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Alex Solnik

Alex Solnik, jornalista, é autor de "O dia em que conheci Brilhante Ustra" (Geração Editorial)

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Chico em três atos

"Ato 1 - Cheguei tarde. Ato 2 - Fui promovido graças ao Chico. Ato 3 - Chico processou a Manchete. Parabéns por isso e pelos seus 80 anos", escreve Alex Solnik

Chico Buarque vence Prêmio Camões de Literatura

Ato 1

Chego ao prédio onde mora Chico Buarque, na cobertura, um prédio em frente à Lagoa Rodrigo de Freitas, bem cedo, quero encontrá-lo antes que saia, seria o que?, umas nove da manhã ou dez, por aí, estou fazendo isso porque não consegui marcar com ele por telefone, telefonei várias vezes, tentei marcar, a sua mulher sempre dizia que ele não estava, não sabia quando chegava, e eu precisava falar com o Chico, sem nunca tê-lo visto, e muito menos ele a mim, porque eu queria fazer para a prova de fim de ano da escola de cinema um documentário sobre Construção, um disco que ele tinha acabado de lançar e que me deixou muito impressionado, resolvi falar com ele sem marcar mesmo, achei seu endereço, peguei o trem de prata com minha namorada, a Ana Maria do Juca Chaves, da canção do Juca Chaves, (também foi namorada do Juca, muitos anos antes), olhos imensos, fascinante, falava sem parar, mas tinha voz bonita e falava muito bem, muito inteligente, o trem de prata, o noturno para o Rio era mais barato que hotel (não tinha motel), ela foi comigo, mas eu a deixei no hotelzinho mixuruca que descolamos no centro, daqui a pouco vou lembrar o nome da rua, ela não foi comigo ao prédio, por isso estou sozinho e aperto a campainha.

O cara que me atende (até onde me lembro) usa uma camisa com gravata preta típica de porteiro, sem paleto, é jovem (como eu, aliás), magro, negro e pergunta o que eu desejo e eu digo quero falar com Chico Buarque, ele pergunta se eu marquei hora, digo que não, e não por falta de tentar, mas não consegui, ele interfona para a cobertura e então me informa que Chico não está não, já saiu, foi pra rua e não disse quando volta.

Resolvi ficar por lá mesmo, voltar ao muquifo e depois retornar ao prédio seria muita mão de obra, “vou esperar aqui mesmo, posso?, uma hora ele vai ter que voltar” eu disse ao porteiro e o cara, muito simpático, disse não tem problema, por mim pode ficar e eu acho que você pode ficar mais confortável ainda esperando por ele na garagem, e então me conduziu até a garagem do prédio, eu sem entender muito, não tinha dormido quase nada, meio zonzo, lá vou eu atrás dele, chegamos à garagem, sentamos em dois banquinhos e então ele me oferece, para mim que sou um completo desconhecido, ele me conheceu há minutos, ele me oferece um baseado bem gordo, “para você se distrair enquanto espera”, e ainda diz “pena seu Chico não gostar, senão eu trazia da boa pra ele”.

Ficamos ali nós dois, conversando, ele indo e voltando à portaria para atender a campainha, as horas foram passando, e eu nem me lembrei de almoçar, nem tive fome, não me lembro de ter tido fome, as horas foram passando até que já estava escuro quando o Chico chegou.

O Chico chegou com o Cacá Diegues, me convidou para subir, depois da rápida apresentação do porteiro, conversamos então na varanda do seu apê, uns minutos, expliquei o que pretendia, ele recusou na hora, não teria tempo para o documentário porque estava começando as filmagens de “Quando o carnaval chegar”, e o Cacá, o diretor, que estava ali ao seu lado, não o deixava mentir.

Cheguei tarde.

Ato 2      

Estou num daqueles períodos de vacas magras quando meu amigo Tão Gomes Pinto me convida para um frila, um frila complicado, mas se der certo dá uma boa grana e dá capa, ele dirige a revista Manchete em São Paulo, o assunto seria do Rio, mas como ele sabe que eu poderia dar conta do recado, e isso seria um gol para a sucursal de São Paulo, conseguiu tirar a pauta dos cariocas, com muito sangue, suor e lágrimas, e eu já topando sem saber o que é, ele me diz que circula no Rio o boato de que Chico Buarque está separado ou vai se separar da Marieta Severo, um tema que eu rejeitaria se não estivesse tão duro e devendo, isso é coisa particular deles, eles que são marido e mulher, ou não, que se entendam, mas eu estava precisando e tinha como saber o que estava acontecendo, conhecia muitas pessoas próximas ao Chico, a grana era boa, à vista, além do mais isso poderia me abrir as portas na Manchete, topei a empreitada espinhosa.

Fui a campo, conversei com esse e aquele, essa e aquela, tínhamos várias pessoas em comum, algumas eu conhecia desde o colegial, outras na faculdade, fiquei focado na reportagem um tempão, várias semanas, consegui juntar as peças do mosaico e acho que fiz uma matéria consistente, com fatos e não fofocas, caso contrário não teria passado pelo crivo do Tão e do Jaquito (que dava a última palavra, sempre), não teria dado capa, nem teria batido recorde de vendas.

Tão foi promovido a editor-chefe e se mudou para o Rio e eu fiquei em seu lugar, chefe da sucursal de São Paulo.  

Graças ao Chico.

Mas nem tive como agradecer, segui minha vida e, ele, a dele.

Ato 3  

Estou esperando o retorno de Miúcha, fiz uma entrevista com ela sobre Vinicius, para um documentário que produzo e dirijo para a TV Cultura, ela foi uma graça, como sempre, e contou tudo o que sabia, Vinicius, amigo de seu pai, frequentava sua casa, ensinou a Chico a tocar violão, quantas turnês juntos, ela falava nele sorrindo sem parar, contou das festas, dos shows, das suas manias, histórias engraçadas, outras nem tanto, mas muitas histórias e depois de contar muitas histórias lembrou que nos próximos dias, por coincidência, ela e Chico iriam gravar alguma coisa do Vinicius, não lembro qual, e perguntou se eu gostaria de gravar os dois no estúdio para o documentário e é claro que eu achei ótimo, nos despedimos, ela ficou de dar o retorno e enquanto isso eu entrevistei outros amigos do Vinicius, falei com Oscar Niemeyer, que já estava mais baixo do que já era, mas sempre brilhante, com Jorginho Guinle, diretamente do hospital, amigo de farras em Hollywood, falei com Lan, outra vítima que Vinicius escalava para enfrentar a ira de suas mulheres desconfiadas de traição, outras mulheres, amigas, Carlinhos Lyra, que conta que seu parceirinho gostava de ficar resfriado, achava uma delícia a coriza que escorria do nariz.

Miúcha retorna, finalmente e fala ao telefone quase em tom de interpelação, não era mais aquela doce Miúcha da entrevista sobre Vinicius, “por que você não me disse que era desafeto do Chico?, que tinha feito aquela matéria para a Manchete que ele detestou?”, pergunta e eu respondo que não sabia que era desafeto dele, que tinha feito a matéria sobre a separação, mas não tinha ideia se ele tinha gostado ou não e então fiquei sabendo que por causa daquela matéria ele jamais faria qualquer coisa comigo até o fim da vida e nem gostaria que pessoas próximas dele, como Miúcha, fizessem.

 “Se eu soubesse, não teria dado entrevista para o teu documentário” disse ela. E desligou.  

 Depois fiquei sabendo que Chico processou a Manchete, ganhou, mas me deixou fora do processo.

 Parabéns por isso.

 E parabéns pelos 80!

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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