Como o acaso fez de nós o que somos – parte 1
Somos tão somente o resultado de milhões ou bilhões de eventos aleatórios que se encadearam e proporcionaram as condições para a nossa existência sobre a Terra
É sempre muito difícil escolher um marco inicial para contar uma história porque, quase sempre, o marco inicial sofreu alguma influência de algo que aconteceu antes, mas, é preciso escolher um ponto de partida. Para o que vou falar hoje e nos próximos textos, escolhi o início da formação do nosso sistema solar, alguma coisa como 4,3 a 4,4 bilhões de anos atrás. Muito tempo. Sim, muito tempo, mas, obviamente, apenas pinçarei alguns eventos totalmente aleatórios, portanto ao acaso, os quais considero emblemáticos para contar a história que pretendo.
Comecemos. Em qualquer sistema solar existe uma variação de temperatura que vai de muito quente, próximo da estrela, ou das estrelas, posto que a maioria dos sistemas solares são binários (sim, o Nando Reis não está de todo errado), a muito frio, longe da(s) estela(s). Os astrônomos representam isso por uma paleta de cores que vai do vermelho (quente) ao violeta (frio). Nesta transição existe uma estreitíssima faixa verde. Nem muito quente, nem muito frio. Esta é a faixa de temperatura sob a qual a vida complexa, ou seja, vida não bacteriana, seja unicelular ou multicelular. Nós, assim como os insetos, por exemplo, fazemos parte da vida complexa que habita a superfície do planeta Terra hoje.
Coincidentemente a Terra está localizada exatamente na estreitíssima faixa verde do nosso sistema solar. Como isso aconteceu? Isso foi o resultado da interação do campo gravitacional do Sol e dos planetas do nosso sistema solar. Lembremos do ensino médio onde aprendemos que o Newton em sua lei da gravitação universal disse: “matéria atrai matéria na razão direta do produto de suas massas e na razão inversa do quadrado de suas distâncias, vezes uma constante (definida pelo próprio)”. Portanto, foi a interação entre as massas do Sol e da Terra que definiu a distância do posicionamento da órbita estacionária que esta, assim como todos os outros planetas, ocupa no nosso sistema solar.
Se Newton disse COMO gravidade atua, mais tarde, Einstein, em sua Teoria da Relatividade Geral, disse POR QUE ela atua dessa forma e isso completou o nosso entendimento a respeito do posicionamento da Terra dentro da estreitíssima faixa verde de temperatura. Fossem as massas do Sol e da Terra um pouco diferente do que são, esta estaria fora da faixa verde e seria muito difícil o desenvolvimento de vida complexa em sua superfície. Aí está a primeira “obra” do acaso na nossa história.
Vamos à próxima. Bem no início da consolidação do planeta Terra, por volta de 4,3 bilhões de anos atrás, em uma Era que os Geólogos chamam de Hadeano, havia 2 (dois) corpos orbitando a mesma órbita, Gaia e Teia. Baseado em Newton e em Einstein, um dia, inevitavelmente, eles iriam se chocar. Na mitologia grega, Teia foi uma titânide, filha de Gaia e Urano. O inevitável impacto aconteceu e hoje Geólogos e Astrônomos chamam-no de “Big Crush”. Este impacto fundiu os dois corpos, mas também soltou milhões de fragmentos, muitos deles escaparam do campo gravitacional do corpo resultante e até mesmo do sistema solar, mas um ficou, a Lua, apesar de lentamente se afastar de sua “mãe”. O corpo resultante é o que chamamos de Gaia em Grego, Terra em Latim e Earth, em Saxão.
Este impacto resultante de outra situação completamente aleatória durante a formação do nosso sistema solar que colocou dois corpos de massa muito próximas na mesma órbita condicionou no planeta Terra, outra situação essencial para o desenvolvimento de vida complexa. Senão vejamos. O impacto titânico deu uma “chacoalhada” de escala planetária no corpo resultante (Terra). Isso provocou uma estratificação pela densidade dos elementos químicos contidos no planeta. Os mais densos como o Ferro e o Níquel, em sua maioria, se concentraram no centro do corpo formando uma esfera muito densa e sólida. Hoje chamamos isso de Núcleo Interno. Ao redor dele, tudo se encontra em fusão, no estado líquido. Esta “camada” líquida, chamada de Núcleo Externo faz o invólucro do Núcleo Interno.
Envolvendo o núcleo externo existe o Manto, em estado “semi-sólido”. A camada mais externa, uma casquinha sólida, como se fosse a casca de um ovo, é chamada de Crosta. A Crosta se consolidou com o passar do tempo e faz parte um uma outra camada um pouco mais espessa, mas, ainda assim, muito fina quando comparada ao Manto e ao Núcleo, chamada de Litosfera. Essa Litosfera é toda fraturada como a casca de um ovo craquelado. Estes fragmentos nós chamamos de Placas Tectônicas.
Mas, retornemos ao Manto e ao Núcleo. Como vimos, existe uma esfera sólida no centro envolvida por uma “camada” líquida, que por sua vez é envolvida por outra “camada” sólido-líquida. Em função desta estratificação particular da Terra, decorrente do “big crush”, com uma “camada líquida” separando duas “camadas sólidas”, o movimento de rotação da Terra não é transferido uniformemente para o seu interior, ou seja, o Manto gira em uma velocidade diferente da velocidade do Núcleo Interno. Isso faz com que o interior da Terra funcione como um dínamo gerando um campo eletromagnético que se manifesta como um dipolo magnético com suas extremidades nos dois pólos de rotação do planeta.
Esta é a fonte do nosso famoso campo magnético que circunda a Terra e funciona como um escudo para as partículas solares, as quais, se não fossem repelidas por ele (o campo magnético) danificariam a camada de ozônio que circunda a Terra tornando a superfície do planeta inóspita para a vida complexa. As famosas auroras boreal e austral são a visualização do impacto das partículas solares no campo magnético da Terra. Só existe vida complexa na superfície da Terra por causa do campo magnético e o campo magnético é o resultado de um evento aleatório, totalmente ao acaso.
O “big crush” teve ainda outra consequência para o desenvolvimento de vida complexa na superfície da Terra. Foi ele que, em última instância, definiu o tamanho, que tem a ver com a massa, da Terra. Vimos no início deste texto que a massa da Terra teve vital importância para o seu posicionamento dentro da faixa verde de temperatura. Todavia, o tamanho da Terra também é importante para a retenção da atmosfera que a envolve e que é vital para a vida complexa. Fosse a Terra um pouco maior, sua força gravitacional faria a atmosfera colapsar sobre ela. Fosse a Terra um pouco menor, sua força gravitacional não seria suficiente para reter a atmosfera e essa se dissiparia no espaço. Sem atmosfera, não haveria vida complexa.
Só estamos começando esta jornada sobre alguns (pouquíssimos, na escala da parte por milhão, talvez, bilhão) eventos aleatórios que foram fundamentais para a nossa existência sobre este planeta maravilhoso. Haverá outros textos sobre o assunto nas próximas semanas, mas o importante é entendermos que somos tão somente o resultado de milhões ou bilhões de eventos aleatórios que se encadearam e proporcionaram as condições ideais para a nossa existência sobre o planeta Terra.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



