Cinema: Sangue para o ditador

Pinochet é um vampiro às voltas com a ganância da família e a “ingratidão” do Chile em “O Conde”, fábula gótica de Pablo Larraín

(Foto: Divulgação)


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O Mal, assim como os vampiros e os ditadores, não tem idade. Ele se manifesta, se reencarna em diferentes épocas, lugares e feições. Sua capacidade de se disseminar é ampla, tal como acontece com as mordidas do Drácula. Os zumbis do nosso 8 de janeiro foram um exemplo desse contágio perigoso, tendo as redes sociais como sucedâneo das dentadas no pescoço.

O chileno Pablo Larraín ilustra essa hipótese da perpetuação do Mal com O Conde, conto fantástico em que Augusto Pinochet aparece eternizado como um vampiro cansado de viver já por 250 anos. Sua origem estaria na época da França revolucionária, fins do século XIX, quando nasce tanto seu apetite por sangue – o jovem “Pinoche” lambe a guilhotina que decepou a cabeça de Maria Antonieta –, como sua vocação para se opor a todas as revoluções. Desde então, vagando por décadas e países diferentes, ele teria chegado ao Chile para derrubar Allende e se instalar no poder.

A morte em 2006 teria sido apenas um disfarce. O vampiro continuaria a viver numa quinta distante, alimentando-se à base de vitaminas batidas com corações arrancados na hora ou congelados para consumo posterior. A imagem do general (Jaime Vadell) sobrevoando Santiago com sua capa sinistra é um dos trunfos estéticos de Larraín nesse filme quase inteiramente em preto e branco.

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Outros personagens se somam à chanchada terrorífica de El Conde. O mordomo russo Fyodor (Alfredo Castro) mantém uma relação de estrita fidelidade ao patrão. Uma freira exorcista (Paula Luchsinger) é enviada da França e cai na teia de sedução de Pinochet. A mulher e os quatro filhos do general tramam a morte do velho para dividir a herança, o que não é muito fácil quando se trata de um vampiro. Até Margaret Thatcher acaba dando as caras de maneira especialmente bizarra.

A estaca de Larraín é bastante pontiaguda. Pinochet, seus familiares e o agregado se orgulham de sua própria vilania. Corrupção, ganância, tortura, ódio e anticomunismo são a sua natureza, razão por que expõem abertamente os piores pensamentos. O patriarca se diz injustiçado pela História e cobra a inclusão do seu busto na galeria de ex-presidentes do Palácio de La Moneda. 

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Por mais ácida que seja, ou talvez pelo excesso de acidez, a fábula de O Conde acaba se tornando apenas óbvia e caricata. Larraín destila sua indignação contra o algoz de seu país, mas não consegue ser nem efetivamente engraçado, nem genuinamente assustador. O filme se impõe mais por sua concepção visual e sonora, que ora lembra o estilo de Béla Tarr, ora evoca o terror gótico britânico.

De qualquer maneira, temos ali uma parábola inquietante sobre a permanência de valores e imagens de poder para além de seu tempo. Onde quer que haja sangue alheio, sempre haverá os que dele se nutrem.    

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>> O Conde está na Netflix.

Trailer legendado em inglês:

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