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Mariana Yante

Pesquisadora do Instituto de Estudos da Ásia/UFPE e Visiting Researcher na Shanghai JiaoTong University.

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Bolsonaro ameaça posição geopolítica do Brasil e pode causar enormes prejuízos à economia

"A primeira semana do presidente da República eleito trouxe mais instabilidade e perspectivas negativas do ponto de vista da política externa em matéria econômica", diz Mariana Yante, pesquisadora do Instituto de Estudos da Ásia/UFPE e Visiting Researcher na Shanghai JiaoTong University; "Esse cenário não apenas ameaça o papel geopolítico do Brasil, mas também fragiliza a posição do país como ator internacional, e pode gerar custos sociais e prejuízos econômicos sem precedentes, estes sobretudo para os setores que elegeram Jair Bolsonaro"

Bolsonaro ameaça posição geopolítica do Brasil e pode causar enormes prejuízos à economia
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As eleições presidenciais brasileiras foram marcadas por uma extrema polarização e pela influência da manipulação e criação de conteúdo falacioso – as chamadas "fake news" – para driblar a proibição ao financiamento privado de campanha, mas têm um início de transição de governo que se anuncia trágico para o já vulnerável cenário econômico do Brasil.

O presidente eleito Jair Bolsonaro, por meio do Twitter e de entrevista concedida a um jornal israelense, reiterou no último 04 de novembro a promessa de campanha no sentido de transferir a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, sugerindo que o país será o terceiro (depois de Estados Unidos e de seu contínuo aliado, a Guatemala), a adotar tal medida.

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Na segunda-feira, 05 de novembro, o governo egípcio cancelou uma visita oficial do atual Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Aloysio Nunes Ferreira, a qual ocorreria entre 8 e 11 de novembro, e que incluía reuniões integradas com outros vinte empresários brasileiros que pretendiam recrudescer as relações comerciais que o país possui com a região.

Embora o discurso oficial do governo egípcio tenha apresentado outras razões, é certo que as declarações de Bolsonaro desagradaram a comunidade árabe como um todo, e se coadunam com outros pronunciamentos de insatisfação, como o do presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, Rubens Hannun, que advertiu que a mudança da embaixada pode permitir que concorrentes no setor de proteína animal, tais como Turquia, Austrália e Argentina, sejam priorizados.

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Também em resposta à declaração, Hanan Ashraw, membro do comitê executivo da Organização para a Libertação Palestina, declarou à agências de notícias AFP (Agence France-Presse) que "tais passos provocativos e ilegais vão apenas desestabilizar a segurança e a estabilidade na região". Da mesma forma, o porta-voz do Hamas, Sami Abu Zuhri, declarou no Twitter que o grupo refutava a decisão de Bolsonaro, requerendo que voltasse atrás, por considerar uma medida contra o povo Palestino e o mundo Árabe e Islâmico.

Além de responder à influência expressiva dos Estados Unidos – maior aliado de Israel no conflito histórico –, a transferência da capital para Jerusalém pode também representar uma resposta política ao suporte que as igrejas de matriz evangélica de maior expressão deram à candidatura Bolsonaro, pois a cidade está relacionada à narrativa religiosa apregoada por elas.

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No entanto, os custos econômicos podem ser impactantes. Os países do Oriente Médio corresponderam, em 2017, a 5,36% das exportações brasileiras, gerando um superávit de mais de 7,7 bilhões de dólares em favor do Brasil, de acordo com o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços-MDIC. Em contraste, os negócios com Israel responderam por apenas 0,14 do volume total de comércio com o Brasil, e geram um déficit (o Brasil gasta mais do que ganha com as negociações) de aproximadamente 527 milhões de dólares no mesmo ano.

Ressalte-se que essa discrepância pode aumentar, considerando que Bolsonaro e seus filhos anunciaram que visitariam Israel para a negociação de importações de drones e armas, ou seja, de aparato bélico de alta tecnologia, o que possui valor agregado muito maior que a carne e a soja exportadas pelo Brasil – além dos evidentes custos sociais da mudança no perfil das importações brasileiras.

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Outro espectro de incertezas diz respeito à China, maior parceiro comercial do Brasil desde 2009, com um aumento médio de 29% ao ano no volume de comércio entre 2000 e 2015, de acordo com o Ministério das Relações Exteriores.

As relações sino-brasileiras, existentes desde 1974, são regidas pelo princípio da "China Única", o que implica dizer que o Brasil reconhece que a única representação válida de todo o território chinês é a exercida pela República Popular da China, e que o Brasil tomou nota de que "Taiwan é parte inalienável" desta, quando os países estabeleceram relações diplomáticas.

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Durante a campanha, Bolsonaro deu várias declarações controversas em relação ao parceiro asiático, tais como o fato de a China estar comprando o Brasil, e não no Brasil, e reforçou seu alinhamento ideológico aos Estados Unidos – que se delineia como maior rival estratégico chinês no governo Donald Trump. Em maio de 2018, o ex-militar fez uma viagem pela Ásia, na qual privilegiou uma visita à Taiwan e gerou um comunicado do governo chinês sobre o episódio. Apesar disso, o presidente eleito prometeu em breve uma visita oficial à região, o que poderia sepultar a parceria com os chineses.

Já após as eleições, o China Daily – periódico no qual o Estado chinês veicula via de regra posições oficiais sobre questões diversas – publicou três editoriais envolvendo o Brasil, adotando em certa medida um tom que combina advertência (dada a dependência econômica do país) e, no último editorial impresso, um otimismo cauteloso quanto ao futuro incerto, baseado no fato de que o "conselheiro econômico" de Bolsonaro, Paulo Guedes, é favorável ao livre comércio e que grande parte do eleitorado está inserida nesta atividade.

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Vale observar que a China não é apenas um parceiro comercial, mas tem uma relação definida formalmente como estratégica, entendida desde a segunda visita de Estado ao país asiático a partir dos três pilares de identidade entre os dois países, crescimento do volume de comércio e investimentos e, finalmente, cooperação nos fóruns internacionais. Em relação ao último fator, ao lado de China, Rússia, Índia e África do Sul, o Brasil contribuiu nos BRICS para redefinir e cobrar novas posições de barganha e governança comercial e de investimentos em espaços como a Organização Mundial do Comércio e o Fundo Monetário Internacional, além de criar as bases para um banco multilateral de desenvolvimento alternativo ao Banco Mundial – o Novo Banco de Desenvolvimento.

Bolsonaro reuniu-se com o Embaixador da China no Brasil, Li Jhinzang, no último 05 de novembro, mas optou por não dar nenhuma declaração depois do encontro, sendo, porém, importante considerar setores lobistas no país para analisar a dinâmica que se delineará, a exemplo da bancada ruralista. No entanto, diante do cenário de tensão comercial crescente entre Estados Unidos e o gigante asiático, os conflitos e a cobrança por alianças de exclusividade por parte dos norte-americanos pode aumentar.

Ressalte-se que a China, a qual importa substancialmente produtos do primeiro setor (agropecuários e derivados do petróleo e minérios de ferro) poderia sem muitas dificuldades substituir o papel das importações que faz do Brasil por outros fornecedores, como a Austrália e a Venezuela. A relação de imprescindibilidade e dependência comercial não é recíproca, mas crítica para o projeto global chinês de fortalecer a globalização econômica, para além de um multilateralismo Norte-Sul e está em xeque com o anunciado esvaimento hegemônico do Brasil.

Outra posição problemática do novo Executivo federal diz respeito ao MERCOSUL (que tem como membros ativos Argentina, Uruguai e Paraguai), cujo volume de comércio com o Brasil cresceu 15% em 2017, correspondendo a US$ 34,505 bilhões, e teve nova alta de 10,3% em relação ao mesmo período, no primeiro trimestre de 2018, segundo o MIDIC.

Segundo Paulo Guedes, já após o resultado eleitoral, o bloco é restritivo e representa uma "prisão ideológica", de forma que não será prioridade do novo governo. Isso pode sinalizar que o Brasil pretende fortalecer sua relação com os Estados Unidos no continente e quiçá reavivar projetos refutados historicamente por suas desvantagens econômicas para o país e diversos vizinhos latinoamericanos, como a Área de Livre Comércio das Américas-ALCA, do ex-presidente estadunidense Bill Clinton – rejeitada em 2005 no âmbito da Cúpula das Américas.

É importante lembrar que, além de os vizinhos sul-americanos serem os maiores importadores dos produtos industrializados brasileiros (que possuem mais valor agregado que a simples exportação de produtos primários, como os agropecuários), está em curso há longa data um acordo bilateral entre o bloco e a União Europeia.

A eleição de Bolsonaro e as promessas de seu futuro superministro Paulo Guedes de fragilizar a posição do Brasil no bloco mina as possibilidades de negociar um acordo com os países europeus que seja vantajoso, e mesmo refrear um projeto internacional de multilateralismo no qual os Estados que estão fora do eixo Estados Unidos-União Europeia tenham maior influência.

Outras medidas que não estão diretamente relacionadas à política externa brasileira também podem ter repercussões econômicas diretas. Uma delas é a anunciada fusão, ou melhor, supressão, do Ministério do Meio Ambiente ao anunciado Ministério do Agronegócio, que gera efeitos evidentes sobre o marco normativo brasileiro sobre sua produção.

O próprio acordo base da Organização Mundial do Comércio-OMC (conhecido como GATT 2, de 1994) permite que medidas de restrição ao comércio sejam tomadas quando estejam relacionadas à conservação de recursos naturais exauríveis (especialmente o Artigo XX, "g"), e existem precedentes no âmbito do Órgão de Solução de Controvérsias da organização que reconhecem essa possibilidade.

Em outras palavras, a União Europeia, ou quaisquer dos 164 membros da OMC, pode estabelecer limitações à compra de produtos brasileiros tradicionalmente exportados para a região, tais como rações para animais, frutas e vegetais e minério de ferro – entre os vinte produtos mais comercializados entre as duas partes, segundo o Eurostat– porque o processo produtivo no Brasil põe em risco tais recursos naturais.

Em suma, a primeira semana do presidente da República eleito trouxe mais instabilidade e perspectivas negativas do ponto de vista da política externa em matéria econômica. Esse cenário não apenas ameaça o papel geopolítico do Brasil, mas também fragiliza a posição do país como ator internacional, e pode gerar custos sociais e prejuízos econômicos sem precedentes, estes sobretudo para os setores que elegeram Jair Bolsonaro.

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