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Luiz Alberto Gómez de Souza

Formado em Ciências Jurídicas e Sociais, pós-graduado em Ciência Política, doutor em Sociologia. Autor de mais de cem artigos em revistas brasileiras e internacionais e colaborador e organizador de vários livros

70 artigos

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Como despertar um movimento saudável e democrático diante de um populismo direitista autoritário e doentio?

Chego a perguntar-me se um certo lulismo exclusivista não pode colocar obstáculo para criar uma ampla frente plural anti-autoritária. Essa indagação, em outra direção, pode referir-se também a Ciro Gomes

França, Suíça e Bélgica receberão Caravana por Lula Livre Europa
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Começo por uma sensação incômoda. O mundo da comunicação se universaliza, cada um com seu computador, há um derrame de informações, mas olhando de perto vemos bolhas ou tribos sem muita intercomunicação. Estes artigos que escrevemos são lidos basicamente pelos que têm uma posição comum firmada, correndo o risco de escrever para nós mesmos, tentando convencer os já convencidos. Outras bolhas dizem coisas diferentes ou opostas, em milhares de twitters, também aparentemente com fortes convicções. Num mundo polarizado, quase não há uma troca de opiniões sem barreiras, cada um se acomodando em sua trincheira. Como sair do nós e eles, para um diálogo plural? Adiante serei obrigado a referir-me, infelizmente, aos campos ainda separados. Vivemos numa divisão bipolar dolorosa, cada um circunscrito a suas “certezas difíceis” (Emmanuel Mounier).

Busquemos lições na história, para tentar superar essa alternativa doentia e descobrir espaços de comunicação com a sociedade mais ampla. A partir de 1993, através das Caravanas da Cidadania, Lula, candidato a presidente várias vezes, galvanizou amplos setores populares em áreas quase intocadas pelos partidos tradicionais. Percorreu no primeiro ano 4.000 kilômetros, em 7 estados e em 359 cidades, penetrando no país profundo. Candido Mendes, que acompanhou uma dessas caravanas, falou do povo de Lula que surgia. Isso em parte preparou a vitória dele em 2002. Um momento de otimismo sacudiu amplos setores da população.

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Vale notar que foi nesse mesmo 1993 que Betinho lançou a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, com a criação de núcleos pelo país afora. Betinho ia surgindo como a consciência ética do Brasil. Lembro de sua ida à festa de Nossa Senhora Aparecida, em 12 de outubro daquele ano. Acompanhei-o, junto com Maria Clara Bingemer. Catedral repleta, ocupada basicamente por setores populares devotos – as classes altas normalmente não se misturavam com a multidão. Correu a voz: “É o Betinho” e abriu-se um corredor central, por onde ele entrou, debaixo de estrondosos aplausos. Estes se repetiram quando, no momento do ofertório, Betinho falou.

Os dois casos, a grande imprensa boicotou. Mas nas bases, o povo simples, através de meios de comunicação alternativos e de suas redes informais, se identificou com aquelas duas figuras emblemáticas. Betinho não foi candidato, tinha feito o que chamou “opção pela sociedade”. Lula preparou sua vitória anos adiante. Em ambos os casos, estavam em sintonia profunda com amplos setores populares.

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Onde está neste momento Lula? Termina um outro tipo bem diferente de caravana, nos grandes centros internacionais, visitando Francisco, o Conselho Mundial das Igrejas, antigos primeiros ministros, etc. Obteve grande prestígio nesse meio e na imprensa internacional mais sensível. Novamente a midia nacional boicotou. Poderia ser, quem sabe, um meio para obter uma legitimidade externa, blindando-o para uma presença interna, diante dos “moros” da vida à espreita para calá-lo novamente. Os setores dominantes se articulavam para isso, na linha da direita internacional de Bannon. Infelizmente, para a população brasileira em geral, Lula lá fora, quase não teve ampla visibilidade aqui dentro.

Do outro lado Bolsonaro, numa viagem meio sem rumo pela Flórida, aproveitando que Trump estava descansando no seu “resort” luxuoso com ares de Disneilândia, conseguiu agendar um jantar com o homem considerado por ele o mais poderoso da terra. De chegada, Trump deu seu veredito: “Ele está fazendo um ótimo trabalho. O Brasil o ama e os Estados Unidos o amam”. Durante o jantar, Trump proclamou sua aprovação: ”O Brasil deu uma virada e está fazendo as coisas muito bem”. Note-se que fez essas declarações olhando para os jornalistas e não se dirigindo a um Bolsonaro beatificamente feliz, como um estudante que recebia nota máxima do mestre. (Lembremos que Obama dissera de Lula: “Este é o homem”. Mas para setores preconceituosos essa afirmação vinha de um negro diante de um operário). Para nós, Bolsonaro aparecia como um vassalo submisso, prestando obediência a seu soberano, num gesto política e economicamente entreguista. Porém, para amplos setores da opinião pública, mal informada por uma mídia facciosa, nosso presidente recebera um importante aval do dirigente do país mais forte, e isso certamente faria crescer seu prestígio e, além disso, traria muitos benefícios para o Brasil.Para muitos, incrivelmente, apesar de suas declarações estapafúrdias e improvisadas, ele aparece como um estadista de afinado senso de oportunidade.

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Para nós, os ex-abruptos de Bolsonaro indicam uma personalidade desequilibrada porém, em outros ambientes, são o sinal de um “cabra macho”, valentão, que se defende de ataques (?). Setores da elite um pouco ilustrada talvez não tenham tanto entusiasmo pelo presidente, mas para eles pior seria a volta do petismo, demonstrando uma reação profunda, inculcada durante anos por uma pregação sórdida, mas também com a repulsa classista inconsciente pela chegada de um operário ao governo. Luís Fernando Veríssimo acertou em cheio: sempre estivéramos governados por Braganças e agora eis que temos um simples da Silva. Entretanto a presença de Moro e de Guedes, dóceis ao sistema, frutos dele, tranquilizam em parte esses setores.

Alguns dos nossos chegaram a sonhar que o resultado da convocação de 15 de março pudesse ser semelhante ao chamado de Collor em 1992, convocando para vestir verde e amarelo, com a população logo depois saindo de preto. Não nos enganemos, podemos infelizmente estar mais próximo dos dias que, em 1964, prepararam as enormes marchas “com Deus, pela família e pela liberdade”. E agora as madames também sairão às ruas, sempre que em Copacabana ou Ipanema. O resultado, se for multitudinário, não nos enganemos, será anunciado pelo governo como um plebiscito popular de aprovação.

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Nesta altura, onde está a oposição? Teve um excelente bom resultado no dia da mulher, 8 de março, onde houve grandes mobilizações pelo país, com a lembrança de Marielle e cartazes contra um presidente misógino. E estão sendo programados dois outros encontros setoriais. Mas esses movimentos serão suficientes? Felizmente uma série de partidos da oposição preparou uma forte declaração: esperemos que tenha impacto.

Temos Lula voltando da Europa. Até o momento parece isolado, não como um dos muitos articuladores de um processo plural que não pode resumir-se a uma liderança só. Às vezes parece que, para alguns setores do PT, o “caso” Lula é mais importante do que o trágico “caso” do Brasil. Chego a perguntar-me se um certo lulismo exclusivista não pode colocar obstáculo para criar uma ampla frente plural anti-autoritária. Essa indagação, em outra direção, pode referir-se também a Ciro Gomes.

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Gostaria de ser otimista, mas se esse panorama atual se confirmar, Bolsonaro continuará governando aos trancos e barrancos e a seu bel prazer. Não teremos, talvez, uma ruptura golpista explícita, mas haverá um governo que, de fato, está dando um golpe branco, já gulosamente interessado em 2022. Sempre poderá haver novidades, ainda mais que esse presidente incontrolável é capaz de criar fatos contra ele próprio. Mas, vejam, estamos apostando em seus possíveis passos em falso e não...

E aqui entra uma exigência indispensável do lado da oposição. Em lugar de ficar à espreita de tolices governamentais - o que alimenta artigos e mais artigos que apenas satisfazem a quem os escreve ou servem para fazer rir, inconsequentes, companheiros do nosso lado-, como sair de uma atitude reativa, para uma postura proativa, convocando mobilizações, mesmo em tom menor, lembrando as Caravanas da Cidadania de Lula ou a Ação da Cidadania de Betinho?

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Olhando com certa inveja as grandes manifestações em Santiago, é impossível deixar de dizer: potencialmente, nós também podemos. Como vai despertar-se a força latente dos indignados? Isso exige uma união de forças bem ampla, aberta inclusive a um centro e a todos os setores democráticos, numa aliança estratégica de salvação nacional. Creio que Flavio Dino, talvez um dos políticos mais atentos e perspicazes, aponta nessa direção. Essa frente, indicou ele, não é uma frente eleitoral, mas pela preservação de um Estado Democrático de Direito. Para isso, é indispensável a anuência de Lula, que ainda é a maior liderança da oposição e o compromisso de outros políticos como Alessandro Molon, Tarso Genro, Ciro Gomes, Manuela d’Avila, Guilherme Boulos, Luiza Erundina, Roberto Requião, Marina Silva, Fernando Haddad, Flávio Suplicy... Listei nomes ao acaso, sem ordem, faltam muitos e dá para constatar que pode haver ali uma energia pluralista latente. Mas não basta ficar nas lideranças, visão tradicional que vem de cima para baixo.

Poderão surgir novos forças saindo do seio da sociedade, no mundo do trabalho, sindical, feminista, juventude, estudantil, de negros, indígenas, LGBT, etc.? Um exemplo: em junho de 2013, inesperadamente, houve uma explosão social que começou espontânea, com um MPL (Movimento pelo passe livre) sem dirigentes, mal compreendida pelos governos nacional e estaduais de então; mais adiante, por cegueira dos setores progressistas, acabou sendo capturada pelo MBL fascistoide.

Tomo aqui as noções de Gramsci, sobre a diferença entre guerra de posições e guerra de movimento, baseadas nas noções bélicas do fim do século XIX. Prefiro falar de um processo para ocupar posições na sociedade civil ou um movimento para chegar ao governo. Sei que não se excluem, mas na conjuntura atual há uma prioridade urgente de ação na sociedade civil e inclusive para retomar um trabalho de educação popular que o Brasil viveu intensamente décadas atrás. Em outro texto gostaria de voltar a este último tema. É na sociedade mais ampla que se poderá dar um processo de conscientização e de tomada madura de posição democrática, popular e nacional. Por isso Betinho chegou a dizer com sua ironia mineira: “Prefiro a planície ao planalto”. E, no artigo de 18 de agosto de 1994, afirmava profético: “Apesar de não acreditar que eu vá viver muito [morreria exatos três anos depois], o fato é que atuo como se a vida não terminasse numa eleição”.

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