Ciro Gomes: de Paris ao ninho tucano
Ciro não muda, continua o que sempre foi, um narcisista incorrigível
A personalidade política ciclotímica de Ciro Gomes, evidenciada por sua extensa trajetória de filiações partidárias, revela significativa instabilidade em suas convicções ideológicas. Sua sucessão de vínculos partidários constitui um caso emblemático no cenário político brasileiro contemporâneo.
Ciro iniciou sua carreira no Partido Democrático Social (PDS), sucessor da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido de orientação ultradireitista que deu sustentação ao regime militar (1982–1983). Posteriormente, filiou-se ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB) (1983–1990), migrando em seguida para o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) (1990–1997). Mais tarde, integrou o Partido Popular Socialista (PPS) (1997–2005), atual Cidadania, e, em sequência, no Partido Socialista Brasileiro (PSB) (2005–2013), dirigido desde 2011 por Gilberto Kassab. Em 2013, aderiu ao Partido Republicano da Ordem Social (PROS) (2013–2015), legenda incorporada em 2023 ao Partido Solidariedade, de Paulinho da Força, que apoiou o governo Bolsonaro em aproximadamente 80% das votações no Congresso Nacional.
Na etapa seguinte de sua trajetória política, Ciro Gomes filiou-se ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), no qual permaneceu entre 2015 e 2025. Mais recentemente, em 22 de outubro de 2025, anunciou sua adesão ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Durante o evento oficial de filiação, afirmou que em seu novo partido “não tem ladrão”, numa ironia mordaz ao Partido dos Trabalhadores. Tal declaração, contudo, revela certa incongruência, considerando o histórico de investigações e denúncias de corrupção envolvendo figuras associadas ao PSDB e a utilização indevida de recursos públicos por parte de alguns de seus integrantes.
Ironicamente, apesar de enaltecer a pureza de sua nova filiação ao PSDB, Ciro Gomes dividiu o palanque com figuras bastante controversas, como o deputado federal André Fernandes, do partido de extrema direita PL, a quem chamou de “jovem talento”, e o ex-deputado Capitão Wagner, do União Brasil. De acordo com informações divulgadas pela CNN, o presidente nacional do União Brasil, Antônio Rueda, correligionário de Wagner e também do senador e ex-juiz suspeito Sérgio Moro, é citado em inquérito da Polícia Federal que investiga as conexões empresariais e políticas do Primeiro Comando da Capital (PCC). Rueda é apontado como possível proprietário oculto de aeronaves executivas supostamente utilizadas a serviço da facção criminosa.
À propósito é importante destacar, que antes de ser anunciado o retorno de Ciro Gomes ao PSDB pelo presidente estadual do PSDB no Ceará, Ozires Pontes, Ciro chegou a cogitar sua migração para partidos da direita, como o União Brasil e Partido Progressistas do Arthur Lira e Ciro Nogueira, figuras políticas de orientação política reacionária e excessivamente questionável.
Segundo os políticos do PSDB, Ciro Gomes poderá ser lançado a governador do Ceará em 2026, contra a candidatura à reeleição do atual governador Elmano de Freitas (PT) cuja a aprovação é de 56%, além de contar com o apoio e habilidade política do ministro da Educação, Camilo Santana. Entretanto, diante dos vários meses que antecedem a corrida eleitoral, o plano estadual poderá ser abandonado em favor do nacional, como candidato à presidência do país.
Todavia, diante das dificuldades enfrentadas pela direita em torno de suas atuais candidaturas, inclusive a do favorito, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que tem perdido fôlego devido aos seus movimentos erráticos entre a direita e a extrema direita, Ciro surge como uma possível alternativa desse campo político para tentar enfraquecer a reeleição de Lula. Segundo a testagem em cenário de 2º turno, realizada pela pesquisa da Genial Quaest divulgada no dia 18/10 sobre a disputa presidencial de 2026, Ciro Gomes aparece com sete pontos atrás de Lula, com 33% das intenções de voto contra 40% do atual presidente. Não dá para desprezar esse dado.
Por outro lado, a vitrine de uma campanha em nível nacional é uma possibilidade de voltar à cena. Além de Ciro ser uma pedra no sapato dos demais candidatos por seu estilo ferino e acusativo, ele tem um discurso propositivo e com razoabilidade. Contudo, seu lado belicoso e ressentido deprecia sua trajetória. Como referiu o cientista social Claudio Couto: “A mágoa e o ressentimento são péssimos guias para a ação política, pois turvam a percepção e dificultam a formulação de estratégias eficazes. Por sua própria natureza, tais afetos tendem mais a estimular uma atuação destrutiva do que possibilitar uma empreitada bem-sucedida de conquista ou manutenção do poder, condições mais do que necessárias, indispensáveis, para a implementação de qualquer projeto político” (cartacapital.com.br/blogs/fora-da-política/ciro-gomes-o-candidato-de-papel).
Ciro Gomes, por muitos anos, atraiu eleitores alinhados à centro-esquerda, mas com uma inclinação mais centrista, que criticam as políticas públicas e os programas sociais dos governos petistas, considerados por seus apoiadores como excessivamente assistencialistas. Essa percepção, no entanto, não reflete a realidade, uma vez que os resultados têm assumido características estruturantes na diminuição da desigualdade social, uma vez que definem diretrizes de longo prazo, estabelecem prioridades estratégicas com a finalidade de modificar a realidade socioeconômica de modo duradouro, e não apenas de mitigar carências momentâneas.
A instabilidade de Ciro por seu modo intempestivo, egocêntrico e impositor demonstra sua inabilidade conciliatória e articuladora e tem desgastado sua trajetória política. Ainda que ele tente se alinhar a uma perspectiva socializante, suas raízes políticas sempre permaneceram na direita, com algumas pinceladas de viés populista, como se denota nas suas falas, como do dia da posse no PSDB ao pronunciar frases de efeito nesse sentido em que: “morre pelo Brasil, mas mata pelo Ceará”.
É inegável sua inteligência discursiva com destaco acima, no entanto, sua personalidade autocentrada ao extremo, beirando ao narcisismo exacerbado, exterioriza-se de modo agressivo e com ímpeto acusatório, em grande medida, sem provas, sobre seus adversários, comportamento que descredibiliza sua trajetória no meio político. Ciro tem sido alvo contumaz de processos por calúnia e difamação, também sofreu acusações de violência política de gênero e envolvimento em investigações de corrupção envolvendo o estádio Castelão. Suas propostas são boas, entretanto a lucidez esboçada no papel não se manifesta em suas interrelações políticas. Obteve posições de destaque na política, tendo sua ascensão inicial ao aproximar-se de Tasso Jereissati na época governador do Ceará (1987–1991), tanto que em 1988, elegeu-se prefeito de Fortaleza, e em 1990 foi eleito governador do Ceará. Suas gestões nesses dois cargos foram bem avaliadas, projetando-o no plano nacional ao ocupar cargo de ministro da Fazenda no governo Itamar Franco e após ministro da Integração Nacional no governo Lula. Esses voos, o levaram a querer mais, como arriscar-se à várias candidaturas à presidência da República, com um acúmulo sucessivos de derrotas.
Na eleição de 2022, o posicionamento de Ciro Gomes, situado ao centro e, por vezes, inclinado à direita, evidenciou uma tentativa de ampliar sua base eleitoral. Todavia, sua estratégia de campanha marcada por ataques depreciativos ao presidente Lula e críticas a Jair Bolsonaro fez ele perder votos, tanto da esquerda, quanto da extrema direita e da direita. O resultado foi uma votação inexpressiva, revelando o fracasso de sua retórica agressiva. Mesmo diante de um cenário polarizado, em que o pleito se configurava como uma escolha entre um projeto de reconstrução democrática e civilizatória, representado por Lula, e a continuidade da barbárie institucional sob Bolsonaro, a postura belicosa de Ciro acabou por minar suas chances eleitorais.
Diante dessa derrocada política de Ciro evidenciada nas últimas eleições, os ataques pesados e contínuos que desfere contra o campo progressista e à própria direita e extrema direita, e o seu gradual isolamento político em ambos campos, ainda que seu retorno ao PSDB, legenda da centro direita, esteja sendo festejado, será difícil a aquiescência do eleitorado de um polo ou de outro.
Ciro não muda, continua o que sempre foi, um narcisista incorrigível. Ao dizer que “o tempo da libertação se aproxima” na quarta-feira passada ao assumir seu assento no PSDB, sem referir que irá concorrer ao governo de Ceará, deixa no ar sua provocação ao Presidente Lula. Portanto, essa nova filiação simboliza menos uma renovação de propósito e mais a continuidade de um percurso errático, em que a ambição pessoal se sobrepõe à construção de alianças sólidas e à maturidade política necessária para dialogar com a complexidade do cenário nacional e, talvez até no plano estadual. Ciro, sendo Ciro!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




