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Tarso Genro

Advogado, político filiado ao Partido dos Trabalhadores, foi governador do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil

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Com olhos em Gaza

'A política de legitimação dos dois Estados é o programa máximo e mínimo, na conjuntura, para tentar um período de paz', afirma o colunista Tarso Genro

Um homem palestino carrega uma menina ferida no local dos ataques israelenses, em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza (Foto: REUTERS/Yasser Qudih)
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Publicado originalmente no site A Terra é Redonda

Tenho lido dezenas de artigos e acompanhado com interesse político, moral e histórico, os debates e informações sobre Gaza: com olhos em Gaza. Não vou entrar neste texto no debate de fundo, porque não é um “debate de fundo” sobre o tema que pode nos levar a uma situação de cessar fogo, ajuda humanitária, fim dos assassinatos de crianças inocentes e ao desaparecimento de famílias inteiras, em Gaza, sob os bombardeios de Benjamin Netanyahu.

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Falo diretamente no Primeiro Ministro porque ele representa, não o que é o Estado de Israel, mas o que foi, por exemplo, Jair Bolsonaro aqui no Brasil, Augusto Pinochet no Chile e poderá ser Javier Milei na Argentina. Benjamin Netanyahu tem na sua coalizão de Governo o grupo apontado pelo assassinato de Isaac Rabin, em 4 de novembro de 1955, data que marca uma brutal virada da política israelense em relação à disputa sobre os territórios ocupados.

A luta pela retomada das negociações e a cessação do fogo contra Gaza – como novo momento provisório de um drama histórico que não tem solução no curto prazo ou mesmo no médio prazo – é dever moral da esquerda, para cessar a matança, neutralizar as ações terroristas do Hamas, prestigiar a Autoridade Palestina, ajudar o povo de Israel a substituir o seu governo fascista, que procura transformar o Estado de Israel num Estado de defesa total, a partir de um estatuto colonial imperial, que flui do Estado norte-americano como polícia do mundo. A política de legitimação dos dois Estados é o programa máximo e mínimo, na conjuntura, para tentar um novo período de paz na região.

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Sem olhos em Gaza é o título de um romance de Aldous Huxley, publicado pela primeira vez em 1936. O título do livro se origina de uma frase de John Milton, no seu poema “Sansão antagonista“, em que o poeta narra um evento bíblico no qual Sansão – aprisionado pelos filisteus e com seus olhos queimados – é levado para Gaza onde é submetido à escravidão, para trabalhar na moagem de grãos num moinho local. “A mente é seu próprio lugar” – dizia Milton – “e em si mesma pode fazer um céu do inferno, um Inferno do céu”, pensamento que pode ter sido de Sansão, já cego em Gaza, quando arquitetou sua vingança contra os filisteus.

Sansão – cego e escravizado – tem sua força animal utilizada para prover alimentos aos novos donos do seu corpo. Beavis é o personagem central do romance de Huxley que busca, pela sua desilusão gradual com a alta sociedade que lhe ofereceu fartos privilégios, um sentido para a vida, reflexões que ele fez chocado pelo suicídio de um amigo especial, cujas respostas ele pensava encontrar na descoberta do pacifismo e do misticismo.

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O pobre Beavis e a pobre Gaza têm, hoje, seus olhos soterrados por toneladas de cimento e os olhos e alvéolos do seu povo estão ressequidos pela poeira mortal das bombas de fósforo incandescentes. Esse é o mundo real de Gaza, que a desilusão de Beavis não conseguiu consertar e que as metáforas de Huxley trazem para um cotidiano de guerra e de morte.

Avaliação dos “riscos” de uma Guerra no atual período de comunhão informativa manipulada, sobre todos os temas que dizem respeito às reações do mercado, desenvolveu cálculos probabilísticos mais aproximados do que “pode acontecer”, para os mais ricos e para os “mais pobres”, quando a guerra explode. Por que? – porque a civilização “dos mercados – leia-se do mercado financeiro global – para a acumulação do dinheiro ficto, sem trabalho material imediato, dispõe de meios e técnicas para prever o futuro próximo, de forma mais precisa do que nas guerras da sociedade industrial: basta decretar uma guerra para valorizar imediatamente as ações das fábricas de armas e da reinvenção permanente das tecnologias para a morte! Esta previsão não tem erro e ela move o mundo financeiro, o tráfico de armas, as empresas de mercenários, as ações do petróleo e os financiamentos dos bancos.

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Nas Guerras clássicas do século passado se somavam uma série de fatores muitas vezes incontroláveis e imprevisíveis, como o volume das perdas humanas com o deslocamento mais lento de tropas em função do terreno e do clima (substituídos hoje pelo drones como vanguardas táticas de assalto), com danos materiais e humanos imensos.

As fronteiras eram vazadas – lentamente – por átomos, não por “bits”; a comunicação analógica era lenta e vulnerável, entre os comandos e tropas, e o deslocamento espacial nos ares eram mais lentos e de precisão menor, comparativamente ao que ocorre nos dias de hoje; os tempos curtos dos ciclos históricos rápidos já naturalizaram a Guerra da Ucrânia e estão mandando-a para os arquivos, onde ela descansará por algum tempo, como um bronze reservado para ser fundido num outro conflito, para uso geopolítico das grandes potências militares.

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As barbáries das guerras, naquele período anterior, eram mais “espontâneas” e marginais ao planejamento tático dos Estados maiores, mas nos combates das guerras atuais elas são mais imediatas, planejadas, insensíveis e brutais, protegidas inclusive pelas notícias manipulatórias dos meios de comunicação tradicionais. As guerras atuais interferem diretamente no cálculo imediato das grandes potências, industriais e tecnológicas, que tem seu “keynesianismo” militar sempre disponível para – a partir do Estado – fazer suas encomendas ao setor privado para dinamizar sua economia armamentista pela Guerra.

Lembremo-nos dos “bombardeiros limpos” da Guerra do Golfo e da “caverna das armas químicas e biológicas”, na Guerra do Iraque. É tudo isso que estimula os bombardeios genocidas de Gaza, decididos pelo governo de Israel – não pelo povo de Israel; e que estimula igualmente o terrorrismo do Hamas, contra a população civil israelita, decidida pelos seus líderes acomodados fora de Gaza – não pelo povo Palestino.

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Sinceramente não sei se isso é possível, dada a radicalidade do conflito e a mortandade em curso, mas sei que se esta não for a saída, as mortandades em Gaza serão apenas um tênue momento de uma guerra sem fim no Século XXI, no qual a hidra do fascismo levantará sua cabeça mais medonha para marcar este século como um novo século das trevas. E o modelo do sistema do capital financeiro global, que controla o mundo – o Sansão com muitos sonhos e sem olhos – encontrará na indústria de armamentos e tecnologias de guerra seu momento de repouso mais paradisíaco. Para o enriquecimento dos mais ricos e a “solução final” para os mais pobres.

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