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Colosso de palha: Polícia, ordem e direitos humanos

No debate público brasileiro, a direita derrota diariamente um adversário feito de palha: o defensor de direitos humanos que é "contra a polícia". A incineração deste adversário de palha serve de degrau para a ascensão de figuras controversas na política brasileira, que hoje ocupam espaços nobres na administração de Michel Temer

Vitória (ES) - Clima de tensão durante protesto de moradores em frente ao Comando Geral da Polícia Militar do Espírito Santo em Maruípe. Militares do Exército fazem a segurança da região (Tânia Rêgo/Agência Brasil) (Foto: Leonardo Soares Nader)
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No debate público brasileiro, a direita derrota diariamente um adversário feito de palha: o defensor de direitos humanos que é "contra a polícia". Nessa ficção alternativa, os "dos direitos humanos" se preocupam em isentar de punição os criminosos, a quem consideram "vítimas da sociedade", e a desqualificar o trabalho da polícia. Essa caricatura é hoje mais difundida do que o real trabalho técnico, profissional e militante feito por defensores de direitos humanos no país.

A incineração deste adversário de palha serve de degrau para a ascensão de figuras controversas na política brasileira, que hoje ocupam espaços nobres na administração de Michel Temer. As bancadas da bíblia, da bala e do boi se alimentam das chamas desse fogo-de-palha.

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Uma vez no poder, o discurso lisonjeador para com os policiais é revertido, a sorte deles lançada aos ares como a do resto do povo brasileiro. Os movimentos sociais conhecem, melhor do que ninguém, o que é ir à luta por direitos previdenciários, por aumento salarial. Conhecem também a resposta-padrão da direita para com esse tipo de manifestação. Os policiais são frequentemente instrumentos dessa resposta.

Se há algo de positivo no caos resultante da paralisação policial que arrisca a se espalhar por vários estados da federação, é a oportunidade de fazer a discussão da política de segurança com as devidas complexidades e nuances. Excelente oportunidade para falar de direitos humanos de verdade, fora da sombra do colosso de palha.

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Há uma conexão intrínseca entre policiamento e direitos humanos. A polícia, enquanto braço forte do sistema de justiça, incorpora a parte mais imediata do "dever de proteção" do Estado. Em tratados internacionais de direitos humanos, esse dever de proteção obriga o Estado a tomar medidas para que os direitos sejam de fato protegidos. Sem isso, os direitos não saem do papel.

Consequentemente, todo defensor de direitos humanos sério deve almejar ter a polícia como uma instituição parceira, e os policiais enquanto colegas de trabalho. Quem já trabalhou com direitos humanos em um contexto de transição pós-conflito pode confirmar a centralidade da instituição policial na manutenção da paz e na proteção de direitos. Onde a polícia evapora, os saques, violência sexual e perseguição de minorias se tornam endêmicos. Nesses contextos, o trabalho de organizações de direitos humanos passa pelo apoio ao restabelecimento do Estado, inclusive através da reconstrução de uma força policial profissional, democrática e responsável. Quanto melhor for a polícia em cada uma dessas qualidades, melhor será o exercício dos direitos pela população. O monitoramento desse progresso é o papel precípuo das organizações de direitos humanos.

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Mesmo que as forças policiais brasileiras não corram o risco de um colapso generalizado, para fortalece-las é necessário apontar suas mazelas. Algumas questões são mensuráveis: uma das piores taxas de letalidade do planeta, agregada a um número inaceitável de policiais tombando em serviço. Juventude, negritude e pobreza são fatores de inegável impacto negativo na forma com que o cidadão é tratado pela polícia. Os policiais, também, pleiteiam o devido reconhecimento de seus direitos em forma de remuneração, seguridade social e condições de trabalho.

Outros problemas são mais elusivos – passam pela subcultura policial, transmitida pelo corporativismo e incentivada por demagogos dentro das corporações. Existem párocos da truculência, pregando esse evangelho aos recrutas desde o início da carreira policial. Esforços de incluir questões de direitos humanos no concurso e no treinamento da carreira não riscam nem a superfície dessa herança. O resultado é nosso histórico de esquadrões da morte, milícias, operações bélicas e manifestações suprimidas. Sintomas de um fraco sistema de responsabilização.

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Em um novo contexto de inclusão das pessoas com deficiência, e da cidadania plena para gays, lésbicas, bissexuais, pessoas trans e travestis, as instituições estão preparadas para modificar seus procedimentos? Estão abertas para discutir a dinâmica de raça e gênero dentro de suas estruturas de comando? Se os direitos e a cidadania não estiverem no cerne da cultura policial, e de fato reforçados pelo comando, pelas academias e pela corregedoria, qual é a chance de ter uma força realmente profissional e cidadã em nossa sociedade?

É talvez nesse contexto histórico que se fala na desmilitarização das polícias. Não é que uma polícia gendarme seja necessariamente mais truculenta que uma com tradições civis – basta ver os exemplos gendarmes na Europa. No caso do Brasil, a sociedade tem direito de debater qual polícia quer. Afinal, a herança histórica de uma ditadura militar tem seu peso. Além disso, a questão da militarização tem nexo óbvio com o aquartelamento e a manifestação por parentes observada em todo o país, sendo o rígido modelo militar prejudicial a um diálogo mais direto e franco com os trabalhadores da classe.

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Ao de fato paralisar as atividades para pleitear melhores condições, os policiais se valem de vantagens impostas por seu número, seu potencial de exploração política, e seu papel imprescindível na manutenção da ordem. Ultrapassam, assim, a linha tênue entre a reivindicação, a negligência e a ilegalidade. Soluções negociadas são sempre preferíveis, mas espera-se o mais estrito controle de legalidade das ações dos policiais, considerando tratar-se de um grupo confiado pela sociedade com o exercício da força legítima. Com risco à vidas e propriedade em grande escala, é razoável a responsabilização dos policiais participantes da paralização ilegal. Mas a responsabilização não para por aí: é na conta do Estado, através de suas falhas sistêmicas, que recaí a verdadeira culpa pelo problema.

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