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Marconi Moura de Lima

Professor, escritor. Graduado em Letras pela Universidade de Brasília (UnB) e Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus. Foi Secretário de Educação e Cultura em Cidade Ocidental. Leciona no curso de Agroecologia na Universidade Estadual de Goiás (UEG), e teima discutir questões de um novo arranjo civilizatório brasileiro.

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Boa vontade: nem isso Bolsonaro possui para administrar

Bolsonaro conseguiu o improvável: fazer com que a mínima chama que sai de um político para seus administrados, a boa vontade de tentar que algo mude, se apague

(Foto: REUTERS/Carlos Barria)
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Este texto nasceu a partir do comentário que ouvi do jornalista Milton Blay nesta mesma data num programa que assistia pela TV Brasil 247.

Ao debater com o apresentador, Leonardo Attuch, sobre a participação do Brasil na COP-26 – 26ª Conferência das Nações Unidas para a Mudança do Clima – que ocorreu em Glasgow, na Escócia, e sobre as assinaturas dos acordos por parte da comitiva brasileira, liderada pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, Blay soltou essa síntese: 

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“Hoje ninguém acredita nem sequer na assinatura brasileira. (...) Ninguém acredita que o Brasil vai realmente cumprir o que assinou. Mesmo porque, se não cumpriu até agora, porque vai mudar?"[1].

Lembrei de outro texto que escrevi quando fui Secretário de Educação em Cidade Ocidental, diante das dificuldades que sofria para realizar todos os projetos que eu sonhava como gestor.

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Vamos primeiro às adaptações que faço no meu pensamento “antigo”.

Quem está preparado para assumir [a política em 2022]

Outrora eu invocava o discurso do senso comum ao dizer que os políticos brasileiros são todos “ladrões”. Trata-se de uma anti-pedagogia para encurtar o caminho do desânimo e apatia que subdimensionam o não-comprometimento das pessoas com as cousas públicas, [re]legando aos políticos exatamente o que querem: que pensemos assim para não assumirmos o seu lugar. É uma zona de conforto que interessa de lado-a-lado.

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Pois bem! Se desejamos mesmo ver um país diferente, é chegada a hora de lutarmos por outra pedagogia, a da indignação qualificada, da cognição política que nos retire da inércia e, de forma otimizada, possa nos catapultar para o serviço, seja como mobilizadores de pessoas (meta-mobilização), seja como assumidores dos espaços de poder (mobilização estrutural).

Destarte, é fundamental que compreendamos algumas dimensões do espaço de ação do Administrador Público (qualquer agente carregado de poder institucional-político na estrutura do Estado). Ao inverso, pela curtíssima experiência que obtive quando assumi alguns espaços (municipais) de poder, percebi que, por mais sonhos que tenhamos, mais coragem que apresentemos, mais desejos de transformar o mundo (as coisas ao horizonte fático de nosso trabalho), não é nada fácil “mudar o sistema”, lidar com ele. Bem rudemente, irei mencionar ao menos quatro destas dimensões de contra-ação ao nosso sonho de governar: i) a competência; ii) a burocracia; iii) os interesses em disputa; e iv) a boa vontade.[2]

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Quando falamos de competência, é fundamental deixarmos claro que este vocábulo é polissêmico, isto é, competência pode se referir à autorização dada a certo detentor de cargo para a realização de algo (chamemos aqui de competência formal). Esta primeira competência estaria melhor relacionada à segunda dimensão, isto é, no campo da burocracia.

Competência para este asserto pode também se referir à habilidade, à capacidade para realizar algo. Entretanto, valeria aqui duas novas acepções, uma de ordem subjetiva, a saber, o sujeito reúne certos talentos e aptidões que o permitem alguma dianteira na ação das coisas (competência inata); a outra de ordem objetiva, que nada mais tem a ver senão a busca incessante do sujeito por novos conhecimentos que agreguem valor à sua função pública e o seu realizar (competência material). Com estas competências, o sujeito pode criar projetos, inovar processos, articular ações e atores etc. Estes todos residem no fazer.  

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Referente à burocracia, logo temos isso como um “palavrão” dentro da gestão pública. Na verdade, a burocracia é necessária ao Estado. Trata-se, grosso modo, dos limitadores legais que colocam “juízo” ao Administrador. Isto é, não se pode fazer nada, senão o previsto em lei, para não abusar, não ferir os princípios que ordenam o Estado de Direito. Entretanto, uma vez empoderado dos conteúdos, doutrinas, normas, estruturas, é perfeitamente possível “driblar” – legalmente – a burocracia e prover as realizações. Precisa-se de tempo, paciência e acúmulos semânticos da estrutura administrativa. Podemos alocar tal fator no dever-fazer.

Ao tratar dos interesses em disputa, temos aqui um dos maiores desafios do agente público, isto é, conseguir, de um lado prover uma agenda que colida o mínimo possível com as contra-forças do sistema, de outro, ser capaz de negociar a agenda frente a todos os interesses em conflito. Verdadeiramente, não é tarefa fácil, sobretudo, em sociedades tão díspares, tão diversas e, para piorar, sociedades imersas no sistema capitalista em cuja natureza é a da disputa pelo lucro, pelo capital, pelas forças de trabalho, pelos recursos e mesmo pela ganância (disputar ganância?… acho que conseguimos neste País disputar até mesmo isso). Em qualquer lugar, da mais simples repartição pública no menor município (em que o prefeito quer um projeto; e o padre; ou o vereador; ou o presidente do clube de pioneiros quer outro), ao mais robusto Ministério da República, há interesses que demandam a ação ou intervenção pública. Restará aqui a ordem do contra-fazer.

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Boa vontade, a meu ver, é a categoria mais cara para o Administrador Público. Normalmente chamada de “vontade política”, percebo-a como algo mais complexo; como uma dimensão não apenas na ordem do desejo, entretanto, do lado bom deste sentido. E por que esta é a mais arredio de todas? Porque mexe com o brio, o ego, os valores, a subjetividade mais profunda do sujeito-administrador. 

É comum que o sujeito entre na política (ou no cargo) com algum sonho. Se o tem, este sonho tende a esmorecer por não aguentar o “tranco” diante das dimensões acima citadas, ou entra em colisão com outro grave problema: a auto-corrupção do desejo, ou seja, o vento do poder bate no cangote do sujeito e institui uma dimensão de prazer tão absurda que não se quer mais tencionar o sonho, apenas adaptar-nos ao sistema aceitando-o como um consigo. 

A tentação tende a mortificar a boa vontade. Porém, em alguns agentes (políticos) ela torna a residir na ação pública, ou de forma pontual, meramente acessível ao mais fácil caminho, ou convenientemente, mas está lá. Em outros, ou nunca existiu, ou morre de vez. A boa vontade não disputa com as vontades enviesadas do sistema. Ela acomoda(-se) ou desaparece do sujeito, consequentemente, do Administrador Público por trás do sujeito. Aqui, posso denominar por desejar-fazer.[3]

Vejamos. Isso tudo vale para nós. Podemos superar tudo isso e mudar este caminho (isto é, assumir o comando dos espaços de poder, que não é somente para eles, os políticos tradicionais, porém, acessível a todas e todos). O que não podemos é ignorar, imaginar que isso é mera análise de “boteco”. 

E isso vale também para a eleição  (decisiva, do ponto de vista civilizatório) em 2022. Esperemos que o próximo Presidente do Brasil (outro) reúna estas interpretações e, compreendendo suas limitações, enfrente-as para nos salvar deste limbo-chiqueiro que nos colocaram. 

Bolsonaro e o fim da Esperança

Todos sabíamos que Jair Messias era incompetente. Inclusive seus eleitores admitiam isso, ao dizer que o que importava é que ele escolhesse bem seus ministros, pois não era obrigado a saber de tudo, mas ter os melhores para governar cada pasta. Todos sabíamos da burocracia; que o sistema é complexo de ser gerido. Todos sabíamos que o jogo de interesses, especialmente no Congresso Nacional, é covarde. Porém, os eleitores de Bolsonaro não se “lembravam” de que ele, Bolsonaro, era um dos sorrateiros de plantão na Câmara dos Deputados e por lá praticou sua covardia por quase 30 anos. 

Agora o que os eleitores desse farrapo político – e mesmo alguns de boa intenção –, além dos líderes internacionais não sabiam é que não se podia confiar em absolutamente nada, nada da vontade (ruim) política do Presidente do Brasil. Ora, hoje em dia, para os encontros de cúpula, ou bilaterais (aos mais diversos assuntos), o Brasil é tratado com toda a desconfiança, melhor dizendo, com a certeza de que não irá cumprir absolutamente nada que o seu Presidente assina, porque não lhe é possível cumprir qualquer palavra; porque sequer demonstra boa vontade em mudar os rumos de sua política predatória, da morte (como o faz no enfrentamento à pandemia; ou no estímulo ao desmatamento da Amazônia e Cerrado brasileiros).

Em síntese, Bolsonaro conseguiu o improvável: fazer com que a mínima chama que sai de um político para seus administrados, a boa vontade de tentar que algo mude, se apague. Não resta mais nada para chamar de Esperança...  

…………

[1] A fala citada está no minuto 30'11". Assista mais em: https://www.youtube.com/watch?v=y1ZwUP5mGlI.

[2] Deixo claro que conto aqui minha modesta experiência de gestor. Não abordo categorias epistemológicas, todavia, empíricas, captadas de quando lutei (por dentro do sistema) para mudar algo, e as sensações que senti (quando conseguia, ou quando fui impedido). Portanto, não se trata de trazer conceitos ou teoria formal, entretanto, de compartilhar intuições que tenho sobre a política. 

[3] Para que não se fique a pensar que todos nós, os políticos, desistimos de nossos sonhos (portanto, da boa vontade que lhe é inerente em lutar pela justiça social e emancipação de todos os sujeitos), há aqueles que continuam teimando, brigando. São a minoria, infelizmente, contudo, são estes que nos devolvem a Esperança; são estes que, com todo esforço, ainda conseguem equilibrar o  mundo (para não colapsar de vez essa ideia de Humanidade).

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