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Tainá de Paula

Arquiteta e urbanista e ativista feminista. É Conselheira do Centro de Defesa e Direitos Humanos Fundação Bento Rubião e integra a Comissão para Equidade de Gênero do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro

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Cidades em fim de linha

O pacote neoliberal de Jair Bolsonaro é peça chave para o avanço de uma receita denunciada há muito tempo pelos ativistas das lutas urbanas: a financeirização das cidades e a ausência do debate sobre o lugar dos pobres tanto na sociedade quando nos territórios, devendo estes temas serem mais uma vez elementos de discussão em nossas bravatas cotidianas

Cidades em fim de linha
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Com a agenda conservadora de um presidenciável à espreita, é tempo de reflexão mais apurada sobre o futuro das cidades.

O pacote neoliberal de Jair Bolsonaro é peça chave para o avanço de uma receita denunciada há muito tempo pelos ativistas das lutas urbanas: a financeirização das cidades e a ausência do debate sobre o lugar dos pobres tanto na sociedade quando nos territórios, devendo estes temas serem mais uma vez elementos de discussão em nossas bravatas cotidianas.

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De fato, a estrutura demarcada pelo capital delimita duas cidades: uma com acesso aos serviços públicos e provida de estrutura urbana, com condições plenas de habitabilidade e outra, com altos índices de inadequação habitacional e urbana, impregnada de uma relação nociva do Estado e da sociedade com esses territórios, pautada na naturalização da pobreza, resultado dos anos de ausência de atuação do poder público.

Em período recente, tivemos um esforço no período democrático-petista de pautar as cidades e suas desigualdades. Instituir um programa habitacional nacional preocupado com a população de baixa renda, com a titulação de propriedade para as mulheres. O Minha Casa Minha Vida instituiu via de regra o acesso à cidade pela unidade habitacional.

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Também nessa perspectiva, grandes obras de urbanização, na contramão da crise internacional foram promovidas, na forma do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), pensando-se nos setores de logística/mobilidade, saneamento e cidades históricas. Ou seja: a imagem social naturalizada dos espaços de pobreza é aos poucos negada e o território até então destinado aos pobres passa a ter a cara da cidade institucional para os gestores públicos a partir de programas instituídos pelo Governo Federal.

A máxima" os lugares são para o que nascem" alinhada à inação do papel do Estado, vinham sendo revertidas e redefinidas, a partir de uma tentativa de reversão do quadro de desigualdades.

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É cada vez mais urgente vencermos a invisibilização dessas questões (e desses territórios) e é premente uma repactuação social, que nos permita avançar numa agenda comum de sociedade, que não naturalize as diferenças entre indivíduos e entre territórios habitados por determinados indivíduos.

Como garantir que favelas e periferias estejam categorizadas como cidade de fato? Dados do Instituto de Segurança Pública apontam que entre janeiro de 2016 e março de 2017, ao menos 1.227 pessoas foram mortas pela polícia no Estado do Rio de Janeiro por exemplo. A segurança sanitária e ambiental também são pontos a serem enfrentados por essa população. O Rio de Janeiro, é campeão nacional de casos registrados de tuberculose (11 vezes maior que a média do país [1]) por exemplo, e pouco ou quase nada está sendo feito para eliminar esses problemas.

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Em artigo recente, intitulado "A não-cidade do Rio de Janeiro" [2], abordo o apagamento que o Estado faz desses territórios e como é necessário a construção de uma agenda para o enfrentamento dos reflexos da pobreza nas cidades. Na contramão dessa discussão, a plataforma de Bolsonaro é construída, e em suas oitenta e uma páginas, a não citação das palavras "cidade" ou "urbano" assustam. Como um presidenciável pode passar ao largo das questões ambientais por exemplo? Como não tratar do déficit habitacional urbano dos grandes centros?

Mesmo quando margeia o tema pontuando dados (infundados) sobre a infraestrutura brasileira, o candidato não aborda concretamente proposta alguma, tampouco aquelas concernentes à resolver os problemas de transporte, mobilidade e logística do País. Precisaríamos alocar pelo menos 5% do PIB do País ao longo desses 13 anos para alcançarmos países do BRICS por exemplo e apesar disso Bolsonaro critica o investimento dos governos petistas, que não alcançou com o PAC, nem 2% do PIB nacional. Devemos avançar e não retroceder. A agenda prioritária é a de paralisia das cidades, onde a ingerência e não participação do Estado passam a ganhar status de "firmeza" de gestão.

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No texto "Urbanismo em Fim de Linha", Otília Arantes traz a dimensão da culturalização das cidades, onde as cidades do capital forjam uma imagem de pujança urbana, onde a inserção de equipamentos de cidade-espetáculo tiram a atenção dos verdadeiros problemas urbanos a serem enfrentados: a miséria, a espoliação, a fome, as doenças urbanas da pobreza, etc.

Nessa mesma perspectiva, Bolsonaro retira a atenção de seus eleitores para uma cidade dita segura a partir de armas individuais, a partir de um Exército sem prerrogativa de segurança aos civis. O presidenciável forja falsas soluções para falsos problemas e cria uma nova categoria urbana, as fake cities [3]. Qual de fato seria portanto, a agenda urbana bolsonariana?

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Em tempos de "nova" agenda urbana, onde ONU-HABITAT[4] coloca novos desafios e novas interseções para o desafio urbano, uma agenda colonialista e retrógrada redefiniria todo o acumulo no tema nos últimos anos no Brasil e nos conduziria à lanterna do pensamento urbano na América Latina. O País do Favela-Bairro deixaria de falar em favelas e em habitação de interesse social, quando o resto do mundo promove o resgate dos tratados assinados e a revalidação dos pactos ambientais[5].

Como os pensadores urbanos, os construtores urbanos se organizarão caso a ameaça fascista chegue a termo? Até quando permitiremos as não-cidades do Brasil e as fake cities? Em que medida denunciaremos o projeto de caça ao lugar dos pobres em curso?

As cidades em fim de linha precisarão sem dúvida responder com insurgência e insubmissão e reescrever de forma resistente a nova organização necessária, junto aos movimentos sociais, junto às periferias. Qual a agenda urbana que iremos encampar nos próximos anos?

Que a cidade democrática prevaleça.

[1] Leia mais: https://oglobo.globo.com/rio/prefeitura-quer-abrir-janelas-em-700-casas-na-rocinha-21891980#ixzz4vbTWkYeI

[2] http://diasporaurbana.com.br/2017/10/a-nao-cidade-do-rio-de-janeiro/#_ftn4

[3] Bolsonaro foi indiciado pelo TSE por criação de mensagens falsas disseminadas por redes sociais. Para maiores informações ver: https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,pgr-pede-inquerito-sobre-mensagens-em-redes-sociais-relacionadas-a-bolsonaro-e-haddad,70002555170

[4] Pelos próximos 20 anos, um documento irá guiar os esforços desenvolvidos por nações, líderes urbanos, financiadores internacionais, programas das Nações Unidas e sociedade civil em torno das transformações urbanas. A Nova Agenda Urbana (NAU), a declaração que resultou da Habitat III, Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável em Quito, pretende repensar a maneira como as cidades e aglomerados humanos são planejados, desenhados, financiados, desenvolvidos, governados e administrados.

[5]A agenda 21 e os objetivos de desenvolvimento sustentável são marcos da agenda ambiental contemporânea.

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