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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Cancelamento praticado pela USP faz lembrar atuação na ditadura

"Qual é a real vocação da USP?"

Alysson Mascaro

Coincidências não existem. Existem, isto sim, energias que sopram numa mesma direção, quando forças contrárias ao bem comum se impõem. Não por acaso, neste domingo ensolarado, quase Natal, Reinaldo Lima, o “Rei” e melhor centroavante de todos os tempos do Clube Atlético Mineiro, veio a público, através do 247, falar do cancelamento sofrido por ele durante a ditadura.

Justo na semana em que o professor Alysson Mascaro foi sumariamente banido do corpo docente da Universidade de São Paulo (USP), sem um processo límpido, que lhe reservasse o direito ao contraditório.

O resultado questionável, tomado por uma congregação em que 100 votam, mas apenas 33 estavam presentes e se pronunciaram, demonstra que passado e presente se unem desde sempre, quando o que está em jogo é banir os diferentes, os que se rebelam, os que se posicionam.

Reinaldo e Mascaro têm esse traço em comum. Ambos se colocaram na cena pública em defesa de uma causa, e essa causa não necessariamente fala aos dirigentes do Departamento de Direito da USP.

E, mais uma vez, não por coincidência, esse é o dia em que o país está nas ruas em defesa da democracia e contra acordos que nada têm de republicanos.

Embora tenha em suas fileiras de mestres e doutores nomes de projeção na defesa da democracia, como o professor Pedro Dallari, que presidiu a Comissão Nacional da Verdade, a USP — não é segredo para ninguém — mantinha uma agência de informação que fazia triagem ideológica e fornecia dados aos órgãos de segurança para perseguir alunos, professores e estudantes contrários à ditadura civil-militar.

O órgão que exercia o controle dentro da Universidade era a Assessoria Especial de Segurança e Informação (Aesi), criada em 1972, durante a gestão do reitor Miguel Reale (1969–1973).

Em consequência da “arapongagem” capitaneada pelo ex-reitor Miguel Reale — sim, o pai do jurista Miguel Reale Júnior —, a USP foi responsável pelas prisões e desaparecimentos de estudantes e professores dos seus quadros. Os casos mais emblemáticos são os da professora do Departamento de Química, Ana Rosa Kucinski, e de seu marido, Wilson Silva.

A Aesi produziu inúmeros informes, que eram compartilhados com as Forças Armadas, com o Serviço Nacional de Informação, com o Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DOPS) e com as polícias.

“Em muitos casos, a vigilância resultou em prisão, morte, desaparecimento, privação de trabalho, proibição de matrícula e interrupção de pesquisa acadêmica na instituição”, contém o documento.

Os relatórios de “deduragem” produzidos pela USP, de acordo com o ex-reitor Hélio Guerra Vieira, foram queimados sob sua ordem.

Entre 1973 e 1979, foram produzidos 2.895 documentos, mais de 413 a cada ano, num fluxo superior a um informe por dia.

A pesquisa para a Comissão da Verdade da USP foi realizada a partir de 2013, quando a Comissão foi criada, sob a coordenação da professora Janice Theodoro da Silva.

É necessário voltar a esse passado para observar que a semente do autoritarismo — o mesmo que desestabilizou a carreira do jogador Reinaldo na década de 1970, reconhecido num pedido de perdão pelo Estado brasileiro na Comissão de Anistia, no dia 2 de dezembro — é a mesma que fez desaparecer a professora Ana Rosa Kucinski e que agora varre porta afora o professor Alysson Mascaro.

Tudo isso ocorre num processo obscuro que, segundo a defesa do docente, foi “marcado por violações graves e estruturais”.

A defesa afirmou ainda que a decisão da Faculdade de Direito da USP foi tomada na quinta-feira (11/12), mas ressaltou que não foi intimada oficialmente e que apresentará recurso no âmbito administrativo e por vias judiciais.

“A defesa do professor Alysson Mascaro vem a público esclarecer que o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) instaurado contra ele constitui uma expressão de lawfare e de um procedimento de cartas marcadas, conduzido sem respeito às garantias mínimas do devido processo legal. Trata-se de um caso que jamais poderia gerar qualquer resultado válido e cuja solução definitiva será buscada no Poder Judiciário.”

Aqui é forçoso perguntar: qual é a real vocação da USP? A que tem em seus quadros da Faculdade de Direito o professor Pedro Dallari, um humanista que dirigiu de forma transparente e firme a Comissão Nacional da Verdade, ou a que demitiu Alysson Mascaro sem respeito às garantias mínimas do devido processo legal?

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.