Caos na cidade e guerra no campo

Uma guerra desencadeada pelo capital que usa o pretexto da produção econômica para impor a barbárie

Dinheiro
Dinheiro (Foto: José Cruz/Agência Brasil)


Clique aqui para receber notícias do Brasil 247 e da TV 247 no WhatsApp

(Publicado no site A Terra é Redonda)

Enquanto a classe operária urbana – aquela que ia liderar a revolução proletária – não parece ameaçar o capital, os ativistas ambientais – aqueles ambientalistas chamados de reacionários pelos esquerdistas ortodoxos – estão enfrentando o capital e até mesmo assassinados na fronteira agrícola. Além do caos no transporte, habitação, desemprego e logística urbana em geral, a lógica dos jagunços se deslocou do campo para a cidade, onde cresce assustadoramente o poder dos milicianos. E o principal foco do conflito capital x trabalho parece ter se deslocado da cidade para o campo, onde aumenta a opressão e o número de assassinatos de lideranças rurais.

Segundo o relatório da ONG Global Witness, publicado em 12 de setembro último, e divulgado na mesma data pelo portal UOL, de 177 assassinatos de defensores do meio ambiente registrados mundo afora em 2022, 34 ocorreram no território brasileiro. O Brasil só ficou atrás da Colômbia em número de mortes. Em 2022, a Colômbia liderou o ranking como país mais violento para ativistas. Foram 60 assassinatos. O Brasil foi o segundo país mais letal para ambientalistas em 2022.

continua após o anúncio

Dizer que 177 ativistas ambientais foram assassinados em 2022 em todo o mundo é dizer que, a cada dois dias, uma pessoa ligada à defesa do meio ambiente e do uso coletivo dos recursos naturais foi morta por causa da sua atuação. De acordo com o Relatório, o quadro grave na América Latina foi destaque: a região foi palco de 88% do total de assassinatos. Dos 18 países que aparecem no relatório com casos documentados, 11 são latino-americanos.

“A piora na crise climática e a procura cada vez maior por commodities agrícolas, combustíveis e minerais intensifica a pressão sobre o meio ambiente – e sobre aqueles que arriscam suas vidas para defendê-lo”, diz o documento, alertando que a impunidade é um enorme problema que incentiva a prática de assassinatos. “Os mandantes intelectuais raramente são conhecidos, assim como suas motivações”.

continua após o anúncio

Para os autores do Relatório, é complexo estabelecer ligações claras entre os assassinatos registrados e setores econômicos específicos. Dos 177 crimes de 2022, pelo menos dez têm suas causas ligadas a interesses da indústria do agronegócio. A mineração foi associada a oito casos monitorados pela Global Witness. Outros setores que estariam por trás das mortes são o madeireiro (4), construção de estradas e infraestrutura (2), hidrelétrica (2), caça (2).

Mais de um terço das pessoas assassinadas eram indígenas (36%). Pequenos agricultores (22%) e afrodescendentes (7%) também estão entre as maiores vítimas da violência. Em 2022, autoridades estaduais, manifestantes, guardas florestais, ambientalistas, advogados e jornalistas também foram alvos de assassinatos.

continua após o anúncio

O Relatório esclarece que “há diversos outros atentados não letais, como tentativa de silenciamento, de criminalização, ameaças e outros tipos de violência física e sexual. Tudo isso envolto pelo conflito de terra”. É a primeira vez que o relatório destaca mortes registradas na região da Floresta Amazônica: um em cada cinco assassinatos contabilizados em 2022 aconteceu na Amazônia.

“Devemos proteger as pessoas que protegem o meio ambiente. Elas não estão defendendo suas casas, suas vidas, seu próprio território, apenas. Estão defendendo o ambiente que é importante para a sobrevivência de todo o planeta”, acrescenta o Relatório.

continua após o anúncio

O processo de urbanização e modernização conservadora iniciada na década de 50 do século passado trouxe mudanças sociais, alterou a estrutura de poder e deslocou a maior parte da violência para a fronteira agrícola, onde são assassinados lideranças rurais, indígenas e defensores da floresta pelos grandes fazendeiros, madeireiros, garimpeiros, mineradores, pecuaristas, principalmente. Além de assassinatos, ocorrem estupros, espancamentos, apropriação violenta de terras onde a lei, relembrando Euclides da Cunha em Os Sertões, está na ponta do fuzil.

O desmatamento ilegal, provocado pela expansão da agricultura e pecuária, acarreta a destruição de florestas e perda da biodiversidade, contribuindo para as mudanças climáticas. A mineração e o garimpo também estão na origem da degradação ambiental e dos conflitos sociais. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) sobre conflito no campo no Brasil mostram que entre os anos de 1985 e 2021 foram registrados 1.536 crimes de assassinato resultando em 2.028 mortos. No entanto, apenas 147 desses crimes foram julgados. Ou seja, cerca de 90% dos casos de assassinatos deste período não tiveram qualquer tipo de julgamento.

continua após o anúncio

O relatório “Conflitos no Campo Brasil 2022”, elaborado pela Comissão Pastoral da Terra aponta que a Amazônia Legal concentrou 59% dos conflitos por terra em 2022. A porcentagem aumentou em relação a 2021, quando o bioma foi palco de 51% das ocorrências. O número de mortes na Amazônia passou de 495 em 2013 para 926 em 2022. Segundo o Relatório da Comissão Pastoral da Terra, os números explicitam a relação direta entre Estado e agronegócio. Trata-se de uma relação histórica baseada na exploração das comunidades, na morte de pessoas, na destruição da natureza e dos modos de vida das comunidades. Os indígenas foram vítimas de 38% dos assassinatos. Entre os causadores da violência no campo, os fazendeiros seguem em primeiro lugar, com 23%. Em seguida está o governo federal na gestão Bolsonaro (16%), empresários (13%) e grileiros (11%).

Os assassinatos de defensores de direitos humanos e do meio ambiente na Amazônia ocorrem praticamente da mesma forma há 40 anos: em locais com vulnerabilidade econômica, crimes brutais são cometidos e permanecem impunes. O caso do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, assassinados no Vale do Javari há um ano, apresenta semelhança com outros crimes de grande repercussão nas últimas décadas na região, como o assassinato da freira missionária Dorothy Stang em 2005, no Estado do Pará.

continua após o anúncio

A violência contra indígenas, camponeses, quilombolas, trabalhadores sem-terra, ambientalistas e defensores de direitos humanos é a outra face do neo-extrativismo do agronegócio, da pecuária extensiva, da mineração, das madeireiras, que desmatam a floresta e degradam a terra para exportar, sem agregar valor. Apesar da forte pressão do agronegócio e de suas práticas predatórias, esperamos que o governo Lula consiga abrir uma janela de oportunidade para a civilização suplantar a barbárie que ainda predomina na fronteira agrícola do Brasil.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o desmatamento na Amazônia caiu 33,6 % no primeiro semestre de 2023 e 42,5% nos sete primeiros meses de 2023. A notícia é boa, mas é necessário caminhar rumo ao desmatamento zero. A Floresta Amazônica, segundo os cientistas brasileiros do clima, já se aproximou do ponto de não retorno, ou seja, de um processo automático de autodestruição.

continua após o anúncio

Já no Cerrado, onde nascem as principais bacias hidrográficas do Brasil, a situação é claramente mais alarmante. De acordo com o DETER, nos primeiros quatro meses de 2023 foram devastados 2.133 km2, um valor 17% maior que o registrado no mesmo período do ano passado e 48% maior que a média histórica.

No que se refere à transição para uma economia de baixo carbono, o Brasil está atrasado, apesar de ter uma matriz energética mais renovável do que a maioria dos países. O Brasil atualmente é quinto maior emissor mundial de Gases de Efeito Estufa (GEE), depois da China, EUA, Índia e Rússia. Seu padrão de emissões, no entanto, difere significativamente da média global. Enquanto as emissões brasileiras decorrem principalmente de mudanças no uso da terra e desmatamento (50%) e da agropecuária (24%), na média dos países do G20 cerca de 70% das emissões estão relacionadas ao setor de energia (Climate Transparency, 2022).

É exatamente aí, onde ocorrem as emissões brasileiras de Gases de Efeito Estufa, nos conflitos de uso da terra, no desmatamento e na agropecuária, é nesses confrontos que se produzem os assassinatos dos ativistas ambientais e das lideranças camponesas e indígenas que dão a vida pela defesa do meio ambiente. Trata-se de uma guerra desencadeada pelo capital que usa o pretexto da produção econômica para impor a barbárie.

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

O conhecimento liberta. Quero ser membro. Siga-nos no Telegram.

A você que chegou até aqui, agradecemos muito por valorizar nosso conteúdo. Ao contrário da mídia corporativa, o Brasil 247 e a TV 247 se financiam por meio da sua própria comunidade de leitores e telespectadores. Você pode apoiar a TV 247 e o site Brasil 247 de diversas formas. Veja como em brasil247.com/apoio

Apoie o 247

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247