Bolsonaro ainda à espera de um milagre
Bolsonarismo se agarra ao discurso do martírio enquanto a realidade das condenações expõe o esgotamento de sua narrativa
Quem se dedica à saudável missão de espantar, ruborizar, envergonhar apoiadores da extrema direita deve estar suando. A extrema direita não se espanta com mais nada. Nada tira a convicção de sua seita, nem mesmo toda a verdade revelada. Pela primeira vez, militares foram condenados por tentativa de golpe. As penas são até modestas em relação a outros lugares no mundo. A abolição violenta do Estado Democrático de Direito e o golpe de Estado deram a Bolsonaro, somados, 27 anos de prisão. Alguns países condenam à pena de morte por tentativa de golpe. Devemos agradecer a Bolsonaro, que sancionou a Lei 14.197, que trata dos crimes contra a soberania nacional. Nenhum brasileiro vivo teve o prazer de ver conspiradores presos até hoje.
Alguns podem se surpreender quando ouvem um filho pequeno ou até um neto cantando um funk proibidão, mas não se surpreendem com a prisão do vereador Ernane Aleixo, do PL, acusado de ajudar o TCP nas barricadas contra a polícia, ou a fuga para os Estados Unidos de Alexandre Ramagem (PL), que, assim como Carla Zambelli, desafia a Polícia Federal. Burgueses epatáveis estão por aí, mas o acúmulo de escárnios fornecidos pela extrema direita a seus ouvidos mostra uma insensibilidade e, se reagem, com certeza não é em público. Ramagem, seguindo o roteiro de Zambelli, terá completado o álbum de figurinhas desse momento no país.
Aquela máxima de que o próximo escândalo é sempre maior que o anterior serve sempre como cortina de fumaça. Então, estamos diante de prisões históricas de militares e de um ex-presidente. O escândalo do banco Master, que pode indicar muitos políticos do centrão envolvidos, não foi capaz de tirar o brilho do champanhe estourado na comemoração. Estamos chegando a um perigoso momento na nossa sociedade, em que nada mais nos surpreende ou nos revolta. Mas tudo que envolve Bolsonaro nesse momento, fora o ineditismo das condenações, dá holofote às falhas de caráter.
As diversas tentativas de livrar Bolsonaro da prisão, seja na Câmara, por políticos, seja na imprensa, seja pelos advogados e todos os meios legais, não impediram a chegada do momento da prisão. A chamada de Flávio Bolsonaro para uma vigília na frente do condomínio onde Jair estava em prisão domiciliar, conclamando o povo a lutar, chamou a atenção da Polícia Federal. Nesse meio-tempo, o ex-presidente tentou violar a tornozeleira eletrônica de forma tosca, dolosa e consciente, por meio de um ferro de solda. Quem tem um ferro de solda em casa? Alguém sugeriu isso? Alguém repassou isso?
A fuga pela extrema direita é um recurso final. Bolsonaro se hospedou na embaixada da Hungria quando perdeu o passaporte e Alexandre de Moraes não o prendeu. Bolsonaro teve carta com pedido de asilo político a Milei na Argentina e Alexandre de Moraes não o prendeu. Eduardo Bolsonaro fugiu para os Estados Unidos e ajudou nas sanções contra o Brasil, e Alexandre de Moraes não o prendeu. Mas agora foi a gota d’água. Ele trocou a prisão em uma mansão com piscina por um quarto de 12 m².
Mesmo com três versões diferentes dadas à Polícia Federal, seus apoiadores replicam o que influenciadores da extrema direita falam. As três versões são estranhas e não impedem um discurso como o de Ricardo Nunes, que afirma que o ex-presidente é um homem honesto. Sempre tivemos inúmeros momentos de fala de Bolsonaro demonstrando o quanto era o contrário: forjando carteira de vacinação, desviando recursos públicos, comprando apartamentos com dinheiro vivo, desviando joias da Arábia Saudita, entre outros.
Bolsonaro não será página virada ainda. A extrema direita quer virar a página por causa da eleição, mas ainda vamos ouvir sobre o ex-presidente, seja através dos filhos, seja por tentativa de golpe por meio de uma anistia, seja por alguma fuga espetacular digna de filme. Mas, claro, tratando-se de Bolsonaro, dará errado. O próximo passo, claro, seria contratar Henri Charrière, do filme Papillon, ou o mágico Houdini para assessoria de fugas.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

