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Julia de Moraes Almeida

Advogada, pesquisadora no IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) em Criminologia

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Bolsonaro, necropolítica e Covid-19: por que a postura governamental não é surpresa?

As reações negativas ao discurso de Jair Bolsonaro são de descrédito e indignação. O que foi dito no discurso presidencial é insensato. Mas o que é a insensatez que Bolsonaro propaga?

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As reações negativas ao discurso de Jair Bolsonaro são de descrédito e indignação. O que foi dito no discurso presidencial é insensato. Mas o que é a insensatez que Bolsonaro propaga?

As opiniões têm se dividido em duas posições muito curiosas. A primeira é a que acredita que Bolsonaro não sabe o que está dizendo, está mal informado. Esta parte ainda avalia que a ciência é o norte, que os dados científicos valem mais que a opinião. A segunda é a que acredita que ele saberia sim o que está dizendo, mas toma como pauta a agenda econômica. Estes últimos já internalizaram que a morte dos mais vulneráveis deve ser tida como normal. Isso é necropolítica para Achille Mbembe.

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A necropolítica é um comportamento normal para o Estado brasileiro. Quando compreendemos que algumas pessoas não têm os mesmos direitos garantidos que outras e por isso morrem, fazemos necropolítica. Segundo o Instituto Locomotiva, em pesquisa feita no ano de 2020, negamos acesso a saneamento básico, escola e moradia para 13,5 milhões de pessoas que vivem nas favelas das cidades brasileiras. Nesses territórios, a vida do jovem tem muito menos valor, como recentemente foi demonstrado pelo massacre que assistimos da comunidade de Paraisópolis que deixou nove mortos e uma ferida em nossas memórias. Nove jovens que morreram sufocados nas vielas da comunidade não apenas sem ajuda policial, mas também com abuso de sua força e uso de tortura, segundo apontam uma série de relatos.

A força age diferente nestes territórios que são negros. A necropolítica opera com seu lado nefasto desde que o Estado brasileiro se estruturou aqui dando tratamentos diferentes àqueles que perante a Lei deveriam ser iguais. A verdade é que a exploração opera há mais de quinhentos anos e o racismo está enraizado em nossa trajetória sócio-política e comportamental. Nesta lógica, o valor da vida do jovem negro não é o mesmo que do jovem branco de classe média que mora no centro da cidade. Essa verdade fica escancarada sempre que a polícia adentra a comunidade para reprimir cultura e retirar moradia, quando nega instalação de hospitais nas favelas, ou também quando não se preocupa se quem mora na quebrada vai ter água para lavar as mãos na pandemia gerada pelo COVID-19.

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As escolhas sobre onde e quem será ajudado neste cenário caótico muito têm a dizer sobre o valor das vidas perante o Estado. Quem mora na favela nunca foi prioridade para as políticas públicas. Se fosse, teriam soluções para moradia, saneamento e educação para estas pessoas. Contudo, hoje pouco se pensa em como resolver o quadro porque existem outras pautas à frente para a gestão Bolsonaro: fundo partidário, privatização da aposentadoria, e taxação dos mais pobres. Caminhamos na toada de que a qualquer custo faremos lucro, doa a quem doer, morra quem tiver de morrer. Nesta lógica deturpada, melhor que sejam os mais velhos, que só dão despesa previdenciária, ou os favelados, que aos olhos deles, nem existem. 

O discurso de Bolsonaro não surpreende. Ele corrobora e caminha em conjunto com agenda econômica neoliberal radical: nada pode estar acima do lucro. Mesmo que milhares de pessoas morram, a economia não pode parar. 

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E, pior, a normalização da necropolítica impede que os pequenos empresários vejam o óbvio. A classe média não enxerga que não é forçando o trabalhador a sair de sua casa para contrair o coronavírus que a economia se recuperará. A recessão mundial virá, afinal, sem trabalhador não existe trabalho. E se não existe trabalho não há lucro.  Entretanto, a chacina não é necessária e muito menos efetiva! 

Neste sentido, muito se tem falado sobre o suposto trade-off que vivemos: salvar vidas ou salvar a economia. Trade-off é um conflito de escolhas em um cenário em que as alternativas existentes são mutuamente excludentes: para salvar a economia, milhares de pessoas terão de morrer; ou, para salvar milhares de pessoas da morte, a economia entrará em colapso.
A grande questão tratada por muitos economistas não dicotômicos é a de que não vivemos em um trade-off. Temos também a alternativa de trabalhar esses dois aspectos simultaneamente mas, para isso, o Estado precisa deixar de lado sua inflexibilidade neoliberal e atuar no mercado para que a economia não sofra tão fatalmente com a manutenção de uma política de isolamento social em tempos de pandemia. O Estado não é vilão ou bonzinho, ele é um mecanismo que pode ser utilizado para políticas exclusivas ou includentes.

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Aqui deixamos uma postura muito clara: o empresariado deve se recuperar com ajuda do Estado, que idealmente deveria ter como fontes de arrecadação taxar os 5% mais ricos do país, acabar com a renúncia fiscal milionária das grandes corporações e deixar de priorizar os lucros dos bancos instalados em nosso solo – lembrando que no ano de 2019, o lucro dos maiores bancos do Brasil somou R$ 81,5 bilhões de reais. Esta é uma posição includente, que abarca 95% da população nacional e visa redistribuir parte do lucro bilionário de pouquíssimos para o povo. 

A crise do coronavírus é humanitária e econômica. Mas a economia deve trabalhar para a humanidade e não o contrário. O Estado assassino e sua necropolítica tem que parar, tanto em relação à pandemia de coronavírus, quanto para as outras políticas públicas aqui instauradas. Na máxima chilena: não podemos voltar ao normal porque o normal era o problema. 

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