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Pedro Simonard

Antropólogo, documentarista, professor universitário e pesquisador

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Capitalismo de vigilância

Vivemos em uma época na qual nossas experiências privadas foram apropriadas por empresas controladoras de algoritmos digitais e utilizadas por elas como matéria-prima para produtos digitais que possuem enorme valor agregado

(Foto: Reprodução)
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Vivemos em uma época na qual nossas experiências privadas foram apropriadas por empresas controladoras de algoritmos digitais e utilizadas por elas como matéria-prima para produtos digitais que possuem enorme valor agregado. Esta é a tese desenvolvida por Shoshana Zuboff, professora aposentada da Harvard Business School, em seu livro A Era do Capitalismo de Vigilância, cujo conteúdo resumido encontra-se no documentário Shoshana Zuboff em Capitalismo de Vigilância.

Nesta etapa do desenvolvimento do capitalismo são desenvolvidas operações com objetivos econômicos que são dificilmente detectáveis, são indecifráveis e mascaradas por uma retórica liberal. Estas operações são envoltas em justificativas que enfatizam a liberdade do sujeito e a sua proteção, o que faz com que sejam aceitas e, muitas vezes, defendidas por aqueles que são suas maiores vítimas. 

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O capitalismo de vigilância desenvolve produtos que, sob o argumento de facilitar a vida dos cidadãos para que possam melhor organizar seu tempo e usufruir suas vidas, exigem que estes forneçam dados pessoais se quiserem vigiar seus lares por meio de câmeras remotamente controladas ou instalarem um novo aplicativo em seus equipamentos digitais ou se quiserem adquirir um simples produto pela internet. O aspecto mais visível deste capitalismo são os anúncios direcionados que recebemos a partir do momento em que pesquisamos produtos na internet ou simplesmente, o que é mais assustador, comentamos em voz alta diante de nossos computadores, tablets ou celulares ligados que desejamos viajar para tal lugar ou adquirir determinado produto ou serviço.

Segundo Zuboff, as pessoas acreditam que têm controle sobre os dados que fornecem, que as únicas informações pessoais que as empresas possuem são aquelas que os consumidores conscientemente lhes transferem. Para Zuboff, essas informações são a parte menos importante entre todos os dados que as empresas digitais coletam.

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O sistema de navegação e pesquisa disponibilizado gratuitamente permite ao Google saber em tempo real onde estamos e o que pensamos. Cada joguinho tolo sobre “quem seria você na história” ou “como você se parecerá quando ficar velho” ou cada informação que você compartilha pelo Facebook ou outras redes sociais permite que estas empresas conheçam nossos familiares, amigos, passatempos preferidos, bem como nossos gostos pessoais. 

Tudo se torna mais grave quando nos damos conta que o processo de concentração de riqueza e fusão de empresas imanente ao capitalismo tornou Mark Zukerberg principal controlador do Facebook, Instagram e WhatsApp. Este controle lhe proporciona acesso a gostos pessoais, imagens particulares e conversas privadas que lhe são disponibilizadas por bilhões de pessoas sem que estas se deem conta disso. Deixamos rastros digitais com uma enorme quantidade de dados pessoais que são transformados em algoritmos sem que tenhamos a menor consciência de que uma simples pesquisa sobre um tema específico permite a essas empresas captarem cada vez mais informações. Esses são dados mais valiosos do que aqueles que fornecemos conscientemente e as empresas os utilizam e os transformam em capital sem o conhecimento dos usuários da internet e sem que estes recebam nenhum um centavo por isto.

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Transformados em algoritmos, estes dados vão compor um excedente comportamental valioso que as grandes empresas de internet – Google, Facebook, Instagram, Youtube – transformarão em mercadoria e disponibilizarão para aqueles que quiserem pagar para ter acesso aos bilhões de perfis dos possíveis consumidores de seus produtos e serviços ou vão utilizá-los na elaboração de produtos que gerarão mais dados sobre os consumidores. 

Todo desenvolvimento tecnológico do capitalismo busca aumentar a produção do mais-valor relativo e tem como consequência a liberação de mão de obra e o empobrecimento crescente dos trabalhadores, acompanhados do aumento dos meios de dominação e exploração do trabalhador. Exige maior capacitação desta mão de obra, concomitante ao crescimento da exclusão dos trabalhadores que acabam por compor um exército industrial de reserva desqualificado, cuja principal função é pressionar para baixo o valor desta mão de obra. Reduz, também, o consumo de bens e serviços que possuem maior valor agregado porque a enorme massa de trabalhadores sem qualificação ou pouco qualificados não ganham o suficiente para consumir estes produtos. Se, por um lado, temos aumento na quantidade de produtos que utilizam muita tecnologia e inovação e, devido a disso, chegam ao mercado com um preço pouco acessível à maioria dos trabalhadores, por outro lado temos redução da massa de trabalhadores que recebem um salário que lhes permita satisfazer suas necessidades reprodutivas essenciais e contar com uma sobra para consumo de bens e serviços não essenciais, geralmente possuidores de maior valor agregado. 

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Para assegurar que esta massa “reduzida” de trabalhadores consuma e para fidelizá-los, o acesso ao excedente comportamental torna-se fundamental. As grandes empresas que controlam os algoritmos tornam-se as grandes vencedoras deste processo e basta analisar os balanços da Google, da Microsoft, do Facebook/Instragram/WhatsApp para entender quem são os grandes controladores e beneficiadores do excedente comportamental, os grandes privilegiados pelo capitalismo de vigilância.

Nos anos 1970, momento em que as teorias neoliberais começam a tornarem-se hegemônicas, houve uma expansão maciça dos trabalhadores urbanos devido ao avanço das relações de produção capitalistas sobre áreas rurais de economia camponesa em regiões da América Latina, África e Ásia, como também devido à ação de governos que buscaram a industrialização de suas economias, como ocorreu com a China. O resultado foi uma enorme quantidade de mão de obra que perdeu acesso aos meios de produção e precisou assalariar-se. Isso impactou negativamente o nível de vida dos trabalhadores nos países mais ricos e, ao mesmo tempo, não representou melhora significativa no nível de vida desses novos trabalhadores urbanos. As práticas e estratégias econômicas neoliberais tiveram como consequências o crescimento exponencial da riqueza com sua acumulação crescente e aumento da miséria.

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Como já mostrou Marx, o princípio caro ao liberalismo econômico de que a livre concorrência em um mercado desregulado regulará e controlará a produção, a sua distribuição e o consumo, bem como distribuirá riqueza mostrou-se uma utopia porque não levou em consideração que a lógica do capital conduz ao monopólio e à concentração da riqueza. Basta compararmos a situação econômica mundial de hoje com aquela de quarenta anos atrás, antes que as teses neoliberais se tornassem hegemônicas, para vermos que a riqueza se acumula e se concentra na mão de segmentos capitalistas cada vez menores e mais poderosos. 

O excedente comportamental e os algoritmos ampliaram o horizonte para esses capitalistas de tal maneira que lhes permitem controlar comportamentos e atitudes de bilhões de pessoas mundo afora, ditando-lhes as preferências de consumo. Política e políticos foram transformados em produtos e os eleitores, em consumidores. Desta maneira, o domínio dos algoritmos permite que um pequeno número de bilionários possa controlar as instituições democráticas em qualquer país do mundo, via o manejo dos gostos, dos gestos e das atitudes dos eleitores politicamente menos conscientes, cujo voto é direcionado para os candidatos que interessam a estes capitalistas.

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Nas eleições brasileiras de 2018, esses bilionários conseguiram eleger seus prepostos para cargos no executivo - presidente e governadores - e no legislativo. O Renova Brasil, criado e apoiado por grandes capitalistas brasileiros como Jorge Paulo Lemann - homem mais rico do Brasil e dono da Ambev entre outros negócios - elegeu deputados federais e estaduais em diversos estados brasileiros para defender seus interesses. Esses deputados foram eleitos por partidos supostamente de esquerda, como a deputada federal Tábata Amaral (PDT/SP) e o deputado federal Felipe Rigoni (PSB/ES), partidos estes que, por serem de esquerda, deveriam posicionar-se radicalmente contra a influência do grande capital na política.

Outro uso dado aos logaritmos na conjuntura brasileira é a identificação de consumidores politicamente mais influenciáveis. Em grande medida, estes consumidores confundem-se com aqueles eleitores que, dependendo da conjuntura econômico-social, pendem para a esquerda ou para a direita. Os dados que este grupo disponibiliza nas redes sociais são utilizados pelo chamado “gabinete do ódio” criado pelos bolsonaristas para influenciá-los por meio um turbilhão cotidiano de notícias falsas e de desinformação.

Os algoritmos e o excedente comportamental já influenciaram as eleições presidenciais nos EUA, em 2016, o plebiscito do Brexit e as eleições para primeiro ministro do Reino Unido, como também as eleições presidenciais brasileiras, em 2018. Em todas essas eleições os algoritmos trabalharam pela eleição de candidatos de extrema-direita, cujos programas econômicos e políticos buscaram implementar medidas que favoreceram as atividades próprias ao capitalismo de vigilância.

O capitalismo de vigilância transforma-se em um risco para o processo civilizatório de toda a humanidade ao favorecer um grupo cada vez menor de bilionários capitalistas, em detrimento da maioria dos seres humanos, relegados a uma condição de vida miserável. Entre esses dois extremos, camadas sociais médias, divididas entre o apoio aos bilionários e apoio às políticas públicas de inclusão social, tentam equilibrar-se em um modo de vida fragilizado do qual poucos conseguem fugir pela via da ascensão social; a maioria vai descender socialmente e se juntará aos párias sociais ou, como bem descreveu Zygmunt Bauman, poucos vão se tornar “turistas” e muitos se tornarão “vagabundos”. 

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