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Aldo Fornazieri

Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política e autor de "Liderança e Poder"

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Brasil, um país desestruturado

"O Brasil vive uma desestruturação política e moral sem precedentes. Depois de quatro anos de crise era de se esperar que a sociedade fizesse uma opção eleitoral pelo senso de uma unidade maior para enfrentar os desafios do presente e as incertezas do futuro. No entanto, fez uma opção pelo candidato mais divisionista, aquele que se empenha diariamente para agravar as lacerações políticas e sociais do país", aponta o professor Aldo Fornazieri

Brasil, um país desestruturado (Foto: Reprodução/NBR)
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O Brasil vive uma desestruturação política e moral sem precedentes. Depois de quatro anos de crise era de se esperar que a sociedade fizesse uma opção eleitoral pelo senso de uma unidade maior para enfrentar os desafios do presente e as incertezas do futuro. No entanto, fez uma opção pelo candidato mais divisionista, aquele que se empenha diariamente para agravar as lacerações políticas e sociais do país. Um presidente prudente deveria fazer sempre apelos para a unidade do país e do povo. O governo Bolsonaro vai exatamente no sentido contrário: estimula a divisão política e religiosa, não tem nenhuma mensagem aos desamparados e age de forma hostil aos grupos despossuídos de direitos sociais e civis. 

Sem um ponto de referência catalizador, sem uma força centrípeta unificante, o Brasil se afunda na anomia, na perda do sentido comum, na falta de confiança, agravando ainda mais sua incapacidade de se dar uma comunidade de destino. Diante deste quadro desalentador, o que se vislumbra são dois caminhos: uma apatia e uma prostração ainda maior da sociedade, dos indivíduos e dos movimentos ou uma radicalização da luta política e social, com o aumento das tensões. Neste momento prevalece o desalento e a prostração. 

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O fato é que no campo governista não há capacidade aglutinadora de forças, não há atratividade unificante. A única coisa que se destaca é a capacidade de diálogo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que não é expressão exatamente do governo e que, de certa forma, se expande também para o campo da oposição. Neste campo verifica-se a mesma incapacidade que se observa no governo: nenhum partido e nenhum líder se mostram capazes de imprimir direção e sentido às forças democráticas e progressistas. 

Ciro Gomes se perdeu no seu descontrole, na sua incapacidade de perceber a ocasião que a história lhe oferecia para alçar-se na condição de um líder maior, nas suas mágoas corrosivas. Enveredou pelo caminho da pequena política, no sectarismo desagregador. Com Lula preso, o PT está amarrado ao seu imobilismo. Não tem liderança social nem para mobilizar em favor da liberdade de Lula e nem para aglutinar forças políticas e sociais em defesa de uma plataforma progressista de reformas e em oposição ao governo. Sem força suficiente no partido para ter autonomia, Haddad permanece manietado aos ditames da burocracia. Se é verdade que o PSol tende a ocupar um espaço maior pela sua combatividade, trata-se de um partido que tem pouca força social e Guilherme Boulos ainda é uma promessa. Lula é o único líder que poderia dar um sentido de unidade ao campo democrático e progressista. O governo e as forças de direita sabem disso. Mantê-lo preso é condição para manter uma oposição fraca, desunida, desorientada. 

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No campo social, a CUT parece não conseguir ir além das bravatas recorrentes. Assim, cada movimento continuará travando suas lutas, de forma dispersa, fragmentada, sem vislumbrar um sentido unificante, sem visualizar uma força potente para garantir direitos e projetar mudanças. Nem as derrotas continuadas, do impeachment-golpe, das eleições municipais de 2016, da reforma trabalhista, da prisão de Lula e das eleições de 2018 parecem ser suficientes para estimular o surgimento de líderes, partidos e movimentos poderosos, capazes de imprimir  direção e sentido ao campo democrático e progressista. Os pequenos lampejos que surgem, se perdem na confusão brumosa das incapacidades, das vaidades, da arrogância e dos pequenos poderes mesquinhos que cada líder e cada partido presume ter como algo grandioso. A confusão é tão grande que setores de esquerda elegeram Hamilton Mourão, o vice-presidente, como a voz iluminista do Brasil.

Com tudo isso, as elites conservadoras e a extrema-direita se sentem à vontade para continuar com suas insolências, com a sua predação, com seus crimes e com sua impunidade. Os crimes da Boate Kiss, os crimes de Mariana, os crimes que vitimaram a Chapecoense e tantos outros crimes sociais e ambientais não foram capazes de evitar os crimes das enchentes, os crimes da violência, os crimes de Brumadinho e os crimes do Flamengo. As vítimas são sempre as mesmas: pessoas pobres e humildes do povo. Ninguém foi punido, ninguém está preso, ninguém paga pelas perdas do bem absoluto das pessoas que morreram, que é a vida de cada um.

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O contraste brutal, criminoso e inaceitável deste país foi visto em Brumadinho: enquanto o presidente da Vale, que ganha o salário absurdo de R$ 1,6 milhão por mês, se esmerava em declarações hipócritas, os bombeiros, que recebem seus parcos salários de forma parcelada, rastejavam na lama para encontrar corpos de vítimas para dar o direito aos seus familiares de os enterrarem. Nenhum país decente e honesto, nenhum país que queira ser ético e ter um futuro, aceita tamanho abismo das desigualdades, da falta de direitos, da falta de uma vida digna para a imensa maioria do seu povo. Nenhum país que prezasse a si mesmo deixaria a direção da Vale, a direção do Flamengo, a direção da boate Kiss livres da cadeia. Sem dúvida, há uma cumplicidade criminosa entre os juízes e os grandes criminosos do setor privado, ricos e poderosos. 

Quando as tragédias criminosas acontecem, os dirigentes e diretores anunciam que providências estavam a caminho, que faltou tempo para evitar os desastres. Na verdade, não faltou tempo. Faltou vergonha, faltou decência, faltou responsabilidade. Em nosso país, a falta de prudência não é um descuido. É uma ação criminosamente deliberada daqueles que têm poder. 

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As elites econômicas e políticas do Brasil perderam qualquer limite do tolerável. Que sentido faz um deputado ou um senador ter 30 assessores e a Agência Nacional de Mineração ter 35 fiscais para fiscalizar quase mil barragens? Só a presidência da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro tinha (ou ainda tem) mais de 200 assessores. Esses absurdos agregam duas coisas: privilégios de um lado e crimes de outro. Por que as direções e os parlamentares das esquerdas pouco combatem os privilégios indecentes, indecorosos e criminosos dos políticos, dos juízes e do alto funcionalismo público?

As elites econômicas e políticas do país nutrem um desprezo, uma insensibilidade, uma crueldade e uma desumanidade inauditas para com os trabalhadores, com os pobres e com o povo. As esquerdas precisam examinar até que ponto não são cúmplices com tudo isso. O Estado está desorganizado na fiscalização, na prevenção e se mostra incapaz de produzir justiça, igualdade, dignidade e de garantir direitos. No Brasil existe democracia e direitos para 30% da população. Para o resto é abandono, pobreza, falta de direitos, angústia, desesperança e morte. 

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Os democratas e progressistas, as esquerdas, precisam ser capazes de tocar nessas questões que violentam o povo, precisam combater os privilégios e estar ao lado do povo, precisam incitar a inaceitabilidade contra as instituições e as práticas que infelicitam, degradam e matam a vida. Perderam os progressistas as capacidades persuasivas, de convencimento, de comunicação? Não têm as esquerdas sentido de urgência perante as tragédias criminosas que se sucedem? Não sabem os democratas e progressistas que é necessário antecipar-se no tempo e ao tempo, pois o tempo leva tudo à ruína? Será necessário rogar aos Deuses para que enviem ao Brasil alguém capaz de liderar o povo e de combater a crueldade e os crimes das elites?

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP)

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