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Maria Luiza Falcão Silva

PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England.

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Brasil em disputa: o otimismo do mercado e o silêncio sobre Lula

O mercado, mais uma vez, apresenta-se como protagonista da estabilidade, enquanto trata a política como detalhe incômodo

Brasília (DF), 26/08/2025 - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva coordena reunião ministerial, no Palácio do Planalto (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

André Esteves, sócio sênior do BTG Pactual, afirmou recentemente que “quem investir no Brasil vai ganhar dinheiro”. Para o banqueiro, a combinação de vários indicadores macroenômicos como inflação sob controle, pouco desemprego, baixa volatilidade e solidez democrática faz do país um destino privilegiado para os investidores globais. A narrativa é sedutora: um Brasil que se mostra pronto para receber capital, confiável e equilibrado em meio a um mundo em turbulência. Mas chama atenção o que fica de fora do discurso: não há uma única palavra sobre o governo Lula, responsável por recolocar o país em rota de credibilidade, nem uma referência ao legado de destruição deixado por Jair Bolsonaro.

O mercado, mais uma vez, apresenta-se como protagonista da estabilidade, enquanto trata a política como detalhe incômodo. A leitura de Esteves é otimista, mas deliberadamente parcial. Ignora que o Brasil atravessa este momento não por acaso, nem apenas pela lógica abstrata das reformas, mas porque um governo legitimado nas urnas e reconhecido internacionalmente foi capaz de restabelecer minimamente as bases institucionais do país. Lula assumiu um Brasil devastado: fome crescente, desemprego elevado, um sistema de saúde fragilizado pela pandemia e um meio ambiente entregue à devastação predatória. Bolsonaro deixou como herança a corrosão da confiança internacional, o descrédito na ciência, a tentativa de golpe e o enfraquecimento da democracia.

Se hoje há previsibilidade, é porque esse ciclo foi interrompido em janeiro de 2023. Lula reancorou a política externa, recolocou o país na agenda climática global e devolveu protagonismo ao Brasil nos organismos multilaterais. Reconstruiu programas sociais, reabriu canais de diálogo com sindicatos e movimentos sociais, e reafirmou compromissos com a Amazônia. Tudo isso não aparece na fala do banqueiro, que prefere um Brasil sem sujeito político, como se estabilidade fosse obra da “mão invisível” dos mercados.

Ao mesmo tempo, o otimismo de Esteves contrasta com a realidade de um legislativo que se tornou um dos maiores obstáculos ao avanço do país. O Congresso atual, fragmentado e dominado por bancadas fisiológicas, tem se revelado incapaz de discutir um projeto de desenvolvimento nacional. No lugar de debater a transição energética, a reindustrialização ou a inovação tecnológica, prevalecem as barganhas miúdas, a chantagem orçamentária e os interesses paroquiais. O investidor estrangeiro pode enxergar um “ambiente favorável”, mas a sociedade brasileira convive diariamente com um parlamento que bloqueia reformas inclusivas e esvazia políticas estruturantes. O mercado celebra reformas trabalhista, previdenciária e tributária, mas ignora que sua implementação trouxe também precarização, desigualdade e instabilidade social.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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