Carta aberta ao comandante do Exército
Assassinos de Vlado não merecem medalhas
Prezado General de Exército Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva,
Num sábado, 25 de outubro, há cinquenta anos, o jovem jornalista Vladimir Herzog despediu-se da esposa e dos filhos pequenos logo pela manhã, entrou nas dependências do II Exército, em São Paulo, na Rua Tutóia, intimado a prestar depoimento, e de lá saiu num caixão.
Vlado, como ficou conhecido, um cidadão pacífico que jamais usou armas, nunca se envolveu em briga de rua e sempre se portou de forma civilizada e ordeira, era um jornalista de quatro costados e excelente reputação, com experiência internacional, àquela altura diretor de Jornalismo da TV Cultura de São Paulo. Não era, nem nunca foi, guerrilheiro; o partido ao qual era filiado, o PCB, não pregava a luta armada.
Ele foi assassinado duas vezes. A primeira, na sessão de tortura à qual não resistiu. A segunda, quando seus algozes tentaram encenar seu bárbaro assassinato como suicídio. Quem passou por aquelas instalações sabe que lá ninguém se matava; quem morria, morria na tortura.
Embora todos os trajes dos torturadores fossem civis, eles eram, na maioria, militares. O comandante daquele antro infame — ironicamente chamado DOI-CODI —, coronel Audir Santos Maciel, e o chefe da 2ª Seção do Estado-Maior do II Exército, oficial do Exército Brasileiro José Barros Paes, que estavam à frente do órgão no dia em que Vlado foi torturado e assassinado, foram denunciados pelo Ministério Público Federal em 2020, assim como os civis: o médico legista Harry Shibata; o delegado da Polícia Civil David dos Santos Araújo, codinome “Capitão Lisboa”; o médico legista Arlindo de Toledo Leite; e o promotor da Justiça Militar Orlando Machado de Almeida.
Ao menos três envolvidos no assassinato de Vlado foram condecorados pelo Exército Brasileiro: o coronel Audir Santos Maciel (medalhas e condecorações por serviços prestados à repressão), o médico legista Harry Shibata (Medalha do Pacificador) e o delegado David dos Santos Araújo (Medalha do Pacificador).
Tenho certeza absoluta de que o senhor e a maioria dos militares brasileiros, de todas as patentes, não compactuam com o regime ditatorial, e muito menos com métodos como a tortura. Por isso, lhe faço um pedido: retire as condecorações de todos os militares e civis envolvidos em torturas, vivos ou mortos, a começar pelos autores do duplo assassinato de Vladimir Herzog.
Será uma forma concreta de o Exército mostrar à sociedade brasileira que atos como aqueles crimes contra a humanidade não são tolerados pela instituição que o senhor comanda e jamais voltarão a ser praticados em nosso país.
O Exército seguir homenageando assassinos é inadmissível em tempos de democracia.
A história vai recompensar seu gesto generosamente.
Ass.: Um cidadão brasileiro
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




