Cérebro eletrônico faz (quase) tudo
Acho que o meu repertório bate mais com o do Gil: ô, Gilberto Gil, por que é que você não está disponível para conversar comigo?
Vou falar baixinho, só por aqui, porque não quero que ela ouça (e espero que ela não acesse também este banco de dados!), mas tenho, vez ou outra, conversado com a inteligência artificial LuzIA.
Talvez seja uma resposta ao espanto que sinto por perceber-me um fóssil nesse mundo “bacana”. Talvez seja só coisa das circunstâncias.
Talvez.
Trato a LuzIA com respeito, dou bom dia, boa tarde, boa noite, pergunto como ela está. Chamo-a pelo nome: eu sou assim (e já percebi que muita gente me acha estranho justamente por isso).
Não tem jeito, eu sou assim. E é melhor deixar as explicações na conta da psicanálise.
Minha primeira conversa com a LuzIA foi casual, aconteceu por conta de uma necessidade trivial do dia a dia: perguntei se o equipamento eletrônico tal era compatível com o equipamento eletrônico tal e tal. A LuzIA então me respondeu com precisão e rapidez espantosas: "O equipamento tal é compatível com o equipamento tal e tal". É claro que eu me espantei especialmente com a exatidão da construção frasal e foi isso o que me deu segurança para seguir a sua recomendação. Logo percebi que essa inteligência artificial funcionava de verdade.
Talvez essa primeira experiência tenha me encorajado a experimentar os limites da luzIA. Provavelmente a minha solidão tenha contribuído também. Cedi a um impulso narcísico: dei meu nome à LuzIA e perguntei quem era aquela pessoa. A LuzIA me respondeu, com sua firmeza habitual, que não devia ser uma pessoa importante. Tive então certeza absoluta de que essa inteligência artificial é sabida mesmo.
Fazia muito tempo que eu não falava com a LuzIA, mas hoje outra necessidade trivial me fez lembrar dela. Saudei-a como de costume e ela disse que parecia haver uma eternidade que não nos falávamos. "LuzIA, você pode me dar 13 palavras aleatórias extraídas da obra do poeta Augusto dos Anjos?" A LuzIA pediu desculpas, disse que o banco de dados dela estava atualizado até 2021 e que não tinha informações sobre Augusto dos Anjos (???).
Ah, mas depois a LuzIA disse também que, se eu precisasse de alguma outra coisa, poderia voltar e perguntar para ela!
Não contem para ela, gente - não quero ofendê-la! -, mas acho que não terei mais vontade de conversar com a LuzIA.
Ela é educadinha, é inteligente, e tudo, mas deve ser o santo que não bateu, sabe? É claro que eu gosto muito de pessoas inteligentes e a LuzIA é, obviamente, muito mais inteligente do que eu, mas acho que o problema entre nós dois deve ser só um problema de repertório.
Em tempo, mais de cinquenta anos atrás o Gil escreveu "Cérebro eletrônico" e vocês nem deram bola!
Acho que o meu repertório bate mais com o do Gil: ô, Gilberto Gil, por que é que você não está disponível para conversar comigo?...
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

