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Juan Vergara

Professor de Historia e Geografía da Universidad Metropolitana de Ciencias de la Educación. Professor de Filosofía Política na Facultad de Derecho de la Universidad de Valparaíso

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Chile: desobediência civil e estado de emergência

Nos últimos 30 anos o Chile acumulou todo tipo de descontentamento sociail: fracasso do sistema de aposentadorias pela capitalização individual, modelo de educação e saúde privatizada, extrativismo dos recursos naturais, baixos salários e alto custo de vida, ausência praticamente total do subsídio estatal nas principais áreas de gasto social

(Foto: Sputnik)
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Compatriotas: el pueblo chileno no resiste más; el hambre y la represión ya no se pueden seguir soportando. Los trabajadores, pobladores, estudiantes, profesionales, todos los patriotas se han alzado contra esta tiranía que nos oprime […] La tarea de las tareas es hoy parar Chile”. (Frente Patriótico Manuel Rodríguez, junio de 1986).

Aos povos trabalhadores da América bolivariana.

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A partir dos acontecimentos do dia 18 de outubro de 2019 em Santiago do Chile logo replicados largamente no restante do país em processo que segue até o presente momento, se faz necessário, por provisória e parcial que seja, realizar uma análise compreensiva e programática ao que está ocorrendo.

O desencadeamento do mal-estar social e a irrupção da violência política que o povo do Chile vive desde a sexta-feira dia 18 de outubro, teve por motivo imediato o aumento de preços dos serviços de metrô e trens urbanos na Região Metropolitana da cidade de Santiago. Este aumento foi repudiado enfaticamente pelos estudantes secundaristas, praticando e incentivando a evasão massiva do pagamento das passagens durante os dias prévios a este fatídico 18 de outubro último. Não perderemos longos parágrafos com a crônica dos fatos. De imediato, é certo, a desobediência civil se generalizou e se espraiou de forma imprevisível: interrupções de trânsito, interdição das estações de metrô e de ônibus de transporte, destruição de postos de gasolina e de dependências de empresas privadas ou estatais vinculadas aos serviços básicos assim como saques de shoppings e supermercados etc.

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Assumamos, primeiramente, que longe daquilo que a imprensa quer fazer crer, a irrupção da violência, se bem que ela não seja organizada ao modo clássico por quadros militantes, tampouco corresponde a uma irracionalidade ativa. Pelo contrário, em termos de estratégia política e seus fins, esta violência foi muitíssimo eficaz, pois conseguiu interromper o funcionamento da cidade. Há uma perfeita possibilidade de leitura política nisto, embora não corresponda à práxis de um sujeito individual ou coletivo (movimento ou partido): a paralisação dos meios de transporte em uma metrópole que concentra metade da população total do país e sua consequência lógica, a saber, a alteração do regime de produção, incluindo sua possível paralisação. Este é um dos pontos relevantes. Digamos algumas palavras antes a este propósito.

O Chile criou fama de ser um país exitoso, produtivo, estável e em vias de desenvolvimento, mas também de submissão, de perfeito modelo neoliberal para o continente, de população subjugada pela doutrina do medo inoculada por 17 anos de polícia política e extermínio sistemático pelos agentes do Estado. O Chile se tornou merecedor da fama de “bovino”, submisso, incapaz de rebelião, inserido na subjetividade neoliberal. Expresso mediante uma formalização teórica: no Chile, o maior e mais profundo, perfeito e violento trabalho de engenharia social por parte dos militares teria sido a interiorização do neoliberalismo como idiossincrasia nacional e paradigma de apreensão do socius, em uma palavra, como episteme. É importante sublinhá-lo porque os acontecimentos deste dia 18 de outubro último ainda estão em curso interrompem este relato. Os últimos 30 anos, período que no Chile associamos ao “retorno da democracia”, acumulou todo o tipo de descontentamentos sociais: fracasso do sistema de aposentadorias pela capitalização individual, modelo de educação e saúde privatizada, extrativismo dos recursos naturais, debilitamento consecutivo da economia de produção e consumo nacional, baixos salários e alto custo de vida, ausência praticamente total do subsídio estatal nas principais áreas de gasto social como transporte e energia, flexibilidade laboral ou, mesmo, ausência de legislação que ampare a seguridade social dos trabalhadores etc. Tudo isto é o que irrompeu na sexta-feira dia 18 de outubro. Se se observa o sobrevoo retrospectivo nos últimos 15 anos de manifestações, marchas e protestos sociais no Chile, todos estes temas estiveram presentes, mas em nenhum dos casos ocorreu uma interrupção da produção. Se tratou sempre, ou quase sempre, de marchas previamente convocadas, durante horários pré-estabelecidos e com uma maioria universitária e secundária, paralelamente à presença minoritária de trabalhadores quase sempre ausente. Isto é que mudou. Aqui o ponto que sublinhávamos anteriormente como relevante: é que agora a interrupção do transporte metropolitano contempla a população trabalhadora, gera uma efetiva disfuncionalidade da produção, e com isto a possibilidade real de paralisação dos trabalhadores(as) ao convocar a greve geral em âmbito nacional.

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Salta aos olhos que ante a possibilidade real de uma paralisação da produção e a correlativa organização das forças sociais, a classe política chilena liderada pela direita (mas não apenas por ela) não hesitou em declarar Estado de emergência e colocar os militares nas ruas, com tudo o que isto significa, a saber, toque de recolher, restrição das liberdades de reunião, violência permanente, capturas, invasões etc. Uma vez mais o Chile, como exemplo para as nações irmãs da América Latina bolivariana deste grande continente, deixa claro que a direita econômica, esta tosca síntese de moralismo sexual e economia desregulada, não hesitou, e nem o fará desta feita, como tampouco no futuro, em calar à balas o que o povo exija sob a sua única arma eficaz: a violência interruptiva.

O medo inoculado durante anos através do mais sofisticado, prolixo e brutal trabalho de repressão por parte do aparato de extermínio do Estado é o principal capital da classe política chilena, em especial da direita. Por isto a televisão utilizou um a um os seus cartuchos, e o primeiro deles foram os saques e, logo, o desabastecimento, depois as filas e, por fim, a mídia montou o cenário de uma situação de anomia e caos supostamente conducentes ao estado de natureza e à guerra hobbesiana de todos contra todos. Pois a síntese entre contingente armado, a pretendida carestia e a cobertura televisiva, reproduz tão fantasmagoricamente a imagem do Chile do golpe de Estado de 1973, que grande parte da população resta paralisada pelo medo. Por suposto, não negamos a efetiva criminalidade do atuar das Forças Armadas, mas não se pode nem se deve omitir que a técnica de “guerra” (posto que o Presidente Piñera falou de “guerra” expressamente) hoje aplicada é fundamentalmente psicológica. Por isto, além da denúncia certa de estupros que vitimaram mulheres, de torturas e, ao menos, até agora, cerca de 20 pessoas assassinadas por militares, ainda outros 20 não reconhecidos pelo Exército nem pelo Estado, pedimos à comunidade internacional, aos patriotas bolivarianos do continente, que auxiliem o povo chileno a romper o cerco do medo imposto pela mídia, que é o principal freio à ação última e decidida do povo. Não queremos fazer nem a condenação hipócrita da violência em abstrato, mas não somos tampouco “extremistas” ou defensores da “violência aberta”, senão que temos a plena consciência de que a violência política espontânea das revoltas populares é a interrupção definitiva do que vem ocorrendo de mal na ordem institucional e nas vias representativas do Estado burguês.

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Há pouco mais de 30 anos, ao votar o fim da ditadura militar, o Chile iniciou o ciclo da “transição para a democracia”, ciclo que, hoje, quiçá, poderia estar conhecendo o seu ocaso. Este longo ciclo, o “grande silêncio” destes 30 anos, leva em seu seio o signo do “consenso democrático”, aquele pacto social convencionado entre os partidos políticos para pôr termo à ditadura, mas às escondidas do povo, e sem romper com quaisquer de seus fundamentos, nem no marco constitucional, nem no modelo econômico. Hoje, novamente, este é um dos principais perigos: o governo de Piñera busca pactar com a oposição uma saída à crise, ou seja, volta à tentativa de reconduzir a revolta à plataforma da discussão parlamentar, sem passar pela multidão a potência dinâmica constituinte. Os meios de comunicação se apressam em instaurar a opinião dominante pelo poder da inércia, que a governabilidade e o próprio Estado são instâncias que dependem dos políticos profissionais, dos tecnocratas, não os de “sempre”, mas sim os das gerações de reposição. Este é o papel que gostaria de desempenhar certa oficialidade da novíssima Frente Ampla ou do Partido Comunista com seus rostos jovens.

Não se trata, por suposto, de negar categoricamente o processo de formalização institucional das demandas nacional-populares, mas que uma vitória efetiva seria alcançada de forma concreta se se logra ancorá-la institucionalmente a instâncias da autogestão e participação que suprimam ou minimizem a mediação, ou seja, em sindicatos, organizações de bairros, comitês locais, assembleias comunitárias etc. A participação direta e crescente dos trabalhadores(as) é o horizonte efetivo do florescer nacional e popular, e sua máxima é “TODO O PODER ÀS BASES”. Isto é o que o povo disputa hoje nas ruas, e não a maquiagem ao morto entre familiares. Isto explica que uma das exigências seja, diretamente, a cabeça do rei e a sua guarda do palácio.

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Assim, urge assinalar quatro máximas estratégicas hoje que sirvam de marco geral à quaisquer programas em construção que a cada dia são levantados aqui e acolá:

1 - Democratização da informação e novas restrições legais para fiscalizar a imprensa no Chile e, especial e enfaticamente, a televisão. Urge organizar um marco legal robusto e eficaz sobre a produção televisiva e jornalística que exija profissionalismo e contribuição real ao bem comum da cidadania;

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1.1 - É preciso que à cabeça deste processo esteja o Canal Nacional, e que outorgue tempo efetivo e valioso em horários populares a contingência política e aos seus atores. Todavia mais claro, que a televisão se veja obrigada a disponibilizar espaços em torno aos debates concretos entre as forças sociais organizadas e às instituições do fisco, tornando central já não a vulgar precariedade teórica da maioria dos parlamentares, mas sim as gestões democráticas e participativas da população em sua comunicação deliberante com as instituições do Estado.

2 - A democratização e horizontalização imediata, progressiva e crescente das Forças Armadas. Esta questão é da mais urgente necessidade. Qualquer latino-americano, qualquer cidadão da América bolivariana, sabe que o Chile sofreu uma ruptura total em sua ideia nacional com o regime militar iniciado em 1973 e finalizado em 1990, e que o povo ficou absolutamente desprovido de qualquer representatividade de seus interesses no interior das Forças Armadas.

2.1 - Sob esta premissa queremos dizer que as Forças Armadas e da Ordem concentram um número importante de filhos e filhas do campesinato e dos trabalhadores chilenos, e isto é um fato, mas também o é que, com os impostos pagos pela cidadania é que são custeadas as instituições castrenses. E então, não é de todo necessário ter segurança, paz, e satisfação de que as Forças Armadas não representem um perigo – o interesse das oligarquias nacionais e transnacionais –, mas sim que elas sejam expressão viva e necessária do povo em armas?

3 - A recuperação imediata dos recursos do solo nacional. Nenhum acordo pode ter um horizonte de efetiva justiça social se não passa pela soberania territorial e a independência econômica.

3.1 - Sob esta premissa de soberania o Chile deve recuperar os seus direitos (hoje privatizados) sobre o solo dos rios, sobre os glaciais, os bosques, as áreas de fertilidade estratégica, a costa, as jazidas de mineração etc. Estas riquezas devem ser todas elas recuperadas e postas em licitação aos pequenos e médios agricultores e produtores, mediante organizações de base e instituições intermediárias que operem como garantes da cidadania frente ao Estado.

4 - Democratização do orçamento fiscal. O fisco – e especialmente o chileno, que com a Reforma Tributária liberou de qualquer contribuição as grandes empresas – alimenta os seus cofres principalmente por intermédio dos tipos tributários arrecadados junto aos trabalhadores(as), e sendo assim, então, não seria um gesto mínimo como plataforma de reinvenção do Pacto Social a socialização e a consulta às bases sobre quais seriam as prioridades sociais do gasto público?

4.1 - Do ponto de vista histórico se torna cada dia mais evidente que o Estado, que a noção de Estado subsidiário instalada desde 1990, não soube canalizar as pulsões e aspirações populares. As massas não serão convencidas acerca da necessidade de sua representação, e hoje apostam por sua participação direta.

Enquanto isto, não se observa nenhum avanço acerca de possíveis negociações entre o Executivo e a população civil devido a obstinada persistência do governo do Presidente Sebastián Piñera em não retirar a las FF.AA das ruas. As massas populares não estão dispostas a ceder, e já disseram que não haverá diálogo enquanto existirem revólveres sobre a mesa. Nesta hora crucial para o Chile e para a América bolivariana invocamos aos irmãos do continente para que se saiba que o mal sono do neoliberalismo chilensis foi, por fim, interrompido. A Argentina se sacode de sua triste tentativa de modernização neoliberal, e enquanto o Brasil conhece a esperança da libertação de Lula o Equador não recua ante o traidor Moreno, e na Colômbia os jovens se levantam. O breve momento da direita latino-americana parece extinguir-se. E que seja o Chile o signo do porvir continental independente e soberano.

(Tradução: Roberto Bueno)

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