Circuito causal entre finanças, política de juros e desindustrialização
Como a financeirização molda o desenvolvimento e aprofunda a dependência externa
Uma análise sistemicamente articulada incorpora os novos elementos do século XXI, diante da Era do Neoliberalismo. Quando se instala um governo social-desenvolvimentista (2003-2014 e 2023-2026), a economia brasileira usufrui de uma financeirização dinâmica interna, demanda externa chinesa, boom de commodities, aproveitamento da modernização agrícola via Embrapa e BNDES, e consequências da relação entre desnacionalização e desindustrialização.
A integração subordinada à globalização financeira vem desde os anos 1990, caracterizando a Era do Neoliberalismo. Houve: abertura comercial e financeira irrestrita, liberalização cambial e de capitais, juros reais elevados atraentes de capitais especulativos de curto prazo e dependência de fluxos financeiros externos. A consequência foi: valorização cambial cíclica, perda de competitividade industrial, crescimento das importações de produtos industriais e reprimarização da pauta exportadora.
Houve reversão estrutural da substituição de importações com desnacionalização crescente de setores industriais-chave: automotivo, químico, eletroeletrônico, máquinas e equipamentos. A pauta industrial tornou-se fortemente dependente de insumos, componentes e bens de capital importados. O maior efeito foi o reforço da dependência estrutural das cadeias produtivas globais. O Brasil se integrou na divisão internacional do trabalho como exportador de bens primários e importador de manufaturas de alto valor agregado.
A política monetária atuou pró-rentismo e incentivou a subordinação da indústria ao sistema financeiro com: taxas de juros persistentemente altas, valorização do real (carry trade), desestímulo ao investimento produtivo de acordo com o custo de oportunidade financeiro, priorização da “confiança dos investidores” e austeridade fiscal.
A ideologia dominante na mídia prega, diuturnamente, “reformas, privatizações, austeridade e abertura”. Conduz à consolidação do poder financeiro sobre o capital produtivo e à financeirização parasitária e desindustrialização.
Surgiram contratendências parciais: o papel das cadeias agroindustriais e do BNDES na Era do Boom das Commodities (anos 2000–2010). A Embrapa atuou como liderança em inovação agropecuária, aumento da produtividade e da fronteira agrícola. O BNDES/Moderfrota concedeu crédito subsidiado e propiciou a renovação tecnológica das máquinas e equipamentos agrícolas. O principal efeito foi a formação de um complexo agroexportador competitivo, gerador de superávit comercial e divisas externas.
No boom de commodities, foi crucial a demanda externa chinesa como sustentação macroeconômica. A entrada da China na OMC se deu em 2001. Dela veio o crescimento exponencial da demanda por minério, soja e petróleo, com consequente valorização das exportações brasileiras feitas principalmente pela Vale, Petrobras e o agronegócio.
O efeito macroeconômico foi duplo. Primeiro, a formação de grandes reservas internacionais como proteção contra crises cambiais (rompendo a vulnerabilidade dos anos 1980–1990). Segundo, a redução da dependência do endividamento externo.
Os analistas anti-financistas deveriam reconhecer a financeirização dinâmica (e não parasitária) doméstica. A expansão dos fundos de pensão e previdência complementar propiciou a canalização da poupança dos trabalhadores para investimentos de longo prazo em espécie de “capitalismo neocorporativo”, resultante no fortalecimento do crédito interno e do mercado de capitais nacional.
O resultado foi notável: ampliação do financiamento doméstico sem aumento da dívida externa e relativa autonomia financeira nacional no início do século XXI.
A estrutura resultante, em uma síntese sistêmica, tem os seguintes componentes:
- Complexo primário-exportador (agronegócio + mineração + petróleo) sustenta superávits e reservas.
- Indústria de transformação enfraquecida, dependente e desnacionalizada.
- Política macroeconômica orientada pela lógica rentista e de valorização cambial.
- Sistema financeiro nacional sofisticado, mas funcional à lógica global de valorização financeira.
O crédito ampliado, estatística estimada pelo Banco Central do Brasil desde janeiro de 2013, mostrava no início da série temporal um saldo de R$ 5,217 trilhões, equivalente a 107% do PIB, composto por 47% de empréstimos do sistema financeiro nacional, 37% por títulos de dívida pública e privada e 16% por dívida externa. Em dezembro de 2024, esses números passaram a ser, respectivamente, R$ 18,440 trilhões (156% do PIB), 36% de empréstimos, 46% de títulos e 18% de dívida externa, principalmente privada.
Para tanto, os Haveres Financeiros (M4), no início da série temporal, somavam R$ 3,877 trilhões (88% do PIB) e, no fim, R$ 13,440 trilhões (114% do PIB). Desconsideram os produtos do mercado de capitais e os haveres de não residentes.
Para se ter uma ideia mais precisa dessa “financeirização dinâmica”, em junho de 2025, o consolidado de distribuição de produtos do Private Banking (ricaços) atingiu, segundo a ANBIMA, R$ 2,421 trilhões. O consolidado de distribuição de produtos do Varejo (trabalhadores de baixa e alta renda) era além do dobro: R$ 5,521 trilhões. Esse estoque de riqueza financeira das Pessoas Físicas somava R$ 7,842 trilhões, ou 64% do PIB de R$ 12,25 trilhões.
O Private Banking possuía 6,5% do volume financeiro total em Fundos de Ações (Abertos, Exclusivos e ETF) e 22% em aplicações diretas em ações, somando 28,5%, ou R$ 690 bilhões, em renda variável. O Varejo possuía 1,5% do seu volume financeiro total aplicado em Fundos de Ações (Abertos e ETF) e 4,3% em aplicações diretas em ações, somando 5,8%, ou R$ 320 bilhões, nesse investimento de risco. Ambos os segmentos de Pessoas Físicas acumulavam R$ 1,01 trilhão em ações, portanto, apenas 13% da riqueza financeira total em renda variável.
Como diagnóstico, há uma causalidade circular e contraditória. A abertura neoliberal à globalização e a financeirização dinâmica provocaram, por um lado, a desindustrialização e desnacionalização da base produtiva. Por outro lado, o boom de commodities e a financeirização interna, via fundos de pensão e outros investidores institucionais, forneceram uma resiliência macroeconômica no primeiro ciclo de governos social-desenvolvimentistas.
Porém, essa resiliência reforçou o caráter primário-exportador e rentista (para o bem — e não para o mal parasitário) da economia, mantendo o Brasil em uma posição semiperiférica na divisão internacional do trabalho. Integra o grupo (BRIC) das grandes economias emergentes com o seu PIB por Paridade do Poder de Compra (PPC) entre os dez maiores do mundo.
O PIB per capita (PPC) do Brasil varia, dependendo da fonte, mas é geralmente posicionado entre o 8º e o 9º lugar entre os países com maior poder de compra. Segundo a Wikipedia, o PIB (PPC) total do Brasil é estimado em US$ 5,6 trilhões. Em 2024, o PIB nominal total foi de cerca de US$ 2,3 trilhões (8º maior) e o PIB nominal per capita aproximadamente US$ 20.685. Segundo o IBGE, em valores correntes (e moeda nacional), o PIB totalizou R$ 11,7 trilhões e o PIB per capita R$ 55.247,45.
O governo Lula III (2023-2026) terminará com os melhores indicadores macroeconômicos na comparação com todos os governos seguintes ao governo Lula I e II (2003-2010): em média anual, o mais elevado crescimento do PIB, a mais baixa taxa de desemprego, a menor taxa de inflação, maior taxa de investimento e maior superávit comercial. É pouco?!
Temos sempre de dimensionar o dito, consultar fontes estatísticas fidedignas e não dar crédito a — e muito menos espalhar — fake news nesse ano pré-eleitoral. A campanha negacionista dos terraplanistas já se iniciou.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

