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Igor Corrêa Pereira

Igor Corrêa Pereira é técnico em assuntos educacionais e mestrando em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da direção estadual da CTB do Rio Grande do Sul.

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Bolsonaro e o vendedor de pastel

Bolsonaro sabe com quem está se comunicando, e parece ter êxito. Quando nós vamos falar com os vendedores de pastel, os motoristas de aplicativo, de caminhão, as cabelereiras e manicures? A rearticulação da consciência de classe, em tempos de crise do sindicalismo e das organizações coletivas, parece o grande desafio para enfrentar esses tempos obscuros

(Foto: Reprodução / YouTube)
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As manifestações pelo "Fora Bolsonaro" de 19 de junho enfureceram o clã Bolsonaro, demonstrando que sentiram o impacto. A reação mais comentada, obviamente, foi a do pai, que atacou a Globo. Quero comentar aqui o filho mais ativo nas redes sociais, o Carluxo, o vereador que participa ativamente do governo federal e do ativismo de redes bolsonarista. A mensagem que ele disparou em sua conta tinha um alvo muito específico. Ele falava diretamente para o vendedor de pastel de rua. Dizia a esse personagem tão simbólico que a esquerda queria impedi-lo de exercer sua atividade, mas contraditoriamente ia às ruas para "defender ex-presidiário". Não subestimemos essa mensagem. Ela se dirige a milhões de brasileiros que trabalham precariamente no Brasil. E os números de apoio ao presidente indicam que provavelmente ela é ouvida. 

Eu já disse por aqui várias vezes que não acredito no argumento do "pobre de direita". Até porque essa é justamente uma recusa de argumento. É uma postura cômoda de se achar mais inteligente do que aquele que apertou 17 e ainda continua defendendo esse posicionamento. Essa atitude não vai nos ajudar a sair do lodo em que de 2016 para cá os golpistas meteram a todos nós. 

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O fenômeno do avanço da extrema-direita não é somente brasileiro. Também no Norte do mundo, temos fenômenos semelhantes, o mais emblemático deles foi a eleição de Donald Trump. As análises que focam na realidade dos Estados Unidos se referem ao ressentimento como um sentimento que motivou as pessoas a se identificar com Trump. O ressentimento de quem tinha valor numa era de Estado de Bem-Estar social, mas passou a ser desvalorizado com uma política neoliberal, e portanto ficou se sentido prejudicado. O personagem clássico é o operário branco estadunidense. Com a decadência da indústria no Cinturão da Ferrugem, ele perdeu o status de outrora e passou a culpar latinos, mulheres, gays e as políticas progressistas pela sua derrocada. Isso explicaria seu apoio a Trump.

Mas no Brasil, esse operário clássico não é um personagem expressivo. Embora nós também vivamos uma desindustrialização, quantitativamente o percentual de operários que eventualmente possam ter se ressentido de perda de direitos não explicaria um fenômeno de massa capaz de dar consistência ao que nós chamamos de bolsonarismo como fenômeno de massa. É por isso que a tese de que outra explicação seria mais adequada a realidade brasileira vai ganhando adeptos. É o que procurou trazer a antropóloga Rosana Pinheiro-Machado juntamente com a professora Tatiana Vargas-Maia. 

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Elas observam semelhanças entre Brasil, Índia e Filipinas. Os três países tiveram a seu modo, experiências democráticas e populares promissoras, mas elas resultaram em governos de extrema-direita, respectativamente comandados por Bolsonaro, Narendra Modi e Rodrigo Duterte. O que haveria de comum nesses países? Para elas, esses países incentivaram o empreendedorismo e o consumo como parte central de um modelo de desenvolvimento, o que se tornou um problema por não sanar, paralelo a isso, contradições e feridas profundas relacionadas à violência da desigualdade.

Esse incentivo ao consumo e empreendedorismo produziu o que elas chamam de classe aspiracional. Diferente do operário branco ressentido dos Estados Unidos, o personagem criado por essas medidas poderia se encaixar justamente no vendedor de pastel a que Carlos Bolsonaro se dirigiu na mensagem citada aqui. Estamos falando do empreendedor de si, que comprou uma moto ou um carro parcelado para trabalhar em aplicativos. Esse personagem não é movido por um ressentimento, mas por um desejo de "sair da pobreza", "virar patrão", mesmo que para isso tenha que trabalhar mais que 12 horas por dia. Ele não possui identidade com a classe trabalhadora. Num país que despreza o trabalho, ele quer ir depressa para a classe dominante. E acredita no que Bolsonaro fala, que os entraves para esse projeto pessoal estão no isolamento social, nas leis trabalhistas, na classe política que rouba seu dinheiro. Quando Bolsonaro reafirma o tratamento precoce, se dirige a esse trabalhador que nunca teve a opção de ficar em isolamento, e para quem seria muito bom acreditar que um remédio como a cloroquina o pudesse proteger contra o vírus enquanto ele tem que sair todos os dias e se expor ao risco. 

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O tema da ascensão social na índia foi abordado de maneira dura e cruel pelo filme "O Tigre Branco", dirigido por Ramin Bahrani, e disponível no serviço de streamming Netflix. A película parece reforçar o argumento trazido pelas professoras. O personagem principal da trama abre mão não só de sua classe, mas até mesmo de sua família, e do respeito a vida, para se tornar um empresário dono de uma frota de automóveis. Seria o coroamento da ganância e do egoísmo elevado ao extremo. 

Bolsonaro sabe com quem está se comunicando, e parece ter êxito. Quando nós vamos falar com os vendedores de pastel, os motoristas de aplicativo, de caminhão, as cabelereiras e manicures? A rearticulação da consciência de classe, em tempos de crise do sindicalismo e das organizações coletivas, parece o grande desafio para enfrentar esses tempos obscuros.

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