Cinema: Roupa suja no Natal
O talento de Vera Holtz brilha em “Tia Virgínia”, filme que exala simpatia e acidez para com as relações familiares quando elas se tornam nós em vez de laços
Numa casa entulhada de passado, a solteirona Virgínia cuida da mãe idosa e demente. É Natal, e ela espera a visita das duas irmãs, que chegam com seus respectivos filhos. Antes mesmo de chegarem, já havia sinais de que a convivência de Virgínia com Valquíria e Vanda não era das mais tranquilas. Essas duas se casaram, construíram vida própria, enquanto Virgínia tinha sido encarregada de ficar com a mãe na velha casa da família.
O segundo longa de Fabio Meira, seguindo-se ao lírico e grave Duas Irenes, é tanto melhor na medida em que se descola da base um tanto gasta dos parentes que lavam a roupa suja durante uma reunião familiar. As queixas, ressentimentos, acusações e picuinhas entre as irmãs colocam em risco a ceia de Natal e as intenções de afeto e harmonia próprias dessa época do ano.
O que faz o filme se descolar do lugar-comum é a personagem-título e sua intérprete. Virgínia é excêntrica e imprevisível. Um vulcão represado. Dissimula sua frustração ou no silêncio, ou em rompantes que desafinam o coro dos contentes das irmãs. Um presépio com luzes coloridas e um velho vestido florido tirado do armário são suas armas para enfrentar a situação.
Vera Holtz traz muito de sua persona para a caracterização de Virgínia. É interessante ver esse filme em relação com o documentário As Quatro Irmãs, de Evaldo Mocarzel, em que ela contracena com suas três irmãs de verdade. Vera transita entre a mais completa introspecção e o histrionismo rasgado sem qualquer ameaça à integridade da personagem. Um acesso exorbitante de riso ou um pastiche de dança de Virgínia, por si sós, nos fazem relevar o que o filme tem de déja vu.
Virgínia afirma já ter passado por uma experiência de atriz na peça A Casa de Bernarda Alba, de García Lorca, sobre cinco irmãs solitárias oprimidas por uma mãe tirânica. Essa citação vai justificar o grand finale ao som do Bolero de Ravel, em que o talento de Vera Holtz brilha de maneira especial. No festival sulino, o filme ganhou ainda os prêmios de melhor filme pelo júri da crítica; melhor roteiro para Fabio Meira; menção honrosa do júri para a atriz Vera Valdez; melhor direção de arte para Ana Mara Abreu; e melhor desenho de som para Ruben Valdés.
Arlete Salles, Louise Cardoso e o resto do compacto elenco também estão muito bem. A escrita e a direção de Fabio Meira privilegiam os diálogos fluentes e as atuações cheias de minúcias que definem as diferenças entre as personagens. Soa às vezes bastante teatral, especialmente nas várias cenas em que todos os parentes estão juntos dentro do quadro. É difícil escapar desse desenho quando se trata de filme confinado em interiores e baseado em interações orais. De resto, Tia Virgínia exala simpatia e acidez para com as relações familiares quando elas se tornam nós em vez de laços.
>> Tia Virgínia está nos cinemas.
O trailer:
https://www.youtube.com/watch?v=h57yNtCA4j8
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