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Estevão F. Santos

Naturalista e pesquisador independente, de Goiás. Dedica a maior parte do tempo internado nos cerrados e florestas do coração do país, constatando os hábitos relacionados à história natural das aves da região, e identificando as espécies botânicas que ornamentam os cenários e paisagens naturais do Planalto Central.

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Carta aos naturalistas desalentados

O naturalista é aquele afeiçoado pela profusão do mundo natural, mas é, antes de tudo, um escapista, poeta, observador contumaz e um esmerado descritor daquilo que vê - das coisas como são

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Por Estevão F. Santos

Chegará o dia em que o célebre cientista proclamará plangentemente, do alto de seu pódio, “procura-se naturalistas!”, em tom desalentado. E a ele faltarão correspondências, soluções; qualquer sinal de esperança esvanecer- se-á, com a mesma efemeridade em que se compôs. Uma peça-chave para este processo já fora, há muito, apagada deste cenário, bem como aquela sua índole obstinada, seu almejo e sua paixão – faltarão naturalistas.

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O naturalista é aquele afeiçoado pela profusão do mundo natural, mas é, antes de tudo, um escapista, poeta, observador contumaz e um esmerado descritor daquilo que vê - das coisas como são. Diria, particularmente, que os detentores do conhecimento naturalista nada mais demonstram do que al- guma polivalência em seu modo de buscar a compreensão dos sistemas natu- rais: seu objeto de atenção não se faz apenas um; é, outrossim, heterogêneo, diverso, vibrante. Seu fascínio perfaz os “especifismos” da ciência erudita, ele é um encantado pela integração primordial em que todos os elementos da na- tureza se acham unidos: uma longeva constituição, tão primitiva quanto o tempo por si próprio.

Uma semente que se precipita inopinadamente ao solo, por obra de um passarinho que a regurgitou, e a árvore que, futuramente, ali medrará ou não. Ela pode perecer antes, por que não? Cupins podem-na roer. A intempestivi- dade do vento pode derrubá-la. Mas a beleza, de um ponto de vista quase me- tafísico, aí se materializa: existe uma pompa, um lirismo nesta vicissitude natural que, ante às nossas limitações como humanos, demonstra não caber em palavras. Apenas a quem é dado de experienciá-la é que se encontra al- guma compreensão.

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Não apenas à semente, nem tão somente à árvore, aos pássaros e seus predadores direciona-se o pormenorizado estudo do naturalista. Sua missão é assimilá-los como um complexo interligado, de mútua dependência. O brotar da semente e o morrer da árvore são, como simples eventos, constituintes de uma verdadeira harmonia primacial.

Outrossim, o naturalista se mostra um escapista por excelência pois, insulado na caótica fugacidade urbana, não afloram-lhe lampejos criativos. Apenas quando enfurnado nalgum rincão, à busca entusiasta por descobertas, é que se descobre o naturalista. Ele não trabalha no gabinete; carece de estar envolto nos cipoais, coberto em folhedo, metido numa viçosa floresta. Ali é que averigua suas mais ambiciosas hipóteses, que nunca faltam. Apenas nestes agrestes ermos é que torna a ver seus infalíveis companheiros selvagens.

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Mais valem para o naturalista verdejantes florestas, altaneiras árvores e besouros peregrinos, cigarras estrepitosas e cintilantes borboletas do que grandes prédios, luzes artificiais e o desagradável ruído de automóveis. Desde o princípio já se apresenta como ermitão, impulsivamente buscando os retiros naturais; um fugitivo da liquidez destes tempos. Servem-lhe mais o sol do que o dia, mais a lua que a noite; intrigam-no mais as paisagens do que as fron- teiras, servem-lhe mais os sons do que as onomatopeias.

O tempo, ora, o tempo trouxe novos horizontes, e caiu em desuso quase absoluto o encargo do naturalista. Certa vez, ouvi desgostosamente que natu- ralistas se tornaram apenas memórias, perdidas de obscuramente no vasto pretérito da ciência e da natureza, e tal conhecimento, se comparado às admi- ráveis conquistas tecnológicas da contemporaneidade humana – esse maqui- nário formidável, aparelhos inteligentes – é ultrapassado. Condição axiomá- tica: como pode um modesto conhecimento primordial se igualar às maravi- lhas da hodiernidade digital?

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Indago-me, talvez seja mesmo o naturalista apenas um saudosista, um velho apaixonado pelos sertões, um vagante que ainda se apresenta aqui, nes- ta constituição telúrica, com a única aspiração de satisfazer seu infindável instinto de conhecer, um pouco mais, os selvagens retiros da natureza e seus enigmas, também intermináveis.

Assim, manifesto-me aqui despido de expectativas, mas incumbido de me exprimir antes que seja tarde demais (será que já não é?). Os naturalistas devem manter-se erguidos pelos porvires da existência, que suscitarão frus- trações cada vez mais constantes, por sua efemeridade, mas que devem ser embelezados por seu anseio de descoberta. Ainda que perturbados pela opres- siva falta de correspondência, pela solidão e a insatisfação de suas expectati- vas, devem ser supridos pelas novas descobertas naturais, que asseguro, aca- lentam essa nossa ânsia de procurar novas razões para amar a natureza.

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Procuram-se naturalistas, que mesmo solitários em sua travessia por este planeta, deixarão para sempre registrados os encantos naturais. Uma de suas aptidões é se contentar com os mais ‘simples’ eventos da natureza – ver- dadeiras “desimportâncias” – que para a ótica mais afeiçoada representam, contudo, o maior estágio de complexidade de um organismo biológico. Natu- ralistas, dos trópicos e de todo o mundo, uni-vos, antes que o antagônico ca- minhar do tempo os torne apenas novas memórias!

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