Como conduzir implacavelmente um país ao colapso
A guerra de atrito conduzida pela Rússia evidencia o fracasso estratégico da Ucrânia e o colapso iminente do país diante da resistência implacável do Kremlin
É difícil cravar qualquer avaliação definitiva sobre a Guerra na Ucrânia, que já é a mais longa na Europa desde 1945. No entanto, as informações disponíveis indicam que o conflito entrou em fase decisiva e que o colapso da frente ucraniana no campo de operações pode se dar em questão de semanas. Por exemplo, tudo indica que a Ucrânia não possui mais pessoal para reposição nas linhas defensivas. O país perdeu não apenas soldados, mas também muito equipamento militar. A cada dia que passa, a Rússia fica mais forte e a Ucrânia mais debilitada. A tendência é Moscou aumentar a velocidade com que está conquistando territórios.
Algumas unidades do exército da Ucrânia estão cercadas, sem comida, sem munição e sem combustível. Algumas solicitaram permissão para evacuar da área de combate, evitando assim o cerco, a liquidação ou a captura pelo inimigo. Porém, o governo de Zelensky não permite, o que tem significado, na prática, a morte dos combatentes. É a colocação em prática do slogan da guerra por procuração da Ucrânia, adotado pela OTAN desde o início: “vamos resistir até o último ucraniano”.
Apesar do desencontro de versões sobre os acontecimentos no palco de guerra, há vários indicadores de que os ucranianos estão perdendo o conflito. Os soldados ucranianos, na medida em que tomam consciência da situação real, se recusam a ir para o matadouro. As taxas de deserção, ao que se fala, estão em nível recorde. Segundo relatos, em alguns casos, batalhões inteiros (entre 3.500 e 5.500 soldados) estão deixando o campo de batalha porque não querem morrer. As tropas ucranianas lutaram com muita determinação durante todo o conflito. Atualmente, o país dispõe do exército europeu com mais experiência em guerra de alta intensidade, mas tudo indica que o teatro de operações, em função de um conjunto de fatores, ficou insuportável para Kiev.
O exército russo enfrentou alguns reveses no início: problemas logísticos graves (comboio de 60 km parado por falta de combustível e munição), subestimação da resistência ucraniana e insuficiente capacidade defensiva; falta de coordenação entre unidades no início da invasão etc. Tais erros levaram a mudanças na forma de combate, como a transição de operações de movimento rápido para a guerra de atrito.
Pelo que se pode concluir, a opção pela guerra de atrito foi correta, porque a Rússia é o lado mais forte em recursos em geral. A Rússia vem explorando na guerra sua vantagem numérica em população, indústria e estoques de armas. Sua maior quantidade de soldados e munição é também uma grande vantagem. A Rússia tem uma população de 144 milhões, contra 44 milhões de ucranianos. Mas este é o número de habitantes da Ucrânia antes de começar a guerra. Do início da Operação Militar Especial, em fevereiro de 2022, até o momento, a estimativa é que a Ucrânia esteja com algo entre 33 e 39 milhões de habitantes. Esses dados são conservadores; é bastante possível que a população da Ucrânia esteja em número muito menor, por conta das mortes na frente de batalha, migração, queda da taxa de natalidade etc.
Outra vantagem da guerra de atrito para a Rússia é a capacidade industrial militar. Enquanto a Ucrânia depende diretamente dos recursos dos EUA e da Europa, a Rússia possui uma capacidade de escala incomparável, ficando atrás apenas da China. Tem capacidade de mobilização rápida para produção em massa de armas e munições. Além disso, a economia russa apresentou grande resiliência em face do maior número de sanções econômicas da história. Verdade seja dita, a indústria militar russa transformou-se radicalmente desde 2022, permitindo ao país sustentar uma guerra prolongada por meio de volume massivo de produção convencional e adaptação a limitações tecnológicas.
Uma das desvantagens da guerra de atrito são os poucos avanços territoriais: as linhas de frente ficam congeladas e a guerra fica sem uma data para terminar. Esse é um problema para a Rússia; a guerra evoluiu para um conflito diferente do inicialmente planejado. Aparentemente, os estrategistas de Moscou previam um conflito mais rápido, talvez subestimando a capacidade da OTAN de sustentar a guerra por procuração. Neste momento, pelo que se pode concluir a partir das fontes mais confiáveis, os russos estabilizaram a frente de operações e alcançaram a dominância aérea com drones, algo que não estava ocorrendo no início do conflito, o que é muito importante na guerra moderna. A Ucrânia obtém vitórias localizadas aqui e ali, porém sem nenhuma vantagem operacional mais estratégica.
A Rússia aprendeu uma doutrina de gestão de suas forças que é impressionante. As tropas russas atacam, depois são enviadas de volta para casa, passam tempo com suas famílias e mantêm o moral elevado. Logo em seguida, vão para um centro de treinamento, onde são atualizadas com as táticas mais recentes, a partir da realidade do campo de batalha. As forças armadas russas levam apenas dias ou semanas para aprender uma lição, aprová-la em termos doutrinários e implementá-la no treinamento e, em seguida, no campo de batalha. Qual outra força armada no mundo possui uma gestão de pessoal desse tipo atualmente?
A montagem do quebra-cabeças das informações sobre a guerra leva à conclusão de que a Rússia está dominando o campo de batalha com relativa folga. Obviamente, tem seus problemas, porque está enfrentando uma organização formada por muitos países. Os países ocidentais tentam vender a ideia de que a economia russa está quebrada e que, portanto, a vitória da OTAN na frente de batalha seria uma questão de tempo. No entanto, apesar das 20 rodadas de sanções da União Europeia, somadas às sanções norte-americanas, a economia russa está crescendo em percentual superior ao da Europa.
Não se pode vencer nada se a estratégia não estiver baseada em informações e dados precisos. Tanto as observações de Donald Trump quanto as dos líderes europeus indicam que esses dirigentes estão vivendo em uma realidade paralela. Em muitos ambientes, é possível sobreviver durante certo tempo, até razoável, com base em informações falsas. Acontece que a guerra da Ucrânia é de altíssima intensidade: implica confrontos diretos entre exércitos regulares com equipamento pesado, uso massivo de artilharia, ofensivas em múltiplas frentes e participação de mercenários internacionais. Em um conflito com essas características, informações erradas pagam um altíssimo preço, em uma velocidade muito grande. Ou seja, a realidade dura da guerra desmente diagnósticos oportunistas, baseados em falsas premissas. Isso explica também por que Trump muda sua narrativa sobre a guerra o tempo todo.
Zelensky e os dirigentes europeus continuam a dizer que a Ucrânia está vencendo a guerra para que os EUA e a Europa continuem a apoiar financeiramente o país. Para esses políticos, admitir que esta é uma guerra perdida significaria o fim de suas carreiras. No caso de Zelensky, o fim da guerra pode significar inclusive um acerto de contas com a justiça, por ter conduzido o país ao atual abismo político, militar, econômico e demográfico. O que parece estar em curso na Ucrânia é um colapso social e político, em simultâneo ao colapso militar.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

