Carolinas desatentas e a vox populi
O mundo mudou, a linguagem mudou, a percepção da realidade mudou e o “tempo passou na janela e só Carolina não viu”
Em dois meses completarei sessenta anos; eu deveria estar muito feliz, afinal: a jornada ao lado do amor da minha vida completará quarenta anos; “dos filhos que Deus me deu, todos eles eu criei”, como escreveu minha avó Maura e eles, assim como meu sobrinho e sobrinhas, são criaturas espetaculares, cada qual com seu talento e suas escolhas, honram a família e nos enchem de orgulho; sou avô da Isabela e a Clarice está a caminho; convivo amorosamente com minhas irmãs, convivi por cinquenta e seis anos com meu pai e tenho minha mãe a dizer sempre o quanto eu seu bonito e inteligente; tenho uma profissão pela qual já fui apaixonado e, ao longo dos quase trinta e sete anos advogando, procurei caminhar ética e honestamente; tenho alguns grandes amigos e muitos bons amigos e, salvo melhor juízo, poucos desafetos e nenhum inimigo.
O que falta para eu estar muito feliz?
Além da credencial de idoso emitida da secretaria de trânsito aqui de Campinas (que me permitirá estacionar naquelas vagas que estão sempre vazias) e da PONTE PRETA conquistar um título de primeira linha, o que falta de verdade é o Lula 3 emplacar, pois, como o pessoal mais antigo dizia: “melhorou, mas ainda não está bom”.
A que eu me refiro? Ao desempenho do governo captado nas últimas pesquisas, as quais revelam que a aprovação do governo caiu para 54% em outubro, de acordo com a Genial/Quaest (o número é seis pontos inferior ao levantamento anterior); noutra pesquisa, da Atlas, que é feita pela internet, há um empate técnico no limite da margem de erro: a avaliação negativa do governo é de 45% e a positiva é 43%.
Isso não é irrelevante.
A pesquisa não me surpreendeu nadinha, talvez porque eu - apesar de torcedor e eleitor do Lula e da esquerda desde 1982 -, não vivo na bolha de alienação e bajulação, espaço tão próprio de gente que vende a mãe (e entrega) para alcançar e manter posições de privilégio em administrações públicas ou no mundo corporativo.
Não surpreendeu, primeiramente porque a comunicação do governo federal e dos partidos de centro-esquerda e esquerda não é apenas ruim, ela é péssima.
O leitor há de concordar comigo: o mundo mudou, a linguagem mudou, a percepção da realidade mudou e o “tempo passou na janela e só Carolina não viu” (as “carolinas” são os nossos companheiros da comunicação; parece que eles não perceberam que a internet se tornou ferramenta fundamental para a vida cotidiana; que ela deu uma guinada na vida dos indivíduos; que todos nós buscamos métodos mais rápidos e práticos de comunicação e busca de informações).
As redes sociais passaram a ter enorme relevância e, salvo melhor juízo, seguem subestimadas pelo “nosso povo”, que teima em olhar para as mídias do tradicionais, ignorando o presente e o futuro da linguagem e da comunicação; estamos levando um baile da extrema-direita, que produz conteúdos e abastece o gado com fake News aos montes; já os partidos de esquerda e o governo parecem carolinas na janela.
Não me sai da cabeça uma frase do Zé Dirceu: “perdemos a batalha da comunicação”; o contexto da frase era o golpe contra a presidenta Dilma, faz tempo, mas, de lá para cá, mudou muito pouco o manejo das redes sociais pelas nossas lideranças.
Além disso, os partidos políticos do nosso campo passaram ser escravos dos burocratas que, ciosos por mais e mais “espaços institucionais” (gabinetes com carpete alto, ar-condicionado e poltronas de couro), vêm se distanciando do povo que deveriam representar e a quem deveriam servir.
Em segundo lugar, a pesquisa não me surpreendeu porque as interações políticas mudaram muito nos últimos cinco, dez e vinte anos e o nosso campo está “perdidinho”.
Ademais, Bolsonaro, preguiçoso que é, entregou aos presidentes das casas congressuais parte significativa do orçamento (para que eles garantissem votos), o que: (i) causou grave assimetria, talvez irreparável, nas relações entre Executivo e Legislativo; (ii) vem inviabilizando o governo Lula e (iii) dificultando a tarefa de Haddad e Tebet na busca do superávit e a capacidade de investimento do governo.
Vejam o absurdo legado pelo Inominável: para as emendas individuais, que têm execução obrigatória, estão reservados cerca de 45 bilhões de reais para a LOA 2024, já o valor previsto para investimentos (obras públicas e compra de equipamentos) é de 69,7 bilhões de reais no próximo ano (Lula acabou com o orçamento secreto, mas ampliou o valor das emendas; trata-se de distorção monstruosa que colide, inclusive, com o discurso de austeridade e controle de gastos do qual o congresso lança mão para manter-se alinhado, pelo menos retoricamente, com o mercado.
A verdade é que a população não está percebendo melhora em áreas que são importantes para suas vidas; a pesquisa da Atlas revela que as áreas da saúde, moradia, transporte, segurança pública, justiça e combate à corrupção tem avaliação de desempenho péssimo” para 37% a 41% dos entrevistados e o desempenho é “ótimo” para menos de 30%.
E mais, para 61% da população o grande problema é a criminalidade e o tráfico de drogas, para 51% das pessoas a corrupção precisa ser combatida, mas não são essas as questões prioritárias do governo, o que significa que a vox populi está sendo ignorada.
Os temas tratados prioritários do governo: combate à pobreza, desigualdade social, meio ambiente e economia, têm menos peso aos olhos da população que o combate à criminalidade e à corrupção.
O governo, nossos líderes no congresso e nos partidos continuarão a ignorar a voz do povo?
É por essas e outras que às vezes penso em mudar para Foncebadon, localidade do município de Santa Colomba de Somoza, comunidade autônoma de Castelo Leão, que tem oito habitantes.
Por isso desejo: (a) que os bajuladores sejam afastados do presidente e que medidas sejam tomadas para melhora da comunicação; (b) que o congresso e o executivo encontrem um break even point nas suas relações; que o governo avalie, com honestidade, se o trabalho contratado junto aos ministros está sendo feito e bem-feito, para, (d) que, em sendo necessário, ocorram mudanças; (e) que ninguém esqueça que Bolsonaro foi derrotado por uma frente, não pela esquerda ou pelo PT; (f) que ninguém perca de vista que vencemos Bolsonaro, não o bolsonarismo; (g) que o bolsonarismo segue vivo e assanhado, dando voz e representando a extrema-direita fascista; (h) que a vox Populi seja ouvida e respeitada e (i) que as carolinas nas janelas fiquem mais atentas ou se retiram.
Essas são as reflexões.
e.t. [1] dar medalha pra Janja é “meio ridículo” ou eu estou extrapolando na minha amofinação?[2] o ministério da Justiça receber uma senhora condenada por lavagem de dinheiro e esposa de um dos “chefões” do crime organizado, foi uma falha importante da burocracia do ministério, ou eu estou agastado demais? [3] outro ministério pagar despesas de viagem para a esposa de um dos “chefões” do crime organizado, foi outro erro ou estou apoquentado?
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

