Bolsonaro não tem ninguém com força nacional à sua imagem e semelhança
“A solidão do chefão preso pode ser um drama menor e momentâneo diante da ameaça de ausência de futuro”, escreve Moisés Mendes
A unção de Flávio expôs o maior drama pessoal e político de Bolsonaro. O chefe da organização criminosa não tem com quem contar com a certeza de que é a sua criatura, mesmo que finja que o filho poderá salvar o bolsonarismo e levar adiante sua herança.
Há um trágico déficit de futuro para Bolsonaro. Quem do bolsonarismo autêntico se salva hoje da sequência de derrotas iniciada em 2022 e que teve desfecho no fracasso do 8 de janeiro? Quem está vivo?
Bolsonaro e os generais estão presos, Eduardo fugiu, Tarcísio de Freitas se encolheu, Carla Zambelli é foragida, Flávio é um desastre como pré-candidato a presidente, os chefes das gangues das emendas estão sendo alcançados e Michelle foi aconselhada a voltar a ser dona de casa pela própria família.
O único bolsonarista raiz em ascensão é Carlos Bolsonaro. É o mais forte candidato da direita ao Senado por Santa Catarina e um dos nomes considerados eleitos no Brasil um ano antes da eleição.
Foi o que sobrou. Carluxo é hoje a maior expressão da extrema direita genuína com alguma garantia de futuro. Todo o resto é incógnita. Nomes que até 2022 eram do alicerce do bolsonarismo, com ou sem mandatos, e que tentaram resistir na gritaria, hoje não significam nada. Nem Malafaia.
Bolsonaro preso, refletindo à noite sobre seu futuro e olhando para o teto do quarto, pode até enxergar anjos voando, mas não enxerga sustentação e renovação para o seu bolsonarismo, só para o bolsonarismo dos outros. Não há como enxergar herdeiros nos que estão aí.
Quem irá sucedê-lo à sua imagem e semelhança? Hoje, não há ninguém, nem mesmo Nikolas Ferreira, que tem base, tem voto, é um jovem de Deus e da família, tem ódio, tem preconceito, mas não tem estatura de líder fascista, ou não estaria batendo boca com Eduardo. Nikolas tem talento para atuar no time B da briga de rua do bolsonarismo.
Não há nem nos Estados ninguém com expressão nacional que possa se apresentar como herdeiro fiel e legítimo do gene de Bolsonaro. É um drama sem saída, sabendo-se dos limites impostos a Michelle e das fragilidades dos filhos.
O que já temos sob a inspiração de Bolsonaro, porque ele criou um modelo de conduta na direita, é o fascismo sem Bolsonaro. A velha direita terá, principalmente no Sul, o nariz de Bolsonaro, as orelhas de Bolsonaro, a boca e até o isso daí de Bolsonaro, sem ser uma criatura de Bolsonaro.
É a situação enfrentada pelo chefe da organização criminosa. Ele sabe que, se o filho mais agressivo estivesse no Brasil, nem Eduardo seria esse herdeiro, por falta de traquejo e de confiança da própria direita.
A escolha de Flávio como ungido é seu gesto desesperado, por não confiar em mais ninguém e por acreditar que pode acontecer em 2026 o milagre da multiplicação das direitas em 2018.
Bolsonaro tem no seu entorno muita quantidade, mas sem qualidade. Tem gente gritando, mas sem condições de assustar. Tem o suporte dos que sempre estão ao seu lado, mas nos quais ele não confia.
Tem um presente precário e instável e não tem nada que assegure sua permanência, mesmo como memória, na base social que o sustentou a partir de 2018.
A base eleitoral de Bolsonaro, viciada em bolsonarismo, pode até manter a essência das ideias do chefe criminoso. Mas com Bolsonaro como morto político e com a direita tomada de falsos bolsonaristas.
Bolsonaro fracassou. O único êxito inquestionável dele, planejado nos detalhes, foi o genocídio da pandemia. O resto todo é derrota, da tentativa de reeleição ao golpe, incluindo a incapacidade de criar um discípulo com capacidade de liderança.
Carluxo salva a família e o núcleo fiel que ainda deve favores a Bolsonaro. A solidão do chefe preso pode ser um drama menor e momentâneo diante da total ausência de futuro de curto ou médio prazo. O neobolsonarismo é uma tubaína que não depende do comando de Bolsonaro.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

