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Maria Lúcia de Moura Iwanow

Professora de literatura, aposentada

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Cai a PEC, fica a desonra

A derrota da PEC da Blindagem expôs a desonra de parte da bancada petista, manchando princípios históricos e ferindo a confiança da militância

Atos contra o projeto de Anista aos golpistas de 8/1 e a PEC da Blindagem (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
"Quem perde a honra pelo negócio, perde a honra e o negócio" – (provérbio brasileiro)

"Murro na barriga e tapa na cara do eleitor". Assim, Otto Alencar, senador do PSD da Bahia, resumiu a aprovação da PEC da Bandidagem pela Câmara dos Deputados.

E o senador não mediu palavras: “Vamos sepultar essa PEC, enterrá-la em cova profunda para que não se repita mais essa iniciativa de dar proteção apenas porque se tem um mandato. Todos são iguais perante a lei. O trabalhador, o professor, todos nós temos que cumprir a lei. Nesse caso, a iniciativa foi proteger de qualquer acusação de crime os deputados federais que aprovaram essa PEC, que eu considero o maior de todos os absurdos já aprovados na Câmara Federal”.

A multidão nas ruas no final de semana não havia deixado a menor dúvida sobre a recusa em aceitar que se inscrevesse tal excrescência ética e política em nossa Constituição.

E o senador passou das palavras à ação. Pautou a matéria e colocou à apreciação da CCJ o parecer contrário do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), relator. A PEC foi reprovada por unanimidade e arquivada pelo presidente da Casa. Uma intervenção cirúrgica!

Porém, para nós, a maioria dos militantes do PT, a violência de um murro no rosto e um soco na boca do estômago seria menor do que a vergonha, a revolta e a indignação que sentimos ao ver, entre os votantes, 12 deputados do Partido dos Trabalhadores.

As redes sociais e as ruas refletiram o choque. Os cartazes de “traidores”, mais os pedidos de expulsão e as mais diversas formas de expressar o inconformismo diante da realidade que não se podia negar, apareceram.

Incontestavelmente, lá estavam seus nomes no painel da indignidade: Paulo Guedes, Leonardo Monteiro e Odair Cunha, de Minas Gerais; Merlong Solano, Florentino Neto, Flávio Nogueira, Dr. Francisco, do Piauí; Dilvanda Faro e Airton Faleiro, do Pará; Alfredinho, Jilmar Tatto e Kiko Celeguim, de São Paulo. Airton Faleiro e Leonardo Monteiro mudaram o voto no segundo turno, e Merlong Solano pediu desculpas.

No dia seguinte, registrou a Carta Capital, a Câmara aprovava a volta do voto secreto para autorizar investigações sobre parlamentares, o que não teria sido possível, segundo a revista, sem os votos decisivos de oito petistas: Valmir Assunção, da Bahia; Odair Cunha e Paulo Guedes, de Minas Gerais; Dilvanda Faro, do Pará; João Daniel, de Sergipe; Alfredinho, Jilmar Tatto e Kiko Celeguim, de São Paulo. Voto secreto rimando com orçamento secreto feito com dinheiro público.

E isso num momento em que o valente presidente Lula tenta concretizar uma República, tenta fazer do Brasil uma nação soberana, coisa muito difícil de se fazer num país colonizado, com passado escravocrata, desigual no que diz respeito a renda, raça, gênero e classes sociais e com a elite possivelmente mais cruel e insensível do mundo.

A militância do PT, cantada em verso e prosa, mas cada vez mais alijada das decisões partidárias, assombrada, viu, como num passe de mágica, o partido passar a fazer parte da Canalhocracia, nome tão apropriadamente colado pela mesma Carta Capital na testa dos autores, articuladores e votantes da PEC da Bandidagem e da proposta de anistia, paridas por uma direita psicopata, sem compostura, sem educação, sem ética, capitaneada por criatura pequena, não séria, dileta afilhada ideológica de Liras e Cunhas.

O inconformismo e a legítima revolta explodiram e ecoaram nas redes sociais e nas ruas contra os deputados que não se importaram de agir juntos e misturados com os que querem se proteger de julgamentos, conforme o Congresso em Foco, por corrupção, lavagem de dinheiro, desvio de verba pública, violência doméstica, falsidade ideológica. Somem-se a isso crime ambiental, racismo, homofobia, misoginia, apoio à tortura, porte de arma ilegal, flexibilização das leis ambientais, liberação de garimpo nas terras dos guardiões da floresta!

Pois não tinham nossos deputados se aliado a estelionatários da fé alheia, a apoiadores de genocidas, a defensores de gente que aprova tortura, a golpistas? Foi assim que, de repente, marchamos de braços dados com os apoiadores do genocídio nacional e de palestinos e com destruidores da soberania nacional!

E houve, aqui e ali, quem recorresse ao Estatuto do Partido dos Trabalhadores para exigir respeito às leis que nós mesmos escrevemos.

O Estatuto do PT diz em seu Art. 70: “O Partido concebe o mandato como partidário, e os integrantes das Bancadas nas Casas Legislativas deverão subordinar sua ação parlamentar aos princípios doutrinários e programáticos, às deliberações e diretrizes estabelecidas pelas instâncias de direção partidária, na forma deste Estatuto”, lembrou alguém.

Se 50 deputados de 62 diriam não à PEC da Bandidagem, por que a providência do fechamento de questão não foi adotada, conforme o §1º do Art. 71, que diz que o “fechamento de questão” decorrerá de decisão conjunta da Bancada Parlamentar com a Comissão Executiva do nível correspondente e deverá ser aprovado por maioria absoluta de votos”? Perguntava outra militante.

O Art. 72: “A Bancada Parlamentar e a Comissão Executiva do Diretório correspondente adotarão medidas concretas para combater o clientelismo e os privilégios, na busca de uma nova postura ética dos parlamentares” ainda está valendo? Era pergunta que não se podia calar.

E como se a vergonha não fosse suficiente, ainda se teve que passar pelo constrangimento de ver o presidente do PT tentando justificar o injustificável diante de um país perplexo, não apenas com os votos de quem se pode esperar tudo de ruim, mas principalmente e sobretudo com os votos dados por deputados do Partido dos Trabalhadores. Um cara bom, um militante exemplar, um político decente que, como nós, não merecia passar por isso.

Um mal-estar imenso tomou conta do Brasil, da militância e do setor da sociedade que ainda vê no PT o ideário que lhe deu origem. Parcela da sociedade que, apesar de todos os ataques, dos lawfare, dos joaquinzões, ainda espera lisura e comportamento ético. Dessa forma, se esperava, no mínimo, uma reação enérgica e pública da direção nacional, condenando o voto de parte da bancada, o que não veio.

Não teria sido melhor ter pedido desculpas ao Brasil, para não parecer que se menospreza o discernimento geral? Argumentar que a maioria do PT votou contrariamente à tal da PEC não alivia o erro. Dizer que os petistas “quiseram honrar” acordo feito relativamente à anistia para os golpistas é um despautério! O verbo “honrar” não cabe aqui. Honra seria estar entre os que perderam a votação.

Além disso, “anistia” não é pauta nossa. O PT não pode mergulhar no pântano de mais essa iniciativa desvergonhada. Menos ainda tem que se meter em tratativas sobre tamanho de pena para projetos de torturadores. Basta votar contra, denunciando sempre o significado de mais uma anistia na história do Brasil!

Essa iniciativa da extrema direita é o golpe que alguém chamou de golpe do terno, para salvar quem queria dar o golpe da farda! Não temos de ajudar a carregar esse pacote de escárnio com relação à democracia, ao Estado de Direito e ao genocídio cometido pelos bolsonazis. A sociedade vai julgar quantos e quantas se envolverem nessa tratantada!

E chamar o que fizeram de “lambança” é muito pouco, porque isso foi muito mais grave do que um deslize!

Até quando se vai ignorar o fato de que tudo o que o Partido dos Trabalhadores faz ou deixa de fazer, para o bem e para o mal, é da conta do Brasil? Até quando se vai suportar a ética complacente, a moral cambaleante que vêm sequestrando o PT?

Não é de hoje que se percebe a privatização crescente de alguns mandatos petistas. Nós, militantes, que atrelamos nossas vidas ao projeto do PT, que não temos mandato, que não somos assalariados para fazer campanha eleitoral ou para dirigir o partido, nem para defender o governo do presidente Lula e as conquistas de seu governo – e o fazemos em nossas famílias, nas ruas, no trabalho, nas feiras, onde for preciso – continuaremos a pagar a conta imoral dos desvios de mandatos alheios à vontade popular e ao Estatuto do PT?

Para piorar tudo, os “votantes”, não se dando por achados, ainda se deram ao desfrute de responder com empáfia e arrogância quando questionados pela imprensa sobre seus votos. Uns, inacreditavelmente, disseram “É do jogo” (jogo de quem, cara pálida?) e que “outros partidos foram piores”, escudando-se com o argumento cínico de que, do PT, a segunda maior bancada da Câmara, 50 deputados votaram contrariamente, enquanto o PL, de Jair Bolsonaro, deu 83 votos a favor da PEC da Bandidagem e nenhum voto contra.

Ora, por que votariam contra uma proposta que é deles? Se um dos nossos tivesse votado com o PL, já seria muito e igualmente inaceitável.

Atravessaram o Rubicão, pularam o corguinho, deram com os burros n’água e ainda ousaram nos comparar ao PL? Nunca leram o Estatuto do partido, não têm discernimento e, tal como o PL, consideram que o povo é idiota? Ou pensaram que não haveria reação? Ou pouco se importam?

Um desses deputados disse que votou “sim” para preservar a atividade parlamentar! Os crimes pelos quais vários deputados são hoje acusados são atividades parlamentares? Matar pessoa porque se estava alcoolizado e participando de racha automotivo, por exemplo, passaria a ser atividade parlamentar?

Todos os brasileiros e brasileiras são julgados pela Justiça, mas eles, não? Se a proposta aprovada beneficia parlamentares investigados por corrupção e desvio de emendas, por que petistas se meteram nisso?

A aprovação dessa PEC pelo Senado nos tiraria da República e nos jogaria num fosso de bandidos inimputáveis entre eles mesmos, sendo essa uma concessão inaceitável que nos distanciaria de nossas origens, nos descaracterizaria, destruiria nossa diferença, solapando nossos valores.

Resta saber até onde essa gente acompanhará as iniciativas da direita, uma vez que já foi dito “que não haverá punições”. Nem um pito? Nenhuma admoestação, palavra elegante para sugerir um puxão de orelhas?

Solidarizar-se é inaceitável; é ignorar os anseios de todo um povo por sobriedade, honestidade e transparência no trato da coisa pública.

Na imprensa, agora, dizem, tentando mudar de assunto, tentando fazer de conta que nada aconteceu de errado: “O foco, agora, será impedir o avanço da anistia aos condenados pelo 8 de janeiro e trabalhar pela aprovação da isenção do Imposto de Renda para quem ganhe até R$ 5.000 e da Medida Provisória que isenta a conta de luz para 60 milhões de pessoas”.

Não deveria ter sido esse, o tempo todo, o foco?

E é bom lembrar que pouco ou nada se falou sobre os que faltaram às sessões de votação da PEC da Bandidagem ou delas se ausentaram sem motivo justo. Quatro faltaram a uma sessão e sete faltaram a outra. Num dos Congressos mais caros e dispendiosos do mundo, faltar às sessões é nada?

O povo colorido, alegre, com indignação saudável e cidadã foi às ruas contra a PEC da Bandidagem e a anistia; foi às ruas contra um Congresso que boicota o Brasil. Junto com o povo, com os artistas, a sofrida militância do PT, aquela que denuncia ao povo os disparates e salva o Partido. Continuar nas ruas com o povo e passar a limpo essa casa dos horrores em que se transformou o Congresso Nacional é tarefa do Partido dos Trabalhadores!

“Quem estará nas trincheiras ao teu lado? – E isso importa? – Mais do que a própria guerra”.

Com essa frase atribuída a Ernest Hemingway, fica aqui manifesta a esperança de que coisas como esta não voltem a acontecer, pois se caiu a PEC, ficamos com o alívio, mas também com a humilhação pública de deputados petistas a terem aprovado.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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