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Carlos Alberto Mattos

Crítico, curador e pesquisador de cinema. Publica também no blog carmattos

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Cinema: quando um serial killer vira "herói"

Livremente inspirado em fatos da crônica policial iraniana, "Holy Spider" expõe as várias instâncias de misoginia daquela sociedade

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O filme indicado pela Dinamarca para concorrer ao Oscar em 2023 se passa inteiramente num Irã filmado na Jordânia. Baseia-se livremente na história real de um serial killer conhecido como Holy Spider (Aranha Sagrada), que assassinou 16 trabalhadoras do sexo em Mashad, conhecida como "cidade dos mártires", entre 2000 e 2001. O thriller dirigido com mão firme por Ali Abbasi (autor do inquietante Border) se afasta consideravelmente dos fatos para construir um drama de suspense que permanece imprevisível até a última cena.

Não custa mais de 17 minutos para que sejamos logo apresentados ao criminoso, Saeed (Mehdi Bajestani), operário da construção civil, pai de família e homem religioso. Ao longo do filme, vamos perceber sua luta interior entre o desejo sexual e o ódio às mulheres que alugam seus corpos nas ruas. Ele as atrai a cantos escuros ou à sua própria casa e as estrangula com seus próprios véus. Depois se interessa vivamente por ver seus feitos estampados nos jornais do dia seguinte.

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Holy Spider se reveza entre Saeed e Rahimi (Zar Amir-Ebrahimi), jornalista enviada de Teerã para investigar o assunto. Rahimi é uma personagem ficcional em vários sentidos – por não existir no caso real e por assumir um papel de detetive que chega ao nível da implausibilidade. Ela é, porém, a ferramenta que Abbasi empunha para não só produzir expectativa, mas também para evidenciar as várias instâncias de misoginia da sociedade iraniana. Seja no hotel em que se hospeda, seja junto ao policial encarregado da investigação, ou mesmo frente ao assassino, Rahimi experimenta a discriminação vivida pelas mulheres no país, especialmente fora da capital.

As prostitutas, por sua vez, são apresentadas como simples vítimas. Drogadas, famintas e desprotegidas, contrastam com a heroína jornalista altiva, elegante e destemida. Eis o que trai no filme uma vocação mais comercial do que de fidelidade aos fatos. 

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Ainda assim, Holy Spider imanta a nossa atenção do princípio ao fim. Os atos criminosos de Saeed são exibidos com certa ênfase gráfica, o que torna ainda mais indigesta a sua consagração como herói pela população ultraconservadora, inclusive sua mulher e seu filho adolescente. Saeed está convicto de que serve a Deus quando procura "limpar" a cidade da decadência. Sua crença é uma forma de loucura, como são todos os fundamentalismos. O episódio se assemelha à onda de envenenamento de meninas nas escolas iranianas atualmente, que se suspeita promovida por radicais contrários à educação e ao empoderamento das mulheres. 

O último ato do filme, cheio de suspense, investe pesado na ficcionalização sobre a hipocrisia dos clérigos. E prevalece a máxima fatalista constante da epígrafe do filme, tirada do Sermão 149 do Ímã Ali ibn Abi Talib: "Todas as pessoas acabam encontrando aquilo de que fogem para evitar". 

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>> Holy Spider está na plataforma Mubi.

O trailer:

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https://www.youtube.com/watch?v=iPkE7VT8SOY

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