China e a polêmica sobre as importações: diálogo sim, dumping não
Pequim rejeita as acusações de práticas ilegais e reivindica seu princípio de “cooperação de benefício mútuo”
A recente notícia do superávit comercial da China — que pela primeira vez superou 1 trilhão de dólares — abriu um triplo debate global sobre a dependência gerada por suas exportações, o risco de uma nova onda de tensões mundiais e as dúvidas sobre se Pequim compete com vantagens legítimas ou se aproveita de práticas desleais. Em vários países, essas questões se resumiram em um coro de denúncias sobre supostas práticas de dumping, que especialistas e porta-vozes chineses se apressaram em desmentir, com repercussão quase nula na mídia alinhada aos interesses de Washington.
“China e Argentina devem insistir no diálogo e na cooperação, defender firmemente o livre comércio e a concorrência justa, e resolver adequadamente as diferenças e fricções”, afirmou o especialista em assuntos chineses Lin Guorui, ao ser consultado sobre as suspeitas de dumping, no contexto de um crescimento das importações de produtos chineses na Argentina, estimado em 80% apenas no primeiro semestre de 2025.
Lin explicou que a dinâmica do comércio exterior chinês responde a vantagens comparativas e que sua produção — longe de causar distorções — contribui para a estabilidade das cadeias globais e promove processos de inovação tecnológica. “A participação da China no comércio mundial manteve-se em segundo lugar por 15 anos consecutivos, algo impossível se as acusações de dumping fossem verdadeiras”, acrescentou.
No caso argentino, como em outros países, defendeu que os bens industriais chineses influenciam as estruturas de custos, especialmente os insumos intermediários que barateiam processos produtivos e melhoram a competitividade dos setores manufatureiros. Nessa perspectiva, destacou a situação dos consumidores argentinos e afirmou que “a possibilidade de acessar produtos chineses de uso cotidiano, substancialmente mais baratos, tem contribuído para moderar a pressão inflacionária que os lares estão acostumados a suportar”.
Nesse sentido, não passou despercebido o crescimento de cerca de 240% das plataformas chinesas Temu e Shein na Argentina em 2025, nem o papel do comércio bilateral — com protagonismo significativo das importações — no fato de a China ser hoje o principal parceiro comercial do país.
O especialista chinês, profundo conhecedor das relações com a América Latina e o Caribe (ALC), também expressou confiança de que a Argentina aproveite as oportunidades oferecidas pela modernização chinesa, pela ampliação de uma abertura de alto nível e pela promoção do 15º Plano Quinquenal (2016-2020), “com o objetivo de expandir a cooperação em todas as áreas, especialmente em comércio e investimento, alcançando assim um desenvolvimento comum”.
Essa última referência ao conceito de “desenvolvimento comum” também foi destacada em um editorial do jornal estatal Global Times, que nesta semana convidou os leitores a “entender corretamente o superávit comercial da China”, rejeitando sua vinculação a qualquer “etiqueta falsa de dumping e excesso de capacidade”.
“Um superávit não equivale a ‘expulsar outros’; o superávit da China é resultado de uma cooperação mutuamente benéfica entre países. Não é algo de que apenas a China usufrui — também beneficia o mundo”, afirmou o Global Times ao citar relatórios da Administração Geral de Alfândegas da China referentes aos primeiros 11 meses de 2025. Os dados indicaram que o volume de importações e exportações de empresas com investimento estrangeiro representou 28,3% do comércio exterior chinês, enquanto o nível do comércio de processamento — fortemente vinculado à divisão global do trabalho e à cooperação — chegou a 18,8% do total.
“O debate em torno do superávit chinês”, concluiu o editorial, “é uma disputa de fatos e valores sobre a globalização econômica. Sempre que retornarmos às leis econômicas subjacentes, respeitarmos a vantagem comparativa e a lógica do mercado, e enfrentarmos coletivamente os desequilíbrios mediante a reforma e a melhoria da governança global, o atual superávit da China pode se tornar um importante motor para revitalizar a economia mundial e avançar rumo a um crescimento de maior qualidade”.
A declaração de um dos veículos que refletem a posição do governo chinês remeteu ao exemplo da indústria de veículos de novas energias (NEV, na sigla em inglês), que foi lembrado em meio às últimas polêmicas comerciais com a União Europeia (UE).
O caso surgiu após o alerta da Agência Internacional de Energia (AIE), vinculada à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE), sobre uma escassez global de 27 milhões de NEVs até 2030 — uma crise produtiva que permitiu à China oferecer uma solução graças à sua enorme capacidade industrial instalada.
“A retórica do chamado ‘excesso de capacidade produtiva da China’ reflete uma compreensão incompleta da relação entre oferta e demanda no mercado global, além de servir como pretexto para justificar medidas protecionistas. Algo semelhante ocorre com os subsídios industriais, uma política que segue os princípios de abertura e equidade dos países capitalistas e que cumpre as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC)”, afirmou Lin Guorui.
Da China, esses argumentos se sustentam no princípio de “cooperação de benefício mútuo” que caracteriza suas relações com o restante do mundo. Nesse espírito, o país reforçou sua mensagem nesta semana com a publicação do terceiro “Documento sobre a política da China para a América Latina e o Caribe”, que apresenta cinco programas para “construir em conjunto a comunidade de futuro compartilhado China-ALC”.
Enquanto o país asiático expõe sua visão, o desafio para algumas economias talvez seja adotar os cuidados necessários para evitar que, apesar das boas intenções, as importações chinesas deixem um rastro de terra arrasada. Mas, bem, essa já é uma outra história — e não exatamente chinesa.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

