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Manuel Domingos Neto

Historiador, professor, pesquisador na área das Forças Armadas. Foi deputado federal pelo Piauí

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Civilizado, desculpe incomodar

Colunista Manuel Domingos Neto afirma que "o civilizado diz repugnar a guerra, mas cultiva suas motivações", como "concentração de poder" e "discriminações"

(Foto: Irina Rybakova/Serviço de Imprensa das Forças terrestres ucranianas/via Reuters)
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“Sou contra a guerra; detesto derramamento de sangue; o diálogo é a única alternativa; guerra é barbárie...”. Escuto essas frases com frequência.

Mas, além dos psicopatas, quem é favor de matanças, deus do céu?

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Depois de um amigo expor longamente seu elevado pacifismo, perguntei-lhe se deixara de cantar o hino nacional, uma canção guerreira. Não fiquei para testemunhar seu embaraço.

O fato é que o despreparo e a hipocrisia dominam quando os confrontos armados entram em pauta.

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O guerreiro, tendo ou não a dimensão de seu papel, interfere direta e indiretamente, de forma explícita ou encoberta, nas relações sociais, na economia e na cultura. Atua na modelagem de instituições, na configuração e na dinâmica do poder político. Decide a delimitação de territórios e, em boa dose, responde pelo desenho do cenário global.

Ao longo da história, o guerreiro formulou proposições importantes para a sociedade, nem sempre se dando conta disso; engajou-se na construção de sua comunidade antes do surgimento do Estado nacional; antecedeu e alimentou a ficção literária produzida para a exaltação das nacionalidades; garantiu grandes fortunas na indústria do entretenimento.

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Os sentidos atribuídos à guerra pela literatura permitem uma ideia de sua relevância: mecanismo de seleção da espécie, forma de compatibilizar meios de sobrevivência com o crescimento populacional, processo de aniquilamento-fusão-afirmação de etnias, culturas e línguas, fonte alimentadora da ciência e da tecnologia, momento de ruptura de ordenamentos socioeconômicos e de formação de valores.

Exprimindo disputas por mercados, vontades dominadoras ou projetos libertários, o guerreiro efetiva mudanças sociais e desenha incessantemente o mapa político. A civilização, compreendida como a imposição a todos de padrões, leis, regras e valores, é impensável sem o guerreiro.

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Analisando o século XV, Paul Kennedy observou: nada indicava que a Europa dominaria o mundo e que isso decorreria de mudanças propiciadas pelas contendas entre os poderes estabelecidos nesta parte do globo. Enquanto os impérios orientais centralizados impunham a unidade de crenças e práticas (inibindo a renovação das atividades comerciais e militares), a Europa tensionada por disputas entre reinos e cidades-estados, buscava pressurosa o domínio de tecnologias que ampliassem a força bruta. Assim, os meios de transporte e os armamentos progrediram rapidamente capacitando os europeus à hegemonia mundial.

Entretanto, a guerra e os homens que se preparam para matar e morrer em nome de quem exerce ou quer exercer o poder são menosprezados pelo pensamento moderno. Nestes assuntos, Clausewitz, morto em 1831, persiste como referência maior. Os pensadores foram afetados pela guerra, mas evitaram o seu estudo aprofundado. Não se habilitaram para levar em conta o peso dos conflitos sangrentos no processo social. Tornou pobre e insatisfatória a abordagem das pulsões coletivas avassaladoras, dos atores decisivos e de entidades estruturantes.

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A guerra intriga: protagonizada por alguns, envolve a todos; corriqueira, é sempre espetacular; despertando repugnância, fascina e glorifica; justificada em nome de princípios elevados, suspende qualquer regra.

Aos encarregados das iniciativas demandadas pela guerra, cabem atribuições difusas, não formalizadas nem facilmente reconhecíveis. Se é fácil identificar o guerreiro, é difícil distinguir a atividade civil da atividade militar. Certos apresentadores de telejornais, por exemplo, atuam como extensão de cadeias de comandos operacionais. São protagonistas de grandes chacinas cinicamente maquiados.

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Na guerra, instintos, impulsos e tendências reprimidas se manifestam de forma absoluta. O confronto de vida e morte é a maneira mais eficaz de separação dos humanos; radicaliza as diferenças entre as coletividades. Por consequência, estreita as relações individuais no seio de comunidades. Na expectativa do combate e, sobretudo, no próprio combate, indivíduos anulam diferenças e unem vontades: quando todos correm risco, a individualidade cede ao espírito coletivo.

O resultado da guerra não se manifesta apenas nas condições imediatas das sociedades, constitui patrimônio simbólico da maior valia, alimenta tradições norteadoras do convívio social e legitimadoras do exercício do poder, fundamenta esperanças acerca do futuro.

O fato de a guerra ser menosprezada como objeto de estudo indica a fragilidade da consciência do civilizado. Vista de perto, a guerra abala a sua presunção de superioridade. No conflito de vida e morte, o moderno reage como o “selvagem”.

O civilizado diz repugnar a guerra, mas cultiva suas motivações: a concentração de riqueza e poder; as múltiplas discriminações explosivas entre culturas, etnias, gêneros e crenças religiosas. Em essência, é um hipócrita.

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