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Pepe Escobar

Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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Como a Eurásia será interconectada

O jornalista Pepe Escobar conta como a Eurásia será interconectada à medida em que as Novas Rotas da Seda desenvolvem redes ferroviárias de alta velocidade

Trem do corredor ferroviário Chongqing-Duisburg
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Por Pepe Escobar, para o Asia Times

Tradução de Patricia Zimbres, para o 247

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A extraordinária confluência entre a assinatura do acordo sobre a parceria estratégica Irã-China e a saga do Ever Given no Canal de Suez fatalmente irá  dar um novo impulso à Iniciativa Cinturão e Rota (ICR) e a todos os corredores interconectados da integração eurasiana.

Essa parceria é o desdobramento geoeconômico de maior importância ocorrido no Sudoeste Asiático nos últimos tempos - ainda mais importante que o apoio geopolítico e militar a Damasco prestado pela Rússia, que vem ocorrendo desde 2015.

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Múltiplos corredores ferroviários  cruzando a Eurásia, incluindo trens de carga terrestres lotados de mercadorias - a mais icônica delas talvez sendo a Chongqing-Duisburg - são a principal base de apoio da ICR. Em poucos anos,  todos esses corredores ferroviários serão de alta-velocidade.

O principal corredor terrestre é o Xinjiang-Cazaquistão - seguindo então para a Rússia e mais além; o outro atravessa a Ásia Central e o Irã, seguindo até a Turquia, os Bálcãs e o Leste Europeu. Pode levar tempo para que esses corredores terrestres consigam competir, em termos de volume, com as rotas marítimas, mas a substancial redução do tempo de transporte já vem incentivando um aumento maciço dos carregamentos.

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A conexão estratégica Irã-China fatalmente irá acelerar todos os corredores interconectados levando até o Sudoeste Asiático e cruzando a região em todos os sentidos.

E o mais importante é que os muitos corredores de conectividade comercial são diretamente ligados à criação de rotas alternativas para o transporte de petróleo e gás, evitando aquelas controladas ou "supervisionadas" pelo Hegêmona desde 1945: Suez, Malaca, Ormuz, Bab-al-Mandeb.

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Conversas informais entre comerciantes do Golfo Pérsico revelaram forte ceticismo quanto à principal razão da saga do Ever Given. Pilotos de marinha mercante concordam que os ventos de uma tempestade do deserto não seriam capazes de afetar um mega-container estado-da-arte equipado com complexíssimos sistemas de navegação. O cenário de erro do piloto - quer induzido ou não - vem sendo seriamente levado em conta.

O assunto predominante entre gente do ramo: o Ever Given que encalhou era de propriedade japonesa, arrendado em Taiwan, segurado no Reino Unido, tripulado exclusivamente por indianos e transportava mercadorias chinesas para a Europa. Não é de admirar que os cínicos, ao examinarem o episódio, se perguntem Cui Bono?

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Os comerciantes do Golfo Pérsico, comentando à boca pequena, insinuam também que há um projeto para que Haifa venha futuramente a se tornar o maior porto da região, em estreita cooperação com os Emirados, usando uma ferrovia a ser construída entre Jabal Ali, em Dubai, e Haifa, dispensando o Suez.

Voltando aos fatos concretos, o mais interessante desdobramento de curto prazo é que o petróleo e o gás do Irã poderão ser transportados para Xinjiang através do Mar Cáspio e do Cazaquistão - usando um gasoduto transcáspio ainda a ser construído.

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O que se encaixa perfeitamente no território ICR clássico. Na verdade, é ainda mais que isso, porque o Cazaquistão é parceiro não apenas da ICR mas também da União Econômica Eurasiana (UEEA) liderada pela Rússia.   

Do ponto de vista de Pequim, o Irã é também absolutamente essencial para o desenvolvimento de um corredor terrestre indo do Golfo Pérsico ao Mar Negro, e continuando até a Europa pelo Danúbio.

Obviamente, não é por acidente que o Hegêmona esteja em alerta máximo em todos os pontos desse corredor de comércio. Sanções de "pressão máxima" e guerra híbrida contra o Irã; uma tentativa de manipular a guerra Armênia-Azerbaijão; o ambiente de pós revolução colorida tanto na Geórgia quanto na Ucrânia - que fazem fronteira com o Mar Negro; a sombra da OTAN se espalhando sobre os Bálcãs: é tudo parte de uma conspiração.   

Agora, me arranja aí uns lápis-lazúli 

Um outro capítulo fascinante do Irã-China diz respeito ao Afeganistão. Segundo fontes de Teerã, parte do acordo estratégico trata da área de influência do Irã no Afeganistão e da evolução de mais um corredor de conectividade chegando até Xinjiang.   

E aqui voltamos ao sempre intrigante corredor do Lápis-Lazúli – conceito formulado em 2012 visando, inicialmente, uma maior conectividade entre o Afeganistão, o Turcomenistão, o Azerbaijão, a Geórgia e a Turquia.

O maravilhosamente evocativo nome de Lápis-Lazúli remete à exportação de diversas pedras semipreciosas pelas Antigas Rotas da Seda para o Cáucaso, Rússia, Bálcãs e África do Norte.

Hoje, o governo afegão vê essa ambiciosa remixagem século XXI como partindo de Herat (uma área importante de influência persa), continuando até o porto do Mar Cáspio de Turkmenbashi, no Turcomenistão, por um oleoduto transcaspiano até Baku, continuando até Tblisi e os portos geórgios de Poti e Batumi, no Mar Negro, conectando-se finalmente a Kars e Istambul.

Essa é uma iniciativa realmente séria, com o potencial de ligar o Leste do Mediterrâneo ao Oceano Índico.

Rússia, Irã, Azerbaijão, Cazaquistão e Turcomenistão assinaram a Convenção sobre a Situação Legal do Mar Cáspio, em 2018, no porto cazaque de Aktau, e o interessante é que suas grandes questões vêm agora sendo discutidas na Organização de Cooperação de Xangai (OCX), da qual Rússia e Cazaquistão são membros plenos, o Irã brevemente o será, o Azerbaijão é um parceiro de diálogo e o Turcomenistão, um convidado permanente. 

Um dos grandes problemas de conectividade a serem tratados é a viabilidade da construção de um canal ligando o Mar Cáspio à costa do Irã no Golfo Pérsico. Esse projeto custaria pelo menos sete bilhões de dólares. Uma outra questão é o imperativo da transição para o transporte de carga em contêineres no Mar Cáspio. Em termos da OCX, isso aumentará o comércio da Rússia com a Índia via Irã, além de oferecer mais um um corredor para o comércio da China com a Europa.

Com o Azerbaijão prevalecendo sobre a Armênia na conflagração Nagorno-Karabakh e, ao mesmo tempo, firmando finalmente um tratado com o Turcomenistão sobre suas respectivas situações no Mar Cáspio, a construção do setor oeste do Lápis-Lazúli é agora muito provável.

O setor leste é uma questão muito mais complicada,  envolvendo um assunto de importância absolutamente crucial que atualmente está sendo discutido apenas em Pequim, mas também na OCX: a integração do Afeganistão ao Corredor Econômico China-Paquistão (CECP).

Em fins de 2020, o Afeganistão, o Paquistão e o Uzbequistão concordaram quanto à construção daquilo a que o analista Andrew Korybko deu o delicioso nome de ferrovia PAKAFUZ. A PAKAFUZ representará um passo de importância-chave para a expansão da CECP para a Ásia Central através do Afeganistão. A Rússia está mais que interessada.
Esse pode se tornar um caso clássico do melting pot ICR-UEEA atualmente em formação. A hora decisiva - que incluirá a tomada de decisões sérias - ocorrerá no próximo verão, quando o Uzbequistão planeja realizar a conferência "Ásia Central e do Sul: Conectividade regional. Desafios e oportunidades".

Portanto, tudo avançará de forma interconectada: o elo TransCaspiano; a expansão do CECP; Af-Paq conectados à Ásia Central; um outro corredor Paquistão-Irã (via Baluquistão, incluindo a finalmente possível conclusão do gasoduto IP) até o Azerbaijão e a Turquia; a  China profundamente envolvida em todos esses projetos.

Pequim irá construir estradas e dutos no Irã, incluindo um gasoduto para levar gás natural iraniano até a Turquia. A parceria Irã-China, em termos de investimentos projetados, é quase dez vezes mais ambiciosa que o CECP. Pode-se chamá-la de CECI (Corredor Econômico China-Irã).

Resumindo: os estados-civilização chinês e persa estão a caminho de repetir a relação muito próxima que desfrutaram durante a dinastia Yuan, a era da Rota da Seda, no século XIII.

CITNS ou nada

Uma outra peça do quebra-cabeça é como o Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (CITNS) irá se unir à Iniciativa Cinturão e Rota e à União Econômica Eurasiana. Um ponto de importância central é que o CITNS é também uma alternativa ao Suez.
Irã, Rússia e Índia vêm discutindo desde 2002 as intrincadas minúcias desse corredor comercial marítimo/ferroviário/terrestre de 7.200 quilômetros de extensão. O CITNS, tecnicamente, começa em Mumbai e segue pelo Oceano Índico até o Irã, o Mar Cáspio, chegando então a Moscou. Uma medida da atratividade desse Corredor é que Azerbaijão, Armênia, Belarus, Cazaquistão, Tajiquistão, Quirguistão, Ucrânia, Omã e Síria são membros do CITNS.

Para o grande deleite dos analistas indianos, o CITNS reduz o tempo de trânsito do Oeste da Índia ao Oeste da Rússia de 40 para 20 dias, ao mesmo tempo em que corta os custos em mais de 60%. O corredor já está em operação, embora ainda não como um elo de fluxo livre e contínuo marítimo-ferroviário.

Nova Delhi já gastou 500 milhões de dólares em um projeto da máxima importância: a expansão do porto de Chabahar, no Irã, que supostamente se tornaria seu ponto de entrada  para uma Rota da Seda made in India, ligando o país ao Afeganistão, e seguindo então para a Ásia Central. Mas então, todo o projeto saiu dos trilhos quando Nova Delhi resolveu flertar com a fracassada proposta do Quad.

A Índia também investiu 1,6 bilhão de  dólares em uma ferrovia ligando Zahedan, a principal cidade do sudeste do Irã, à mina de ferro/aço de Hajigak, no Afeganistão central.  

O presidente da Comissão de Segurança Nacional e Política Externa do Parlamento iraniano Mojtaba Zonnour já deu indicações de que, seguindo-se à parceria estratégica Irã-China, o passo seguinte deverá ser um acordo de cooperação estratégica Irã-Rússia que privilegie "serviços ferroviários, estradas, refinarias, petroquímica, automóveis, petróleo, gás, meio ambiente e empresas baseadas no conhecimento". 

Uma possibilidade que Moscou já vem seriamente levando em conta é a construção de um canal entre o Cáspio e o Mar de Azov, a norte do Mar Negro. Enquanto isso, o já construído porto de Lagan no Mar Cáspio  é um divisor de águas com certidão passada.

Lagan liga-se diretamente a diversos nós da ICR. Há conectividade ferroviária com a Transiberiana, chegando até a China. Cruzando o Cáspio, a conectividade inclui Turkmenbashi, no Turcomenistão, e Baku, no Azerbaijão, que é o ponto de partida da ferrovia BTK que cruza o Mar Negro e então segue da Turquia até a Europa.

Na faixa iraniana do Cáspio, o porto de Amirabad liga-se ao CITNS, ao porto de Chabahar e segue adiante até a Índia. Não é por acidente que diversas empresas iranianas, bem como o Grupo Poly da China e o Grupo Internacional de Engenharia Energética da China querem investir em Lagan.

O que vemos em jogo aqui é o Irã no centro de um labirinto que cada vez mais se interliga com a Rússia, a China e a Ásia Central. Quando o Mar Cáspio, finalmente, for ligado a águas internacionais, teremos um corredor de comércio e transporte que será uma alternativa real ao Suez.

Depois do Irã-China, deixou de ser irrealista imaginar o possível surgimento, em um futuro não tão distante de uma Rota da Seda do Himalaia unindo os membros do BRICS à China e à Índia (pensem, por exemplo, na energia do gelo himalaico convergindo em um Túnel de Energia Hidráulica de uso comum).

No estado atual das coisas, a Rússia está muito focada nas possibilidades ilimitadas do Sudoeste Asiático, como o Chanceler Sergey Lavrov deixou claro na 10ª conferência do Oriente Médio do clube de Valdai. Os presentinhos do Hegêmona em diversas frentes - Ucrânia, Belarus, Síria, NordStream 2 – empalidecem na comparação.

A nova arquitetura da geopolítica do século XXI já vem tomando forma, com a China fornecendo múltiplos corredores de comércio para um desenvolvimento econômico contínuo, e a Rússia sendo a fornecedora confiável de energia e bens de segurança, bem como a conceitualizadora da pátria da Grande Eurásia, com a diplomacia sino-russa de "parceria estratégica" jogando no longuíssimo prazo.

O Sudoeste Asiático e a Grande Eurásia já entenderam para que lado sopram os ventos (do deserto). E logo, os senhores do capital internacional também entenderão. Rússia, China, Irã, Índia, Ásia Central, Vietnã, Indonésia, a Península Coreana, todos passarão por um surto de capital - inclusive os abutres financeiros. Seguindo o evangelho que reza que a Ganância é Boa, a Eurásia está prestes a se tornar a suprema fronteira da Ganância.

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