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Jean Menezes de Aguiar

Advogado, professor da pós-graduação da FGV, jornalista e músico profissional

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Chamar Lula de ladrão, ou Bolsonaro de genocida-fujão é crime

Achar que ‘pessoa pública’ pode ser ofendida ou que não tem intimidade etc., é pura ignorância

Jair Bolsonaro (à esq.) e Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Reuters/Diego Nigro | Ricardo Stuckert)
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E segue a dificuldade, para muitos, entre os conceitos de discurso de ódio, liberdade de opinião e ... crime. Sim, o bom e velho conceito de crime, do bom e velho Código Penal. No caso, Injúria, artigo 140: ofender alguém.

Outro dia num debate na televisão, um jornalista disse que é ‘contra’ a responsabilização criminal de alguém ‘só porque’ o sujeito ofendeu uma pessoa. Então tá. Qualquer pessoa pode ser a favor ou contra o que quiser. Só que algumas situações, as sociedades escolhem democraticamente, como crimes e registram as violações nos seus códigos penais. Assim, xingar ou ofender alguém é crime sim. Há séculos. E tem mais, em todas as democracias que se querem minimamente educadas.

O antigo jurista Bento de Faria (Código Penal Comentado), utilizando o Código Penal italiano de 1887, apresenta 4 razões sociais intransponíveis para que a injúria seja crime: 1. A educação social; 2. Uma regra impediente de perturbações; 3. Os graves inconvenientes à tranquilidade; 4. A não perturbação da ordem pública.

Parece que radicais brasileiros, ou apenas ignorantes, acham que têm direito de ofender alguém, seja pessoalmente, seja pela internet, coisa absolutamente criminosa, e que nenhum Direito evoluído jamais aceitará.

Em 3/1/2023, no aeroporto de Congonhas, alguém invadiu o sistema de som e chamou, publicamente, Lula de ‘ladrão’, até o que se sabe, quando ele embarcava para o velório de Pelé. Ainda uma data triste. É um caso típico de crime de injúria, ainda com algumas possíveis agravantes.

Mas afinal, o que é injúria? O mestre Nelson Hungria (Comentários, v. VI) sintetiza: ‘É a manifestação, por qualquer meio, de um conceito ou pensamento que importe ultraje, menoscabo ou vilipêndio contra alguém.’ E Damásio de Jesus (CP Anotado), ensina que mesmo o ‘desonrado’ pode ser vítima de injúria, ou seja, não pode ser xingado, ofendido.

Como está na lei, o crime de Injúria, apresenta um paradoxo interessante. É o crime contra a honra menos grave, mas pode se tornar o mais grave. Tem pena inicial ínfima, admita-se, detenção de 1 a 6 meses ou multa. Porém, se a injúria é na modalidade preconceituosa, por exemplo contra idoso, a pena se transforma totalmente: pula para reclusão de 1 a 3 anos, mais multa, ou seja, mais severa que um homicídio culposo. Se envolver o presidente da República e funcionário público, a pena é aumentada de mais um terço.  Se for cometida em redes sociais, ainda aplica-se o triplo da pena.

Aí, a polícia identifica a pessoa que ofendeu no microfone do aeroporto – e de quebra pode ter cometido o crime de Invasão de Estabelecimento para embaraçar o curso normal do trabalho, Código Penal art. 202, crime grave -, e instaura um processo criminal. Em defesa, vêm as pasmaceiras do momento: perseguição política; censura; liberdade de expressão; perseguição ‘xandônica’ (gosto dessa!) e outras idiotices aprocessuais desprovidas de qualquer valor jurídico no caso.

Para operadores do Direito, ofender alguém continua sendo algo temeroso e impensável. ‘Meramente’ porque é crime. Precisa de mais?

Assim, cada vez que alguém xinga Lula de ‘ladrão’ comete um crime, além de dano moral, e pode ser processado civil e criminalmente. A mesmíssima coisa se alguém xingar Bolsonaro de ‘genocida-fujão’. Cometerá crime.

Não será crime de injúria, um texto jornalístico, literário, artístico ou científico, construindo uma opinião desfavorável, ainda que uma crítica ácida, mas sempre sem a finalidade de ofender, xingar, injuriar. É como está no Código Penal, artigo 142, inciso II.

E a lei é tão severa quanto à Injúria, que neste tipo de crime, não é admita a ‘exceção da verdade’. Ou seja, se alguém xinga Bolsonaro de ‘genocida’, e vem a ser processado criminalmente por ele, não poderá fazer a prova, em sua defesa, no processo judicial, que Bolsonaro teria sido tecnicamente um genocida no governo. Para o crime de Injúria, o que o Direito quer, efetivamente, é que ninguém ofenda alguém. Sabendo-se que, nalguns casos, quem der publicidade à ofensa também comete o crime.

Muita gente se surpreende quando fica sabendo que ofender, inclusive na internet, é crime. É um crime de ação penal privada, ou seja, cabe exclusivamente à vítima, mover a ação judicial. Muitos contratam advogado e ajuízam ação, ou até duas ações, uma civil e outra criminal. Outras tantas vítimas optam por não fazer nada. É escolha de cada um.

Por fim, fala-se muito em Estado Democrático de Direito. Ora, esta é a sociedade que, em primeiro lugar, se obriga a respeitar as leis. Em segundo e imediatamente junto, se obriga a respeitar as decisões judiciais. Assim, ‘querer’ que o crime de Injúria, seja bobagem, seja exagero, seja cafona ou não valha juridicamente pode ser, juridicamente, uma péssima ideia. Tão grande quanto acabar recebendo em casa uma citação judicial, de que está sendo processado criminalmente porque ofendeu alguém na internet. Uma tormenta, inclusive financeira.

Xingar magistrados do Supremo Tribunal Federal, ou qualquer pessoa, em aeroportos, ruas ou restaurantes acreditando que a ofensa virou ‘jargão’, sim, é crime. Achar que ‘pessoa pública’ pode ser ofendida ou que não tem intimidade etc., é pura ignorância. O casal, na Bahia, que chamou Rodrigo Maia, de férias com a esposa, de ‘ladrão e vagabundo’, em público, está sofrendo um custoso, e óbvio, processo criminal. Agora, certamente dirá que ‘não quis ofender’. Hã hã...

A sociedade brasileira terá que se reeducar, para ontem. Inclusive perdendo um medíocre prazer de reenviar ofensas e xingamentos a pessoas determinadas, pelas redes sociais. O que, de quebra, em todos os casos, pode ser crime. Ou não, ... e continuar anarquicamente no ‘crime’, rsss. O caso é que esta sanha xingadoura e ofensivista, que parece ter entrado na moda, para grosseiros e rudes, ainda vai custar, juridicamente, muito caro, para muita gente.

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