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Moisés Mendes

Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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Benedita e Jandira

“Onde estão os jovens das esquerdas, para caminhar ao lado das mulheres valentes da Câmara?” pergunta Moisés Mendes

Benedita e Jandira (Foto: Reprodução/Captura de tela/Vídeo)

Uma cena da terça-feira do horror na Câmara pode ajudar as esquerdas na reflexão sobre um presente cheio de tabus e barreiras, para que se vislumbre alguma perspectiva de futuro. É a cena em que Glauber Braga sai do plenário e caminha cercado pelos colegas, com o nó da gravata desatado e a bainha da camisa fora das calças.

O que se vê ali é um homem exausto, em desalinho, saindo de uma batalha física. Glauber caminha protegido por Benedita da Silva, que põe a mão esquerda no ombro do deputado, e por Jandira Feghali, que segura seu braço esquerdo. O deputado teve a proteção de duas fortalezas do Congresso.

Benedita tem 83 anos e Jandira chegou aos 68. Mas não se vê, no entorno, gente jovem para que seja tentada pelo menos uma equiparação presencial com os parlamentares mais veteranos. É uma constatação incômoda. Falar do envelhecimento das esquerdas é um tabu que poucos ousam desafiar.

Consolam-se os que dizem: ainda bem que dispomos da bravura de Benedita e Jandira. Porque não havia ali, nem na cena da mesa da Câmara, onde a valente foi Sâmia Bomfim, jovens suficientes para encarar, no braço, a imposição dos guardas fortões de Hugo Motta. 

Não para agredir, mas para defender e proteger o deputado. Para contrapor, pela força física, uma agressão física. Sempre foi assim. A política também exige, em determinadas circunstâncias, a presença de quem tem energia e força. 

Covardes são os resignados diante da presença coercitiva e violenta do fascismo sob as ordens de um presidente da Câmara inseguro, dominado e amador. Faltaram, na cena da mesa e também depois, na saída pelo saguão da Câmara, as caras e os corpos jovens que deveriam fazer a escolta de Glauber.

Faltam jovens nas esquerdas e sobram jovens na extrema direita, como sobraram quando da ocupação da mesa pela turma de Van Hattem e Nikolas Ferreira. Faltam jovens nos mandatos e nos quadros de comando das esquerdas.

Lula já tratou disso. Tarso Genro refletiu sobre a incapacidade de renovação do PT, que se faria, como em qualquer atividade, pela recomposição e pelo arejamento de ideias dos mais jovens. Mas Lula e Tarso não conseguiram provocar nem mesmo a ira dos que acham que está tudo bem assim. Foram tratados com a mais silenciosa das indiferenças.

O PT, mais talvez do que os outros partidos de esquerda, se nega a admitir que ficou velho. E que lhe falta, numa hora dessas, como se viu na terça-feira, também a presença ostensiva dos mais jovens para enfrentar a truculência dos guardas da ditadura de Hugo Motta.

Faltam caras jovens nas esquerdas, e citar Fernanda Melchionna, a própria Sâmia e Erika Hilton é apenas buscar consolos. São bravas, são inspiradoras, mas são a exceção que só denuncia o envelhecimento das esquerdas, em todos os sentidos.

Os jovens das esquerdas deveriam aparecer ontem, se existissem em número razoável no Congresso, como presença ostensiva. Deveriam ser deles, nos vídeos e nas fotos, as caras e os braços do que tentaram conter os guardas, como se fossem escudos de Glauber.

Faltaram jovens para proteger Glauber e derrotar a polícia de Motta. Faltam jovens para instigar as esquerdas a buscar a renovação, enquanto direita e extrema direita exibem seus exemplares, quase todos protagonistas.

A esquerda não pode continuar dependendo só dos seus velhinhos, convocados romanticamente a cada eleição para que salvem o partido, a democracia e a pátria. Os jovens das esquerdas, se existissem, com mandatos na Câmara, teriam vencido o Bope de Motta. 

Que Benedita e Jandira continuem nos protegendo, mas que tenham a companhia de jovens dispostos a participar dessa proteção e que sejam capazes também de protegê-las.      

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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