Chega de impunidade no ambiente on-line
PL 2628/2022 protege crianças online, mas falta detecção proativa. Aprovação urgente com alinhamento a padrões internacionais é vital
Nas últimas semanas, o Brasil tem sido abalado por um vídeo do influenciador e humorista Felca. Com milhões de visualizações, o conteúdo denuncia a adultização e exploração sexual de crianças e adolescentes nas redes sociais, expondo casos como os de Hytalo Santos e canais como “Bel para Meninas”. Essas revelações, cheias de poses sugestivas e interações inadequadas com adultos, geraram ameaças ao próprio Felca. Ele agora anda com segurança reforçada. A repercussão levou a investigações do Ministério Público da Paraíba e inspirou projetos locais, como a “Lei Felca” em Cuiabá, contra conteúdos que sexualizem menores.
Em meio a essa onda de indignação política, jurídica e social, surge como resposta o Projeto de Lei 2628/2022. Aprovado no Senado em novembro de 2024, o texto aguarda votação na Câmara dos Deputados, propondo regras firmes para proteger vulneráveis no ambiente digital. De autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), o projeto abrange aplicativos, jogos e mídias sociais. Vamos dar uma panorâmica ao conteúdo deste projeto:
1. O projeto tem a intenção de obrigar fornecedores a adotar mecanismos ativos contra conteúdos impróprios, impedindo acesso de menores a produtos inadequados.
2. Além disso, as plataformas devem prevenir bullying, exploração sexual e padrões de uso que incentivem vícios ou transtornos mentais. Vieira destaca que as medidas buscam equilibrar segurança com o desenvolvimento progressivo dos jovens, inspiradas em práticas internacionais.
3. No cerne do combate ao abuso, o projeto exige sistemas para relatar conteúdos de exploração a autoridades nacionais e internacionais, sem aguardar ordem judicial. Empresas removerão materiais violadores imediatamente após denúncias, excluindo as anônimas.
4. Para plataformas com mais de 1 milhão de usuários menores, relatórios semestrais sobre denúncias são mandatórios. Devem reter dados como conteúdos compartilhados e informações de usuários responsáveis, fortalecendo a accountability – responsabilidade – das empresas.
5. Quanto à publicidade, o texto veta anúncios que estimulem ofensa, discriminação ou sentimentos de inferioridade. Eles devem ser sinalizados explicitamente e não podem incentivar ilegalidades, violência ou degradação ambiental, alinhados ao Código de Defesa do Consumidor.
6. O texto veda também o direcionamento via perfilamento comportamental, análise de dados pessoais para targeting publicitário personalizado. Isso protege contra manipulações sutis que exploram vulnerabilidades infantis.
7. Na proteção de dados, controladores de serviços tecnológicos verificarão consentimento dos responsáveis para coleta. Proíbe-se condicionar acesso a jogos ou apps a dados excessivos, ou criar perfis comportamentais que facilitam abusos.
8. Infratores enfrentarão advertência, suspensão ou proibição de serviços. Multas chegam a 10% do faturamento da empresa ou de R$ 10 até R$ 1 mil por usuário, com valor máximo de R$ 50 milhões por infração, com recursos destinados ao Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente, para ações digitais.
O projeto tramita em caráter conclusivo nas comissões de Comunicação; Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família; e Constituição e Justiça e de Cidadania. Sua aprovação depende de harmonia entre Câmara e Senado.
Diversas entidades apoiam a iniciativa, vendo nela um passo contra crimes online. A Coalizão Direitos na Rede emitiu nota favorável, sugerindo ajustes para equilibrar proteção e direitos digitais. Organizações como Childhood Brasil, fundada pela rainha Sofia da Suécia, dedicada à prevenção de violência sexual infantil, alinham-se ao projeto por meio de parcerias para educação segura. ONGs como SaferNet e Instituto Alana defendem regulamentações semelhantes em fóruns públicos.
Autoridades também se manifestam a favor. O relator no Senado, Flávio Arns (PSB-PR), o chamou de prioridade absoluta. E o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), prometem acelerar a votação. O momento é este e não devemos deixar que um outro grande escândalo tome seu lugar desse deixando esse projeto dormitar na gaveta do esquecimento parlamentar.
O Ministério da Justiça, em audiências, alertou para milhares de notificações diárias de conteúdos inadequados, reforçando a urgência. No entanto, divisões políticas, como obstruções da barulhenta bancada da extrema direita no Congresso, atrasam a aprovação do projeto.
Apesar de parecer robusto, ainda tem um bom espaço para melhorias nesse projeto:
Apesar dos avanços, o projeto pode ganhar força com medidas adicionais, inspiradas em legislações estrangeiras. Uma é a verificação de idade robusta, como no Online Safety Act do Reino Unido, usando biometria auditada por terceiros para bloquear acessos indevidos e grooming – manipulação online para explorar sexualmente menores.
Outra sugestão: implementação de tecnologias de detecção proativa com inteligência artificial e hashing, comparação de impressões digitais de imagens, baseada na proposta da União Europeia contra abuso infantil, identificando ameaças em tempo real.
Entendo ser muito efetivo criar um órgão regulador independente, similar ao eSafety Commissioner da Austrália, para monitorar conformidade, impor multas e coordenar com agências globais, elevando a cooperação transfronteiriça.
O Brasil não pode se fechar em uma bolha, acreditando que essa situação alcança apenas as crianças e os adolescentes brasileiros. Não, é uma situação que diz respeito ao mundo como um todo, daí ser necessária maior interação entre os diversos parlamentos para se aproveitar as boas iniciativas que já estão em pleno funcionamento em diversos países como vimos acima.
Desde novembro de 2022, como estudioso do impacto da inteligência artificial na sociedade, alerto para o uso indiscriminado das redes por crianças e adolescentes. Agora, com a IA facilitando disfarces criminosos, eles se tornam presas fáceis de aliciadores perigosos.
Cada dia sem legislação sólida expõe dezenas ou centenas de jovens, entre os 216 milhões de brasileiros, potenciais vítimas de criminosos que roubam corações e mentes de quem ainda pode ser iludido em sua boa fé, em sua inocência original.
Diante disso, notam-se algumas lacunas:
O Projeto de Lei 2628/2022 não aborda educação no ensino fundamental e médio sobre perigos online. Programas escolares poderiam conscientizar sobre personas virtuais falsas, usadas por estupradores ou redes de pedofilia e tráfico humano.
A responsabilidade não é apenas das autoridades, nem se deve esperar realisticamente que leis resolvam tudo, pois se fossem minimamente eficazes viveríamos em um paraíso, em um mundo ideal. E estamos muito longe disso. Toda essa rede de proteção começa com supervisão vigilante de pais, educadores atentos e sociedade, prontos para denunciar indícios de crimes online contra crianças, adolescentes, ignorantes que são do poder destrutivo das redes.
Não se deve também descartar a necessidade imperiosa de que sejam criadas delegacias especializadas em crimes virtuais, como as de defesa da mulher, para investigações ágeis e suporte às vítimas, convertendo indignação em ação coletiva inabalável. Estamos todos cansados de boas intenções, de projetos de lei abrangentes e bem fundamentados. Ações e não palavras sejam nosso distintivo. Esta é uma daquelas causas às quais vale dedicar uma parte significativa da vida.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




