Bolívia: divisão da esquerda pode ser fatal
A divisão do campo progressista favorece a direita boliviana, que, unida, pode conquistar um eleitorado descontente com a instabilidade política
Por José Reinaldo Carvalho - No último dia 20 de fevereiro, o ex-presidente boliviano Evo Morales anunciou que será candidato nas eleições presidenciais de agosto deste ano, não mais pelo MAS (Movimento ao Socialismo), partido do qual foi o fundador e líder principal durante anos. Agora, Evo Morales será o candidato da Frente pela Vitória (FPV).
Contudo, o Tribunal Superior Eleitoral anunciou dias antes que o FPV não pode participar das eleições gerais devido a supostas irregularidades na eleição de sua diretoria.
A decisão de Evo também desafia uma decisão da justiça eleitoral do país. O Tribunal Constitucional Plurinacional da Bolívia decretou, em dezembro de 2023, que presidentes e vice-presidentes só poderiam exercer o cargo por dois mandatos, de forma consecutiva ou não. Com a sentença judicial, Evo Morales, que foi presidente por quatro mandatos, não poderia candidatar-se.
Por sua vez, o presidente Luís Arce, também confirmou sua candidatura pelo MAS. Assim, as duas principais lideranças progressistas do país se enfrentarão nas eleições presidenciais de agosto, no momento em que o país comemora o bicentenário da Independência.
A crise interna que fragmenta as forças progressistas bolivianas atingiu um novo patamar com a decisão de Evo. A divisão entre Morales e o atual presidente Luis Arce não apenas enfraquece essas forças, como também abre espaço para uma eventual ascensão da direita no país andino e a retomada da influência do imperialismo estadunidense no país.
A decisão de Morales expõe a ruptura no MAS (Movimento ao Socialismo), que foi a principal força política boliviana desde sua ascensão ao poder em 2006. A tensão entre Morales e Arce vem crescendo nos últimos anos, e a impossibilidade de uma reconciliação interna pode custar caro para o campo progressista.
A divisão do campo progressista favorece a direita boliviana, que, unida, pode conquistar um eleitorado descontente com a instabilidade no MAS. É real o risco real de que um candidato conservador vença as eleições, provocando retrocesso político, econômico e social.
A falta de unidade pode ser um erro fatal para a continuidade de um projeto que transformou o país nos últimos tempos.
Além disso, a divisão do campo progressista tornará a Bolívia ainda mais vulnerável aos interesses do imperialismo, especialmente dos Estados Unidos, que historicamente busca minar governos populares na América Latina para impor sua agenda econômica e política.
Não nos esqueçamos de 2019. Em novembro daquele ano, o mundo testemunhou mais um capítulo sombrio da política na Bolívia: a queda de Evo Morales, primeiro presidente indígena do país. Por trás da crise política, havia uma disputa global por um recurso estratégico: o lítio.
A Bolívia detém a maior reserva de lítio do mundo, com cerca de 23 milhões de toneladas concentradas no Salar de Uyuni, uma região que forma um triângulo de riqueza mineral com a Argentina e o Chile. Esse metal é essencial para a produção de baterias de alto desempenho, especialmente para carros elétricos, setor no qual a Tesla, empresa do bilionário Elon Musk, é uma das líderes mundiais.
As declarações de Elon Musk meses depois do golpe ganharam um peso significativo. Em uma publicação na rede social X (antigo Twitter), Musk respondeu a um usuário que o acusava de buscar controlar o lítio boliviano com uma frase que ecoou como uma ameaça: “Vamos dar golpe em quem quisermos! Lide com isso”. A mensagem reflete a arrogância de quem enxerga países como a Bolívia meramente como fontes de recursos a serem explorados, sem considerar a soberania de seus povos.
A postura de Musk não é isolada. Os Estados Unidos, por meio de suas instituições, também têm demonstrado interesse em controlar as reservas de lítio da América do Sul. Em março de 2023, durante uma conferência na Câmara dos Representantes dos EUA, a então chefe do Comando Sul, Laura Richardson, referiu-se ao “triângulo do lítio” como uma questão de “segurança nacional sobre o nosso quintal dos fundos”. A fala revela uma visão neocolonialista, na qual a região é tratada como um mero prolongamento dos interesses estadunidenses.
A queda de Evo Morales foi um ataque à democracia e à soberania de um país que busca controlar seus próprios recursos naturais. A história recente da Bolívia nos lembra de que a luta por recursos naturais ainda é um dos principais motores de conflitos políticos e econômicos no mundo. O lítio, apelidado de “ouro branco”, é hoje o que o petróleo foi no século XX: uma commodity que move nações e define alianças. No entanto, é preciso questionar até que ponto os interesses econômicos de bilionários e potências estrangeiras podem justificar a derrubada de governos democraticamente eleitos.
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