Bolsonaro recuou mesmo? Ou é tudo jogo de cena para o que pode vir?
"Muita calma nessa hora. Melhor não desdenhar dos Bolsonaro quando assunto é maldade, mentira e manipulação. Nesta mesma quinta-feira em que soltou a carta boazinha e, pelas mãos de Temer, telefonou para o seu maior desafeto, Bolsonaro dava sinais de quem nem tudo seria flores"
Não pode ter crise de consciência quem não tem consciência. Não há como se esperar qualquer rasgo de bom senso de quem é o próprio nonsense. Ou contar com uma atitude sensível ou humanitária de alguém cujo comportamento cotidiano - por pensamentos, palavras e atos – nada guarda de sensibilidade, muito menos de humanidade. Não se pode crer que é sincero quem não cultiva a sinceridade. Nem aguardar a verdade de quem gosta tanto de mentira que tem as fakenews como princípio, a ponto de editar medida provisória para blindar que as comete.
Então, como cair na nova de Jair Bolsonaro, traduzida de uma carta de suposto arrependimento pelos crimes contra a democracia cometidos ao longo do seu governo, em particular, na "festa cívica” (por Augusto Aras) de 7 de Setembro? Não dá para ter o mínimo de confiança no presidente da República porque ele mesmo não se faz confiar. Na medida em que pratica o “diz pela manhã e desdiz à noite”, o próprio presidente nos brinda com o benefício da dúvida a respeito de tudo o que ele prega ou faz.
Ainda mais incrível torna-se a parola quando precedida da consultoria de Michel Temer, um craque na arte de dissimular e de trair, um mestre do golpe. Foi Temer que levou a tal carta praticamente pronta para o seu colega em exercício dar uma vista deolhos, fazer um ajustezinho aqui e outro ali, e divulgar o texto sem, sequer, corar de vergonha. Da mente do ex-presidente para a do atual, a missiva não nega as suas origens e deixa nas entrelinhas um jeito de falsidade que se espalha no ar.
É suspeito o tom da carta, como suspeitos são os autores e tudo que os cerca. São suspeitas as escusas apresentadas ao ministro Alexandre Moraes, hoje, para Bolsonaro e para os bolsonaristas, o símbolo da “perseguição política” do Supremo Tribunal Federal contra os “homens de bem”. Até para Moraes, o presidente ligou. Foi tudo rápido demais, Uma virada esdrúxula de quem acusava o STF de “jogar fora das quatro linhas” da Constituição, e prometia fazer o mesmo. Foi uma mudança de atitude nada sutil de quem, ainda ontem, ouvia em silêncio e sem qualquer gesto de reprovação os seus adeptos prometerem matar Moraes.
É suspeita até a forma como alguns dos apoiadores bolsonaristas de primeira linha passaram a criticar seu amo e senhor. Gente como o caminhoneiro Zé Trovão, como o irascível blogueiro Alan dos Santos, o comentarista de extrema-direita Rodrigo Constantino e a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), mal engoliram as palavras de Bolsonaro e já estavam tratando o mito deles pelos piores impropérios, de “frouxo” a “traidor”. “Game over”, chegou a bradar o blogueiro dos Bolsonaro. Há que se desconfiar, também, dessa onda de indignação. São pessoas da cozinha do presidente que não dão um passo sem o aval do Planalto. Muito estranho esse “motim”.
Muita calma nessa hora. Melhor não desdenhar dos Bolsonaro quando assunto é maldade, mentira e manipulação. Nesta mesma quinta-feira em que soltou a carta boazinha e, pelas mãos de Temer, telefonou para o seu maior desafeto, Bolsonaro dava sinais de quem nem tudo seria flores e seu clã fazia o mesmo. O senador Flávio Bolsonaro, o 01, pediu calma aos apoiadores: “Confiem, ele sabe o que está fazendo e é para o bem do Brasil!”. Será mesmo? E o próprio Bolsonaro carimbou: “Dá um tempo, dá uns 2, 3 dias pra gente". Mais claro impossível, alerta com data e tudo mais.
Lidamos com quem tem o golpe no DNA. Olho neles!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

