Cabeças cortadas
Do mote de “Cabeças Cortadas”, filme de Glauber Rocha, 1970
Este é um país em que se cortam cabeças!
Cortaram as cabeças dos índios, de negros, de quilombolas
[e de mamelucos!
Este é um país onde se cortam cabeças,
Cortaram cabeças no Império,
Cortaram as cabeças de malês, de cabanos
[e de balaios!
Cortaram as cabeças dos heróis da liberdade,
Destroncaram os corpos e espetaram a cabeça num poste,
[no rossio de Vila Rica!
Este é o país que corta cabeças!
Cortaram cabeças em Canudos, no Contestado, no sertão!
No Caldeirão e em Desterro, lá também,
De fanáticos, famélicos, milenaristas e sebastianistas,
Cortaram as cabeças!
Cortaram cabeças no cangaço: jagunços, campesinos, bandoleiros
[de todos cortaram cabeças!
Era a “volante”, a “coluna”, todos ditos “macacos”,
A polícia, lá no Sertão, o povo à espera de El-Rey,
[e do Cristo também,
E pelo Quinto Império,
No sertão no fresco da manhã cedinho,
[cortaram cabeças!
Cortaram cabeças em Clevelândia, nos pampas e na Ilha Grande.
Cortaram mãos, orelhas e cabeças no Araguaia,
Na pequena guerra, de sangue contra sangue, irmão,
Lá nas bordas do escuro denso da floresta.
Só araras, papagaios, saguis, carcarás e borboletas coloridas,
Como testemunhas numa história!
Destrocaram o corpo do Dr. Anísio Teixeira,
Cortaram na metáfora as cabeças:
De Caio Prado,
De Darcy Ribeiro,
De Celso Furtado,
De Eulália Lobo,
De Yedda Linhares,
De Manuel Mauricio,
De muitos
Cortaram cabeças, carreiras, vidas!
Cortaram cabeças na Penha, no vizinho Alemão!
Cedinho, como as “volantes”, cortaram cabeças
Na mata, no valão, largadas cabeças pelo chão!
Cortam a cabeça do Ravel,
Um adolescente de cabelo vermelho,
Dançando funk com um fuzil!
Espetaram a cabeça de Tiradentes num poste,
Puseram as cabeças de Lampião e Maria Bonita,
No chão, na escadaria e no museu,
Em pornográfica exposição!
Colocaram a cabeça de Ravel num tronco,
Olhar vazio para Virgem da Penha!
A cabeça de Tiradentes foi roubada,
Na noite densa do Cerro Frio, lá em Vila Rica!
Largaram os corpos pelo chão,
Ali, desnudos, sangrentos
[abandonados no valão.
O homem passa,
A criança olha,
A mulher chora,
As cabeças cortadas, lá fora,
[expostas!
O Brasil é país que corta cabeças!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

