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Fernando Capotondo

Jornalista argentino. Chefe de redação da revista Contraeditorial e diretor do site cultural Llibres

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China esquenta a agenda climática na COP30

Pequim reforça sua aliança ambiental com o Sul Global na COP30 e observa a cadeira que Trump deixou vazia

Ding Xuexiang e Lula (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Nos anos 1980, as preocupações da China estavam muito distantes daquilo que alguns chamavam de mudança climática, efeito estufa ou aquecimento global. Naquela época, o país asiático atravessava um processo de industrialização acelerado, no qual a poluição era um mal menor diante das urgências de crescimento econômico e de autossuficiência alimentar. “O desenvolvimento é a prioridade absoluta; se não resolvermos o problema da pobreza, falar de proteção ambiental não faz sentido”, teria dito Deng Xiaoping, o arquiteto do milagre chinês, em uma definição que, com o tempo, teria seu correlato ecológico: as emissões de dióxido de carbono das fábricas duplicaram em uma década, 80% das águas dos rios urbanos estavam contaminadas, a taxa de desmatamento foi uma das mais altas do mundo e, em algumas cidades industriais, os níveis de dióxido de enxofre e material particulado superaram em até 10 vezes os padrões internacionais.

Essa política chinesa de garantir pão e trabalho ao povo em detrimento do ar limpo pode ser mensurada hoje por uma comparação que vale mais do que mil cálculos e especulações: no início da década de 1980, Pequim destinava pouco mais de 350 milhões de dólares a seus programas contra a poluição ambiental, enquanto em 2022 o investimento total nesse rubro alcançou 901,4 bilhões de yuans (cerca de 128,64 bilhões de dólares). Quase 368 vezes mais.

Passaram-se mais de 40 anos entre ambos os orçamentos e, embora a República Popular da China ainda seja o maior emissor de dióxido de carbono do planeta e um dos maiores geradores de resíduos plásticos, também é o país que mais investe em energias limpas (890 bilhões de dólares, mais do que EUA e Europa somados), o que incorporou o conceito de “civilização ecológica” à reforma de sua Constituição de 2018 e o que estabeleceu a meta de construir uma sociedade resiliente ao clima até 2035 — isto é, para depois de amanhã em termos chineses.

Nesse contexto, o Ministério da Ecologia e Meio Ambiente da China (MEE) acaba de divulgar seu relatório anual com os avanços na luta contra a mudança climática, após Pequim ter fixado em 2020 o objetivo de atingir o pico de emissões de dióxido de carbono antes de 2030 e a neutralidade definitiva antes de 2060.

Segundo dados oficiais, a China acelerou a transição ecológica de seu modelo de desenvolvimento e foi um dos países com queda mais rápida no consumo de energia, a julgar pela redução acumulada de 26,4% entre 2012 e 2023, período em que manteve crescimento econômico médio superior a 6%.

No fim de 2021, havia estabelecido cerca de 10 mil reservas naturais, que representavam mais de 17% da superfície do país; ao mesmo tempo, contribuiu com cerca de 25% das novas áreas verdes adicionadas ao mundo desde 2000.

A proporção de corpos d’água superficiais de qualidade excelente alcançou 89,4% em 2023, enquanto a qualidade do ar melhorou rapidamente em 60% das cidades chinesas, atendendo aos padrões internacionais de qualidade.

“A adaptação à mudança climática tornou-se uma prioridade urgente em um mundo que experimenta aquecimento significativo, com fenômenos meteorológicos extremos e mudanças repentinas que vão de secas a inundações com maior frequência e intensidade”, reconheceu a diretora do Departamento de Mudança Climática do MEE, Xia Yingxian.

Para além de números e declarações protocolares, é impossível ignorar algumas contas que seguem pendentes sob a nova bandeira verde que tremula sob o retrato de Mao: o norte do país sofre severo estresse hídrico — com apenas 25% per capita da média mundial de água renovável —, o carvão ainda responde por cerca de 55% da matriz energética e a poluição do ar de muitas cidades supera os limites recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Com esses dados na mesa, o presidente Xi Jinping apresentou, em setembro, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) da China para 2035, ou seja, os planos de ação do país asiático como signatário do Acordo de Paris sobre mudança climática, que neste ano completa seu 10º aniversário. Segundo adiantou, a ideia é reduzir as emissões líquidas de gases de efeito estufa entre 7% e 10%; elevar para mais de 30% a participação de energias não fósseis no consumo energético; e sextuplicar a capacidade instalada de energia eólica e solar em relação a 2020, com a meta de alcançar 3.600 gigawatts.

Além disso, a China pretende ampliar para mais de 24 bilhões de metros cúbicos o volume de estoques florestais; tornar os veículos de nova energia a corrente principal das vendas de carros novos; e expandir o Mercado Nacional de Comércio de Emissões de Carbono para cobrir setores de altas emissões, conforme enumerou Xi em mensagem enviada à Cúpula do Clima das Nações Unidas (ONU), realizada em Nova York.

O pensamento de Xi sobre a civilização ecológica — “construir uma nação onde as águas límpidas e as montanhas verdes sejam tão valiosas quanto o ouro e a prata” — foi detalhado durante a 30ª Conferência das Partes (COP30) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, realizada na cidade brasileira de Belém, no coração da Amazônia, com a presença de cerca de meia centena de presidentes, chefes de governo e representantes de mais de 160 países, entre eles o vice-primeiro-ministro chinês Ding Xuexiang.

Durante a Cúpula de Líderes, na véspera da COP30, o enviado de Xi fez um apelo ao multilateralismo, alertou sobre a “nova encruzilhada” que a humanidade enfrenta e apresentou três propostas concretas para fortalecer a governança global: manter a transição verde e as baixas emissões de carbono, converter compromissos climáticos em ações concretas e aprofundar a cooperação e a abertura. “Os países desenvolvidos — afirmou Ding — devem liderar o cumprimento dessas obrigações e materializar seus compromissos de apoio financeiro e tecnológico às nações em desenvolvimento.”

Nesse contexto, a ausência dos Estados Unidos no evento não surpreendeu ninguém, levando em conta que se retiraram do Acordo de Paris e que o presidente Donald Trump costuma sustentar que a crise climática é uma “grande farsa”. “Fazem um favor ao mundo não vindo à COP30, porque Washington usaria toda a sua influência para dificultar as negociações e frear os avanços climáticos”, analisou o secretário-executivo do Observatório do Clima do Brasil, Marcio Astrini, em entrevista à agência Xinhua.

A esse respeito, o presidente chileno, Gabriel Boric, acusou Trump de “mentir quando diz que não existem evidências científicas sobre a mudança climática”, enquanto seu par francês, Emmanuel Macron, alertou que a desinformação ambiental “enfraquece o consenso social necessário para enfrentar o aquecimento global”.

Nessa linha, a doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Paraná, a brasileira Karin Kassmayer, lembrou que, embora “os EUA sejam um dos maiores emissores de gases poluentes e tenham importância na governança climática”, o vazio deixado por sua saída da COP “permite um maior protagonismo dos países do Sul Global e, também, da China”.

De fato, Washington deixou uma cadeira vaga e Pequim busca sentar-se nela com o aval do Sul Global. Com oportunismo, acaba de promulgar uma regulamentação sobre monitoramento ambiental que reforça seu declarado compromisso ecológico. É mais um sinal, embora todos saibam que o verdadeiro exame será comprovar se as novas bandeiras chinesas resistem ao calor do mundo que dizem querer resfriar.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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