Bolsonaro aposta na vitimização para se manter vivo
A tentativa de Bolsonaro de transformar a própria ruína em redenção pode produzir o oposto: a reafirmação da democracia e a consagração da reeleição de Lula
Condenado a 27 anos, ex-presidente transforma tornozeleira em palanque, teatraliza martírio religioso e tenta vender seus 30% de votos para comprar um indulto em 2026. Mesmo preso e desmoralizado, Jair Bolsonaro tenta usar a própria ruína como capital político — aciona a fé de sua base, inflama a extrema-direita e aposta tudo na eleição de 2026, enquanto Lula cresce e lidera todos os cenários apontados pelas pesquisas.
A PRISÃO COMO PALCO
A condenação de Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão, cuja execução passou a vigorar nesta terça-feira, 25, deveria marcar o fim político de um ex-presidente mergulhado em crimes. No entanto, o Brasil assiste a uma situação peculiar. Mesmo detido, mesmo isolado, mesmo juridicamente derrotado, Bolsonaro preserva um núcleo duro de 25% a 30% do eleitorado — um cacife decisivo para qualquer projeto de poder.
Ele sabe disso. Sabe que não será candidato em 2026. Sabe que sua situação jurídica é terminal. Mas sabe, também, que seu capital eleitoral, por menor que seja, pode decidir a eleição.
Por isso, todo seu esforço recente — fugas encenadas, vigílias religiosas, discursos de perseguição, acusações conspiratórias — tem como objetivo comprar sua própria liberdade por meio de um eventual indulto presidencial concedido por um sucessor alinhado.
A democracia vira um cassino onde o condenado tenta, mais uma vez, manipular as cartas.
O TEATRO QUE VIROU CRIME
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta terça-feira (25) que Jair Bolsonaro permanecerá custodiado na Superintendência da Polícia Federal (PF) em Brasília, onde já estava detido desde a prisão preventiva decretada no sábado, 22. O STF reconheceu o encerramento do processo da trama golpista e consolidou a execução da condenação, fixada em 27 anos e três meses. A decisão unânime sintetiza, em poucas páginas, o colapso final da encenação bolsonarista.
À 0h08 da madrugada de sábado, Bolsonaro violou a tornozeleira eletrônica — um rompimento literal e simbólico com a medida que lhe permitia ficar em casa. Segundo o ministro Alexandre de Moraes, a quebra do equipamento revelou “elevado risco de fuga”, agravado pela proximidade com embaixadas e pelo histórico de tentativas de evasão no seu entorno político.
Mas a ruptura foi apenas parte do problema. Horas antes, Flávio Bolsonaro convocara uma vigília em frente ao condomínio do pai, usando linguagem de púlpito — um ato que, para Moraes, poderia atrair centenas de pessoas, tumultuar a ação policial e criar condições de resistência.
O ministro conclui que havia um “fato novo”, havia risco concreto à ordem pública e havia violação reiterada das medidas cautelares. A prisão preventiva tornou-se, então, inevitável — e imediata.
Com uma observação final que resume o momento histórico: a prisão deveria ocorrer sem espetáculo, sem algemas, sem teatralização — justamente o que Bolsonaro tentava fabricar.
Pela primeira vez desde que deixou o poder, Bolsonaro se viu diante da Justiça sem o escudo das ruas, sem as redes infladas artificialmente e sem a proteção institucional de outrora.
A FUGA COMO TEATRO DE MARTÍRIO
Não houve fuga. Houve encenação. Como mostrou Reinaldo Azevedo, Bolsonaro pode ter tentado escapar. Mas, na prática, tentou “performar”. A ruptura da tornozeleira, o deslocamento no horário proibido, o alvoroço calculado — tudo seguia o manual bolsonarista de reativação da militância, transformar o réu em santo guerreiro e substituir a realidade por um enredo místico.
Azevedo resumiu com precisão: “Bolsonaro não tentou fugir; tentou continuar sendo Bolsonaro.”
A tentativa não era criminal. Era eleitoral. Era litúrgica. Era o início da campanha de vitimização visando o indulto.
A Polícia Federal, porém, chegou cedo demais: às 6h da manhã, antes da vigília marcada para as 19h. O teatro ruiu.
A IGREJA BOLSONARISTA E OS 30% DE FIDELIDADE
O bolsonarismo não funciona como partido político — funciona como igreja.
“Vamos invocar o Senhor dos Exércitos.” “A oração é a verdadeira armadura do cristão.” “Vamos resgatar o Brasil desse cativeiro.”
A base bolsonarista é mantida por fé, não por política. Por isso, Bolsonaro precisa converter cada ato jurídico em ritual sagrado. A condenação vira cruz, a tornozeleira vira estigma, a PF vira “perseguição”, a prisão vira via-sacra.
DOIS BRASIS, DUAS POSTURAS
A diferença entre Lula e Bolsonaro tornou-se pedagógica.
Em 2018, quando Sérgio Moro ofereceu a Lula o regime domiciliar com tornozeleira, o ex-presidente recusou. “Não troco minha dignidade por minha liberdade.” Essa frase sintetiza a recusa categórica de Lula em aceitar qualquer benefício que implicasse admitir culpa ou, simbolicamente, submeter-se à lógica da Lava Jato. Ele preferiu continuar preso, esperando o julgamento do STF, a colocar uma tornozeleira e ir para casa sob o signo da humilhação e da confissão indireta. Aceitar significaria reconhecer um processo viciado que mais tarde foi declarado nulo pelo Supremo. Entrou de cabeça erguida — e saiu inocentado.
Bolsonaro fez o contrário. Aceitou a tornozeleira quando lhe convinha, violou-a quando lhe interessou politicamente e tentou transformar sua situação jurídica em palanque. Enquanto Lula preservou a institucionalidade mesmo como vítima, Bolsonaro tentou subvertê-la mesmo sendo réu legítimo.
É o contraste entre o estadista e o agitador. Entre o republicano e o golpista. Entre quem respeitou o país — e quem o usa como escudo.
A ÚLTIMA ESPERANÇA DE JAIR
Bolsonaro sabe que sua única saída é o indulto presidencial. Se Lula vencer — como as pesquisas do momento indicam — Bolsonaro cumprirá integralmente a pena. Se a extrema-direita vencer, a porta do indulto se abre em 2027. Por isso, a fuga encenada foi o ato inaugural da campanha presidencial sem Bolsonaro — mas pelo Bolsonaro.
Tarcísio de Freitas, Ciro Nogueira, Flávio e Michelle Bolsonaro disputam espaço diante do colapso do mito. A liturgia está montada em forma de declarações públicas de fé, frases de sacralização, afagos coreografados. Mas, por trás da devoção, a elite conservadora e setores da própria extrema-direita respiram aliviada. Ninguém mais queria peregrinar até a mansão do condenado para posar em foto humilhante. A prisão libertou parte da extrema-direita e do Centrão — em privado, claro.
Carlos Andreazza revelou no Estadão: a prisão de Jair ocorreria mesmo sem a ruptura da tornozeleira. A vigília convocada por Flávio Bolsonaro foi interpretada como uma continuidade do “8 de janeiro”.
Flávio, ao tentar salvar o pai, criou a circunstância jurídica que o levou à prisão preventiva. É ele quem assume o comando prático do movimento. É ele quem herda a igreja. É ele o verdadeiro “next”.
É AÍ QUE MORA UM PERIGO
A extrema-direita permanece ancorada em redes religiosas, digitais, financeiras e afetivas. O mito não desaparece com a prisão — apenas muda de forma.
Em entrevista a Luís Nassif, no GGN, João Cezar de Castro Rocha alerta que aí é que mora um perigo: “A extrema-direita vai tentar transformar Jair Bolsonaro no líder, no mito, impedido pelo Sistema de liderar o povo de Deus.”
“A única possibilidade que eu vejo para uma mudança no cenário é se a vitimização de Bolsonaro tiver um motivo concreto. É necessário que as pessoas mais importantes da República tenham a consciência histórica de que a vitimização de um mártir pode convulsionar o cenário político.”
E lembra que a facada de Juiz de Fora — vendida pelo bolsonarismo como um atentado à vida do Mito — foi determinante na eleição de Bolsonaro em 2018. Plano semelhante — diz Castro Rocha — está sendo elaborado agora: “fazer de Bolsonaro um perseguido” pelo Sistema, pelo PT, pelo governo Lula, pelos “comunistas”. É esse o caminho que eles pretendem trilhar, tudo em nome de Deus. Um plano amparado pelos setores que estão na luta sem limites de barrar a provável reeleição de Lula.
Sem mito, não há eixo. Sem eixo, não há estratégia. Sem estratégia, sobra desespero.
O BRASIL ENTRE A FÉ E A REALIDADE
O bolsonarismo tenta transformar 2026 na eleição do indulto.
Mas a realidade é outra:
Lula consolida liderança, a direita se fragmenta, o clã se divide, a prisão desmonta a farsa, o país segue em frente.
A tentativa de Bolsonaro de transformar a própria ruína em redenção pode produzir o oposto: a reafirmação definitiva da democracia e a consagração da reeleição de Lula.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

