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Pedro Cláudio Cunca Bocayuva

Professor do PPDH do NEPP-DH/UFRJ

31 artigos

blog

Bolsonaro e o cesarismo

Nero sem véu jamais será um César mas pode sempre nos fazer arder no fogo de sua desmedida, liberando as hordas cegas que clamam por vingança contra as forças que ousaram exigir um pouco de dignidade

(Foto: Marcos Corrêa - PR)
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O cenário de cinzas é aquele em que não resta nem mesmo uma objeto para o Museu como o arquivo ou a memória coletiva de um povo, de uma arte, de um tema, de um objeto ou de um lugar. Em Bacurau somos lembrados todo o tempo do lugar da memória, mesmo os invasores não entendem o peso da pergunta: vocês vieram aqui para ver o museu? Visitar o museu é compreender onde estão os fios da narrativa desde onde se pode compreender a resistência ao jogo e ao jugo do usurpador, do invasor e dos seus representantes. Bacurau é uma bela projeção para o nascimento de um cesarismo coletivo, distinto do cesarismo sem a força mítica, carismática e épica de um César que estamos vivendo um drama em que o carrasco tenta roubar a cena e se instala no centro do palco, como expressão de um teatro da crueldade, aqui está formulação de Antonin Artaud, onde o ponto de anulação, este esvaziamento da palavra se presenta como um momento que se realiza no seu próprio esvaziamento, um ato que não se repete. A crueldade no cotidiano é o máximo de violência extrema que se naturaliza e se repete, numa espécie de banalização da crueldade no teatro da crueldade ela é este ponto que destrói a linguagem. Nas pegadas de Antonio Gramsci que usa a imagem da figura histórica do César, ou dos césares romanos, para indicar uma oscilação de inclinação e uma variação nas formas históricas concretas, procuramos estabelecer um tipo extremo de cesarismo oco, quando Cesar se torna seu duplo quando a máscara abandona o homem revelando apenas a sua face vazia, sem velamento. Até o mal perde sua força moral ante a presença cruel do algoz para quem não resta mais do que passar o ato incessantemente. Mas na destruição a repetição deixa de ser possível porque nada sobram que não sejam as cinzas da cidade, as cinzas da cidade e as cinzas dos corpos.   

Quando César é Nero sua máscara se desfaz, a direção é o caminho do fogo e da destruição na cidade. Os retornos das figuras da história antiga como instrumentos para a análise política quando os novos fascismos emergem.

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Nos estudos a partir de Marx sobre o bonapartismo, como forma de empate entre forças sociais urbanas em disputa, temos um quadro marcado pela crise do fim do ciclo da revolução francesa (1789-1814/1815). No período final, de exportação e de consolidação da revolução Napoleão Bonaparte transferiu a luta política e a guerra para fora. Expandiu a revolução na Europa " à ponta de baionetas", deslocou e consolidou a revolução francesa. Como expressão de seu "Termidor", da fase final de perda de ritmo, de uso da força e de busca de compromissos com roupagens e formas relacionadas ao antigo regime, principalmente, colocando a burocracia estatal no centro, como um partido de governo. Seu sobrinho já aparece, com abertura de uma nova conjuntura de  revoluções precoces e de revoluções tardias e "passivas", como resposta ao novo ciclo de contradições externas de poderes em modernização autoritária na formação nacional pelo alto, poderes como o do Presidente que cira o Segundo Império, fazendo frente na luta de classes interna, na França  com a emergência da rebeldia popular, da Guerra Civil e da Comuna proletária urbana.

Luis Bonaparte agora virou em Marx sintoma de anteparo reacionário que expressa a unidade e a força que barra os velhos e os novos jacobinos. Para Gramsci este debate do bonapartismo é retomado e ampliado, traduzido na relação com as questões italianas, da ausência do impulso e da direção jacobina no "Risorgimento" e da crise de representação no pós-guerra.

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Na crise de hegemonia, na análise do fascismo e na questão da liderança ou do fenômeno carismático Gramsci leva em conta o elemento burocrático, a manipulação pelo alto e as demandas "privatistas" e autoritárias. A Primeira Guerra Mundial explica a formação na Itália de formações de bandos, de milícias violentas, de "esquadras" de todo tipo, que servirão de base para um novo cesarismo como no passado a ralé e  o "lumpemproletariado" agiam como multidão e horda a soldo do sobrinho de Bonaparte, _que lhe serviu como massa de pressão para o golpe do 18 Brumário, como para Mussolini nos anos vinte do século passado tiveram o mesmo papel as suas esquadras de camisas negras, como na Marcha sobre Roma (1922). Todas estas questões, que abrem a reflexão da relação entre cesarismo e crise de representação ou de hegemonia, se tornam importantes na análise sobre o falso mito, o carisma fraco, o debate sobre a caracterização do tipo de cesarismo fraco de Bolsonaro. Cujo risco deriva da sua falta de fascínio épico, sem máscara e sem ornamentos, como vemos no personagem sem força teatral e dramática, que se ajoelha e bate continência por todo lado. Para este ser sem qualidades só lhe sobra chamar a horda pelo apelo ao "direito de matar", a uma forma de repetição da "Síndrome de Canudos" na forma cega e bruta de quem jogou o clássico de Euclides da Cunha no forno incinerador onde lança tudo que represente arte e cultura . Apelando para o saque, oferecendo facilidades, dando o exemplo de nepotismo e premiando a ignorância revela sua adesão aos padrões de exceção e excesso que se enquadram na noção de necropolítica de Achille Mbembe. 

Este cesarismo sem estatura é uma forma de populismo sem compromisso nacional-popular, que diz que vai  premiar a adesão, mas deixa seu povo a deriva. A horda perdida vive pedindo um golpe contra o judiciário e o retorno das FFAA ao poder. Estamos diante de um poder sem véu, que se alimenta do medo que gera, inclusive na sua base. O que caracteriza esta ausência de força com potencial de consolidação ou de revolução passiva? Esta figura da catástrofe que nos devora aparece mais como um Nero delirante do que como um César que defende a República de uma dominação da aristocracia. No caso do cesarismo clássico temos um movimento de força com base de massa que acaba gerando sua forma de governo, de cesarismo. Mas no Brasil atual este falso mito só tem a função instrumental destrutiva, animada pelo microfascismo social da horda, cruel e baixo, que se faz acompanhar das tristes imagens de fogo, sangue e lama, faltando-lhe o véu dos ditadores que unem, por sugestão e afeto, sob sua liderança, para um projeto. O cesarismo explica situações em que os golpes de Estado permitem organizar formas de estabilizar e governar o quadro da disputa hegemônica, o que não ocorre com o modo ou estilo do duplo do teatro realizado na passagem ao ato de Bolsonaro.

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O risco do governo deste pequeno Nero será o do seu custo para tentar gerar o véu da substituição da brecha, do vazio quanto a construção do projeto que não possui. Desta forma, levando de roldão o que nos resta de legalidade ao sabor do circo nas redes, onde as hordas e as corporações que sustentam o governo de Bolsonaro se perderam na solução desastrosa que produziram. O bloco no poder ativou mecanismos de barbárie extrema em nome de superar nossa crise da democracia representativa, com isso corrompendo a legalidade, com o pouco de legitimidade da soberania popular que tinha presença em nosso regime político. Nero sem véu jamais será um César mas pode sempre nos fazer arder no fogo de sua desmedida, liberando as hordas cegas que clamam por vingança contra as forças que ousaram exigir um pouco de dignidade e bem-estar na nossa trágica história de servidão e ciclos de mudança pelo alto.

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