bilhões de reais para a formação do Fundo de Emergência.

3. As reservas cambiais do Brasil hoje são de cerca de 350 bilhões de dólares. Ao câmbio de hoje isso significa cerca de 1,75 trilhões de reais. O governo utilizaria cerca de 600 bilhões de reais para a formação do Fundo de Emergência.

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4. Taxação de grandes fortunas. O Senador Plínio Valério (PSDB-AM) propôs Projeto de Lei (PLP) 183/19 que quer implementar o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), que já está previsto na Constituição de 1988, mas nunca foi implementado. Propõe taxar com alíquotas que variam de 0,5% a 1% todo aquele que possui um patrimônio líquido acima de 22,8 milhões de reais. Os 206 bilionários brasileiros que possuem fortuna de mais de 1,2 trilhão de reais pagam proporcionalmente menos impostos que a classe média e os pobres. Se estes bilionários pagassem 1% de impostos seria possível arrecadar 80 bilhões de reais (Fonte: Agência Senado, https://odocumento.com.br/comissao-de-assuntos-economicos-analisa-imposto-para-taxar-grandes-fortunas/).

Estas medidas não recairiam sobre o povo e permitiriam a formação de um eficiente Fundo de Emergência para superar a crise e sair dela com uma economia estável ou já em crescimento, com um mínimo de mortes ocasionadas pela epidemia.  

Nada disto seria possível enquanto este governo genocida, desumano, entreguista e subalterno estiver no poder. Uma outra medida necessária, então, seria a destituição de Jair Bolsonaro e a formação de um Governo de Crise que administraria este Fundo de Emergência. Deste governo participariam todas as forças políticas brasileiras, partidos políticos, movimentos sociais etc. O Governo de Crise exerceria o poder até que todos os problemas de saúde e econômicos causados pelo Covid-19 fossem resolvidos. Ao final deste período seriam convocadas novas eleições gerais.

O que temos hoje no Brasil é a explicitação da luta de classes. Fica claro que os interesses dos mais ricos e dos mais pobres são conflitantes, embora todos se coloquem como firmes defensores dos interesses do povo brasileiro. São dois projetos de país que se confrontam de maneira clara. 

Esta epidemia tem um efeito didático. Dentro de suas casas os brasileiros estão aprendendo na prática o que é a luta de classes. Para os ricos, bem-nascidos, para a classe média, que moram em casas com vários cômodos, claras e ventiladas, onde podem isolar-se uns dos outros, com água potável encanada em suas torneiras para lavar suas mãos, com entregadores que suprem suas necessidades básicas, a quarentena é um “tédio” ou oportunidade para ficar com seus próximos. Para os pobres, que moram em casas com poucos cômodos, mal ventiladas, onde o isolamento é quase impossível, nas quais o suprimento de água potável encanada, quando há, é irregular, o que os impede de executar as medidas mais simples de combate ao Covid-19, que tem que sair de casa todo dia para trabalhar para não morrer de fome, a quarentena é algo irrealizável. 

Solicitar à maioria esmagadora da população do Brasil que fique em casa sem trabalhar sem que lhe seja dada condições que lhe permita alimentar-se cotidianamente e adquirir outros bens de primeira necessidade é cinismo, má fé, canalhice e molecagem, sobretudo quando esta população vê o governo financiar a “falta de liquidez” dos bancos e as grandes empresas.

Os moradores de comunidades já compreenderam que de onde nada se espera, o governo entreguista de Jair Bolsonaro, é que não vem nada mesmo. Já estão se organizando com “vaquinhas” e formando comitês de ajuda mútua. O movimento vem crescendo nas grandes cidades brasileiras. Panelaços se tornaram comuns nas comunidades pobres urbanas acompanhados por palavras de ordem contra Jair Bolsonaro. A sorte de Bolsonaro é que o povo não pode sair às ruas para se manifestar e isto deve lhe dar uma sobrevida.

Bem-vindos à luta de classes. 

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