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Homero Gottardello

Jornalista, Bacharel em Direito, Música (habilitação em “Teoria Geral da Música”) e Belas-Artes (habilitação em “Cinema”)

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Cena napoleônica do quadro “Independência ou Morte” é uma imitação

Apesar da beleza e da qualidade técnica, tela do paraibano Pedro Américo não passa de uma cópia de “1807, Friedland”, do francês Jean-Louis Ernest Meissonier

(Foto: Independência do Brasil)
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A independência do Brasil é muitíssimo bem biografada e se existe uma aceitação entre os historiadores em relação aos fatos que deram naquele 7 de setembro de 1822, ela se encerra na imagem criada pelo paraibano Pedro Américo de Figueiredo para o “Grito do Ipiranga”. Ocorre que uma investigação sobre as artes do período pré-republicano revela que, para além do Hino Nacional (uma colcha de retalhos, uma compilação de trechos operísticos costurados sem muita medida), o quadro que retrata o “brado retumbante” de Dom Pedro I também é uma imitação. Considerada a representação definitiva do instante que o país rompeu o subjugo colonial, a tela de Pedro Américo não passa de uma cópia de “1807, Friedland”, do francês Jean-Louis Ernest Meissonier. E em um passado sem Google ou YouTube, a beleza e a qualidade técnica do quadro não deram margem para questionamentos.

Na tela original de Meissonier, concluída em 1875, o Imperador Napoleão Bonaparte aparece em um ponto elevado do campo de batalha, cercado pela cavalaria do exército francês, que comemora a vitória sobre os russos. Em termos técnicos e estéticos, não há diferença entre esta pintura e “Independência ou Morte”, de Pedro Américo. O francês Meissonier era especialista em cenas militares e sua habilidade mais destacada era a reprodução de figuras equestres em movimento – que, não coincidentemente, dominam e dão movimento a ambas as cenas. O objetivo do artista brasileiro foi claro: inspirar o patriotismo nacional com uma imagem napoleônica

“Pedro Américo era um artista muito ligado ao Império e tinha sido contratado por D. Pedro II para pintar o Grito do Ipiranga e a ‘Batalha do Avaí’ – episódio da Guerra do Paraguai”, conta o historiador Eduardo Bueno. “Ele morava e estudava em Florença, com uma bolsa bancada pelo Estado, e foi lá que pintou ‘Independência ou Morte’, quase 70 anos depois do evento original”, acrescentou Bueno. Para dar à sua obra o máximo de autenticidade, o artista paraibano mandou buscar amostras do barro das margens do Rio Ipiranga, que foram levadas do Brasil à Itália, mas uma simples sobreposição das imagens revela que este preciosismo foi, na verdade, um embuste.

Os cavalos retratados por Pedro Américo nunca estiveram ali. Na verdade, a viagem entre Santos e São Paulo era feita em mulas e a “comitiva” de D. Pedro I não trajava uniformes de Guarda de Honra naquele instante. Não há nem mesmo um consenso sobre o brado retumbante de “independência ou morte” que, para uns, foi pinçado de uma frase maior e, para outros, é apenas uma fantasia histórica. Vindo de Santos para São Paulo, consumido por uma terrível diarréia, D. Pedro I parara pela oitava vez para se aliviar: “Os Correios Reais, vindos do Rio de Janeiro, o interceptaram no caminho e informaram sobre a decisão da Corte Portuguesa de devolver ao Brasil o status colonial. Existem pelo menos dez relatos de testemunhas deste instante”, narra o escritor Laurentino Gomes.

Uma cena que ninguém viu - De acordo com a historiadora, Doutora em História Social e professora da USP, Cecilia Helena de Salles Oliveira, “Pedro Américo imortalizou uma cena que ninguém viu”, muito diferente dos testemunhos. Segundo ela, o pintor preencheu a história: “D. Pedro I viajava com uma comitiva muito pequena e foi necessário adicionar uma guarda enorme à cena. Os cavalos, todos puro-sangue, nem existiam no Brasil nesta época. O artista se justificou, dizendo que ‘o pintor não pode ser escravizado pela realidade’ e, na verdade, foi a fantasia que acabou determinando a realidade, porque os uniformes usados pela cavalaria, no quadro, acabaram inspirando o usado pelos Dragões da Independência até os dias atuais”.

Outro historiador da USP, Paulo Cézar Garcez, enfatiza o lado institucional da pintura. “Pedro Américo nunca pretendeu expressar fielmente o momento do ‘Grito do Ipiranga’. Ele seguia uma escola europeia que pregava que os momentos históricos deveriam ser retratados de uma maneira decorativa. Não havia um comprometimento com a realidade e o fundamental era ‘como’ aquele momento deveria ser lembrado”, afirmou o especialista.

Na verdade, a Independência do Brasil, propriamente dita, aconteceu em 1º de agosto de 1822, com o “Manifesto Aos Povos Deste Reino”, e o 7 de setembro foi escolhido – e construído – posteriormente, em maio de 1823, já como uma data comemorativa. A sorte da obra de Pedro Américo é que, diferentemente da camisa da Seleção Brasileira e da nossa própria Bandeira, a representação definitiva do Grito do Ipiranga, que é a tela “Independência ou Morte”, é uma elaboração política que está além da ignorância bolsonarista. Seu afã positivista e sua ambição pragmática negam a vocação colonial e isso há de ser valorizado, principalmente num tempo em que ainda existe quem só se realiza pelo subjugo.

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