Chico Buarque não existe
O cineasta e escritor Ruy Guerra sintetizou bem o que Chico representa para o nosso país: “Chico Buarque não existe, é uma ficção – saibam. Inventado porque necessário, vital, sem o qual o Brasil seria mais pobre, estaria mais vazio, sem semana, sem tijolo, sem desenho, sem construção”
Há cinquenta anos a música A banda, de Chico Buarque de Hollanda, dividia o primeiro lugar com a música Disparada, de Geraldo Vandré e Théo de Barros, no 2º Festival de Música Popular Brasileira. Há cinquenta anos Chico Buarque lançava o seu primeiro disco, injetando uma dose de amor e de humanidade na sociedade brasileira em um período extremamente marcado pelo desumano e pelo desamor.
Cinquenta anos após o lançamento d’A banda e do primeiro disco de Chico, atravessamos um momento extremamente difícil em nosso país, um momento de crise política e econômica; de avanço do conservadorismo e do ódio de classe; de ataques severos à democracia e à soberania nacional. Como outrora disse Drummond na crônica Notas sobre A banda, publicada no Correio da Manhã em 1966, “de amor andamos todos precisados, em dose tal que nos alegre, nos reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força, capacidade de entender, perdoar, ir para a frente. Amor que seja navio, casa, coisa cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o absurdo e o mais que estamos vivendo ou presenciando”.
Mas felizmente A banda continua passando com seu rastro de esperança, um outro amanhã possível continua em nosso horizonte quando escutamos Apesar de você. Atravessamos aquela “página infeliz da nossa história” e o “samba popular” subiu a rampa do Palácio do Planalto em 2003, embora a nossa elite não suporte a sua melodia.
O próprio Chico Buarque, que com o seu jeito sereno e discreto nunca se omitiu na defesa da democracia e de um projeto popular para o Brasil, recentemente foi vítima do desrespeito e da ignorância política de um pequeno grupo de jovens na zona sul do Rio de Janeiro.
Eles não aceitam uma banda que toque para todos, não aceitam perder privilégios em benefício dos direitos da maioria da população, não aceitam dividir a universidade com filhos de pedreiros e agricultores. Por isso a pequena burguesia se debruça sobre a janela tal qual a “moça feia” da canção e faz seu panelaço, pois a banda não toca mais exclusivamente para ela.
Aquela “gente sofrida” já não é mais tão sofrida quanto antes, não necessita mais se submeter ao trabalho escravo ou semiescravo, saquear feiras e armazéns em período de seca prolongada no semiárido para sobreviver à fome, testemunhar a morte de suas crianças por desnutrição aguda.
Os desafios ainda são imensos, mas o povo brasileiro não quer de modo algum regressar ao passado. Se há cinquenta anos tudo tomava o seu lugar depois que a banda passava, hoje atravessamos o mais longo período democrático de nossa história republicana e não temos o direito de retroceder. Com o afeto e a esperança que emanam das canções de Chico Buarque, com o nosso “samba popular” nas praças e avenidas de todo o país, derrotaremos mais uma vez o medo, o ódio e a desesperança para construir um novo ciclo de desenvolvimento nacional.
O cineasta e escritor Ruy Guerra sintetizou bem o que Chico representa para o nosso país: “Chico Buarque não existe, é uma ficção – saibam. Inventado porque necessário, vital, sem o qual o Brasil seria mais pobre, estaria mais vazio, sem semana, sem tijolo, sem desenho, sem construção”. Vida longa a Chico Buarque de Hollanda! Vida longa à Música Popular Brasileira!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

